78. Pedro Mexia, Biblioteca / Uma vez que tudo se perdeu

78. Pedro Mexia, Biblioteca / Uma vez que tudo se perdeu

Elizabete M. de Sousa

Comecemos por uma brevíssima contextualização dos dois mais recentes livros de Pedro Mexia na sua variada produção. Biblioteca é o sexto livro de crónicas desde 2006, dos publicados em Portugal, e reúne sessenta e cinco crónicas inicialmente saídas em dois jornais, Público e Expresso, entre Março de 2008 e Março de 2015. É pois de assinalar que este volume inclui textos cuja génese será contemporânea de cinco dos seis livros de crónicas anteriormente editados.

77. Montanha, João Salaviza

77. Montanha, João Salaviza

Marana Borges 

Ele dorme. A pouca luz que escapa quarto adentro basta para anunciar o dia, entorná-lo sobre as suas costas de garoto, insinuar na cintura a beleza oblíqua da adolescência. Todo o filme é essa pintura de um verão passado às sombras. Porque faz calor; é preciso salvar-se. Mas também é preciso salvar-se dos outros, e a penumbra é a que melhor alberga as formas, os corpos, os medos. 

76. Alice Munro, Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento

76. Alice Munro, Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento

Helena Carneiro

Aceitar o que nos acontece não nos exime de responsabilidade; o truque está em percebermos que quaisquer que sejam os termos definidos, esses mudam no decurso do que vamos vivendo. As tentativas de equilíbrio e controlo que fazemos são para lidar com o que inevitavelmente teve de ser deixado para trás e com o que inevitavelmente nos deixou para trás. Munro sabe que não há acordos possíveis com o universo, apenas connosco.

75. Italo Calvino, O Cavaleiro Inexistente

75. Italo Calvino, O Cavaleiro Inexistente

Ana Ferraria

Il cavaliere inesistente, publicado em 1958, é o último volume da trilogia de Italo Calvino, trilogia essa que o autor reeditará, em 1960, com o título Os Nossos Antepassados (I nostri antenati), e com a qual pretende fazer despertar no homem contemporâneo do pós Segunda Guerra Mundial a consciência da raiz dos seus problemas. Calvino irá criar personagens e situações que lhe possibilitem levar ao extremo as dificuldades que pretende tratar

74. Daniel Arasse, Não se vê nada

74. Daniel Arasse, Não se vê nada

João Oliveira Duarte

Em Proust et les signes, Gilles Deleuze começa por afirmar, na topologia que faz dos diversos tipos de signos, a superioridade do ciúme em relação ao amor. Não apenas, afirma ele, “o ciúme é mais profundo” como, além disso, “ele contém a verdade do amor”. É o primeiro que confere ao segundo todo o seu peso, que abre neste a sua dimensão de pesquisa obstinada, que lhe revela toda a sua Paixão, que cria o signo amoroso. Se partirmos da já antiga proposição segundo a qual a verdade do amor deve ser interrogada do lado do amante e não do amado, encontramos no ciúme um limite que implica uma reversão da mesma. Neste, não é o amante que se limita a observar, a olhar, a interrogar, mas é a própria “paisagem” que nos olha e observa, que nos provoca

73. Ben Lerner, Leaving the Atocha Station

73. Ben Lerner, Leaving the Atocha Station

Telmo Rodrigues

O primeiro livro de prosa do poeta Ben Lerner, Leaving the Atocha Station, recebeu, de forma geral, críticas muito positivas. Entre as várias questões levantadas nessas críticas, amais abordada foi a maneira como a relação óbvia entre o narrador, Adam Gordon, e o próprio autor se dilui através da bonomia que marca a ficção. O bom humor confere à história uma nota de liberdade que não seria expectável quando os factos descritos são tão claramente autobiográficos, sendo que os críticos destacaram muitas vezes o desprendimento do autor face à personagem Adam, que é declaradamente, em muitos momentos, reflexo de si próprio. 

72. Alexandre Sokourov, Francofonia – O Louvre sob ocupação

72. Alexandre Sokourov, Francofonia – O Louvre sob ocupação

Ana Ferraria

À saída da projecção do mais recente filme de Alexandre Sokourov, Francofonia – O Louvre sob ocupação, durante a última edição do Lisbon Estoril Film Festival, dois desconhecidos pretenderam sondar a minha opinião acerca do mesmo. Segundo estes, Francofonia debruçava-se sobre tudo menos a francofonia (região linguística de língua francesa) e o seu título tratava-se, por isso, de propaganda enganosa. De acordo: este filme não tem como tema a cultura francesa e muito menos a sua língua. 

71. Marie-José Mondzain, Homo Spectator

71. Marie-José Mondzain, Homo Spectator

Ana Margarida Ferraria

Depois de Image, Icône, Économie (1977) e Le Commerce des Regards (2003), a filósofa francesa Marie-José Mondzain prossegue, em Homo Spectator, o seu estudo sobre a história da iconoclastia e da construção de imagens enquanto marca da distinção entre o homem e os restantes animais. Especialista no período bizantino, com um conhecimento profundo dos textos antigos, Mondzain recorre ao seu vasto saber académico para escrutinar o papel contemporâneo da imagem e a sua relação com o sujeito. 

70. Elena Ferrante, L'amica geniale (IV vols.)

70. Elena Ferrante, L'amica geniale (IV vols.)

Ana Cláudia Santos

Muito do que se tem escrito sobre Elena Ferrante conflui, mais cedo ou mais tarde, em reflexões acerca da natureza da ficção e das contaminações necessárias entre os géneros do romance e da autobiografia. Tal não se deve apenas ao facto de “Elena Ferrante” ser um pseudónimo e de a autora que assina com esse nome se recusar a dar uma cara e uma identidade ao nome; todos os seus livros até à data são protagonizados e narrados por mulheres que apresentam entre si vários pontos de contacto.

69. Saul Bellow, Herzog

69. Saul Bellow, Herzog

Alexandre Andrade

Poucas vezes a decisão de baptizar um romance com o nome da personagem principal (algo em que Bellow foi reincidente) terá sido tão apropriada. Mais do que dominar Herzog de uma ponta à outra, Moses Elkanah Herzog é a única razão de ser do romance. A identificação de Herzog com o próprio autor é do mais explícito que se possa imaginar, a ponto de ser plausível admitir que Bellow pretendeu sufocar à nascença quaisquer especulações sobre a natureza autobiográfica da obra.

67. Frederico Lourenço, O Lugar Supraceleste

67. Frederico Lourenço, O Lugar Supraceleste

Telmo Rodrigues

Há muitos anos, uma pessoa muito estúpida perguntou-me se eu «agora» só lia coisas em inglês. A pergunta surgiu no contexto de uma conversa banal sobre a relevância de artistas portugueses e terá tido origem no facto de eu ter sido apanhado a ler um livro em inglês (a trilogia do Roddy Doyle, provavelmente). A implicação era a de que agora, que dominava a língua inglesa ao ponto de ler uma coisa «grande» como um livro com três romances lá dentro, seria mais um dos que desbaratam toda a arte que se produz em Portugal com tanto afinco e tanto suor. Ainda hoje me orgulho do impropério que atirei à pessoa em causa, um registo de imaturidade linguística mas de alguma maturidade intelectual.

66. Italo Calvino, O Barão Trepador in Os Nossos Antepassados

66. Italo Calvino, O Barão Trepador in Os Nossos Antepassados

Ana Margarida Ferraria

No segundo volume da trilogia Os Nossos Antepassados (I Nostri Antenati), O Barão Trepador (Il Barone Rampante), publicado originalmente em 1957, Italo Calvino substitui as temática da guerra e da alienação do homem, fundamentais para O Visconte Cortado ao Meio, por uma busca mais ampla e espiritual da individualidade humana. Para isso, o autor faz incidir toda a acção num período histórico preciso – entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX – e num espaço físico bem delineado.

64. Marilynne Robinson, Home

64. Marilynne Robinson, Home

João Pedro Vala

No segundo volume da trilogia acerca da vida em Gilead, Marilynne Robinson desloca o centro da acção de casa do pastor John Ames para a casa do reverendo Robert Boughton, tirando da sombra personagens que, em Gilead, permaneciam obscuras, ao mesmo tempo que prepara o volume final, ao adensar o mistério à volta de Lila, a mulher de John Ames.

63. Rebecca Solnit, The Faraway Nearby

63. Rebecca Solnit, The Faraway Nearby

Maria Rita Furtado

«What's your story? It's all in the telling. Stories are compasses and architecture (…) and to be without a story is to be lost.» (p. 4) Assim começa The Faraway Nearby (publicado em 2015 pela Quetzal com o título Esta Distante Proximidade), um dos livros mais recentes da escritora norte-americana Rebecca Solnit, que se apresenta como um mapa feito de histórias, através do qual a autora tenta guiar-se após uma série de acontecimentos que seriam capazes de interromper as histórias acerca de si própria e do mundo, pelas quais se regera até então: o Alzheimer da mãe, o fim de uma relação, a possibilidade de ter cancro. É preciso voltar a unir as pontas e fazer sentido de caminhos que parecem não levar a lado nenhum, e isso faz-se contando histórias e ligando-as umas às outras, ponto por ponto.

61. Italo Calvino, O Visconde Cortado ao Meio

61. Italo Calvino, O Visconde Cortado ao Meio

Ana Ferraria

Escrita durante as décadas de 1950 e 1960, a trilogia Os Nossos Antepassados (I Nostri Antenati), de Italo Calvino (1923-1985), reúne histórias sobre a realização de sonhos humanos e pretende desenhar “uma árvore genealógica dos antepassados do homem contemporâneo”, antepassados, esses, que juntam em si características de todas as pessoas comuns que o leitor vê à sua volta. De acordo com Italo Calvino, o homem contemporâneo– dividido, mutilado, incompleto e inimigo de si mesmo – havia perdido a sua harmonia clássica, mas ganhara, em compensação, uma complexidade moderna, tornando-se, portanto, um tema literário por excelência.

60. Hans Ulrich Gumbrecht, The Powers of Philology. Dynamics of Textual Scholarship

60. Hans Ulrich Gumbrecht, The Powers of Philology. Dynamics of Textual Scholarship

Pedro Tiago Ferreira

Hans Ulrich Gumbrecht começa por identificar, logo nas primeiras páginas de The Powers of Philology, dois sentidos habitualmente atribuídos ao termo «filologia»: “On the one side, you will find definitions of the word philology that, bringing it back to its etymological meaning of ‘interest in or fascination with words,’ make the notion synonymous with any study of language or, even more generally, with almost any study of any product of the human spirit. On the other, more specific and more familiar side, however, philology is narrowly circumscribed to mean a historical text curatorship that refers exclusively to written texts.” (p. 2)

59. Jane Gardam, Old Filth: A Trilogy

59. Jane Gardam, Old Filth: A Trilogy

Elisabete M. de Sousa

A trilogia Old Filth reúne três romances de Jane Gardam (n. 1928) cuja publicação se estendeu praticamente ao longo de uma década. O primeiro volume dá o título à própria trilogia e foi inicialmente publicado em 2004 na Chatto & Windus, a mesma editora que publicaria a primeira edição do segundo tomo em 2009, intitulado The Man with the Wooden Hat. Em 2013, sairia Last Friends no grupo Little, Brown, o mesmo que com a chancela Abacus tem publicado em paperback as sucessivas reimpressões dos dois primeiros volumes, assim como da trilogia completa.

58. James Booth, Philip Larkin: Life, Art and Love

58. James Booth, Philip Larkin: Life, Art and Love

Telmo Rodrigues

O poeta inglês Philip Larkin (1922-1985), nunca tendo casado, manteve durante a maior parte da vida uma relação amorosa com Monica Jones, professora na Universidade de Leicester. Em simultâneo com esta ligação, Larkin envolveu-se numa segunda relação, por um período mais curto, com Maeve Brennan, com quem trabalhava em Hull. Em Philip Larkin: Life, Art and Love, James Booth relata que, em finais de 1975, ainda mantendo relações com Jones e Brennan, o poeta iniciou uma ligação amorosa com a sua secretária de há quase duas décadas, Betty Mackereth; esta terceira relação ter-se-ia conservado secreta, se Andrew Motion, autor da biografia oficial de Larkin (Philip Larkin: A Writer’s Life, 1993), não tivesse descoberto o caso quando fazia pesquisa para escrever o seu livro.

57. Peter Ackroyd, Alfred Hitchcock

57. Peter Ackroyd, Alfred Hitchcock

Alexandre Andrade

Um dos dilemas maiores do biógrafo, mais agudo do que nunca nos tempos que correm, é este: perante a superabundância de informação acerca de qualquer personagem mais ou menos obscura, disponível para qualquer interessado, o que pode justificar uma nova biografia? Há quem corra mundo e entreviste obsessivamente parentes e amigos do biografado, à procura dos farrapos de má-língua que distinguirão aquela biografia de todas as restantes; há quem, sem sair do recato do seu escritório, se entregue a devaneios que reduzem o biografado a um simples pretexto para as mais barrocas construções teóricas; há quem procure o escândalo sob forma de alegações escabrosas; há quem ceda à hagiografia; há quem cavalgue as modas e revisite esta ou aquela figura segundo os cânones dos estudos de género ou do paladar da moda em psicanálise.

56. Sarah Manguso, Ongoingness: The End of a Diary

56. Sarah Manguso, Ongoingness: The End of a Diary

Helena Carneiro

Logo na primeira página, é anunciado que Ongoingness trata do diário que Sarah Manguso manteve durante vinte e cinco anos, e percebemos que o que se segue neste curto livro é uma série de reflexões sobre essa actividade de escrita. No Posfácio esclarece-se que não foi incluída qualquer entrada do diário, sendo indicadas as razões dessa decisão: Ongoingness não é sobre uma parte, mas sim sobre todo o diário (e seria impossível incluí-lo na totalidade, visto ter à data cerca de oitocentas mil palavras); o diário não foi escrito tendo em vista um público e, logo, a autora diz que não saberia como apresentá-lo a uma comunidade de leitores.