126. Stanley Price, James Joyce and Italo Svevo: The Story of a Friendship

126. Stanley Price, James Joyce and Italo Svevo: The Story of a Friendship

Inês Ramos

Em James Joyce and Italo Svevo: The Story of a Friendship (2016), Stanley Price explora a ideia de que a amizade que Joyce e Svevo desenvolveram a partir de 1907 determinou, em medidas diferentes, o percurso literário dos dois autores. Tomando por base um quadro de relação em que Svevo funciona como uma espécie de pai para Joyce, Price procura dar a ver que Svevo influenciou decisivamente a obra de Joyce, constituindo-se como fonte de conhecimento do judaísmo e, num sentido mais profundo, como modelo para Leopold Bloom, protagonista de Ulysses

125. Jorge Luis Borges, Este Ofício de Poeta

125. Jorge Luis Borges, Este Ofício de Poeta

Lauro Reis

Há palestras que merecem ser recordadas e palestras que merecem ser lidas, muito depois de realizadas. Felizmente, ambas costumam convergir na mesma obra. Estas seis palestras, reunidas neste livro e proferidas em Harvard, no Outono de 1967, no âmbito das palestras Norton, não são excepção; mais que não seja pelo facto de Borges, por mais que o próprio negue com toda a sua característica humildade, ser em si mesmo uma excepcionalidade.

124. Darren Aronofsky, Mother!

124. Darren Aronofsky, Mother!

António Pereira

A associação da figura do Artista ao Deus hebraico — o grande criador por excelência — não é propriamente uma ideia nova. No entanto, talvez essa comparação nunca tenha sido explorada de forma tão pungente e destemida como em mother!, filme em que Deus e Artista são uma só entidade, e onde alegorias bíblicas se cruzam com meditações acerca do processo criativo e dos seus efeitos na relação com o Outro, num sonho febril que consegue fundir a violência cerebral de um Polanski com a excentricidade macabra de um Jodorowski.

123. Harold Ramis e Danny Rubin, Groundhog Day

123. Harold Ramis e Danny Rubin, Groundhog Day

João N.S. Almeida

Groundhog Day foi concebido como uma comédia com alguns elementos místico-religiosos associados, alicerçada numa premissa do género fantástico, onde um homem de constituição moral perversa é forçado, por razões desconhecidas, a viver o mesmo dia repetidamente, optando então por um progressivo melhoramento moral que leva à quebra desse ciclo e ao regresso à continuidade da vida. Mas os elementos narrativos que constituem o filme resultam num produto final que os ultrapassa e que tem vindo a ser reconhecido enquanto parábola moral enormemente sólida construída sobre um fundo alegórico de conteúdo indeterminado, algo que tentarei explicitar melhor nesta recensão.

 

122. George Saunders, Lincoln no Bardo

122. George Saunders, Lincoln no Bardo

Frederico Pedreira

George Saunders, reconhecido autor de vários livros de contos (entre os quais Dez de Dezembro [Ítaca, 2016] e Pastoralia [Antígona, 2017]), publicou o seu primeiro romance, Lincoln no Bardo, um livro manifestamente excêntrico. Esta obra mereceu vários elogios, em recensões publicadas, por exemplo, no The Guardian e no The New York Times. Em Portugal, o livro saiu pela Relógio D’Água (com tradução de José Lima) no mesmo ano em que foi originalmente publicado nos Estados Unidos. Também no nosso país tem sido merecedor de iguais elogios, sobretudo pela inovação contida na sua narrativa.

121. Philip Larkin, Letters to Monica

121. Philip Larkin, Letters to Monica

Inês Gaspar da Rosa

Both were born in 1922, both studied English Literature at Oxford between 1940 and 1943 («City we shared without knowing», as Larkin writes in «Poem about Oxford»), both had First Class degrees. Monica Jones and Philip Larkin, however, only met in 1946 at Leicester University College, where Jones had been appointed as an Assistant Lecturer in English, and Larkin as an Assistant Librarian. They were lovers and confidants until death them did part.

120. Lena Essling (Ed.), Marina Abramovic: The Cleaner

120. Lena Essling (Ed.), Marina Abramovic: The Cleaner

Tomás N. Castro

Este Verão, quem tiver visitado — na margem dinamarquesa do estreito de Øresund — o Louisiana Museum of Modern Art encontrou, além de um notável acervo de artistas como sejam Alberto Giacometti ou Asger Jorn, duas grandes retrospectivas: uma, a exposição que documentava a obra de Tal R (n. 1967), pintor conhecido sobretudo pelo seu trabalho como professor de pintura em Düsseldorf; a outra tratava-se da primeira grande mostra europeia da produção de Marina Abramović (n. 1946), apresentando mais de 120 obras (em suportes muito variados) que percorrem sensivelmente cinco décadas de trabalho da mediática performer de origem sérvia.

119. A. Scott Berg, Max Perkins: Editor of Genius

119. A. Scott Berg, Max Perkins: Editor of Genius

Helena Carneiro

Em 2016 estreou o filme Genius, de Michael Grandage, sobre o editor norte-americano Max Perkins. A ênfase do filme recai na sua relação com o escritor Thomas Wolfe, não deixando de haver referências aos dois outros escritores mais famosos com quem Perkins trabalhou: F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway. Quem vê o filme à procura de uma descrição detalhada do trabalho de Perkins, não a encontra. Embora existam momentos em que se veja o modo como Perkins trabalha — a leitura dos manuscritos nas viagens de comboio diárias entre Nova Iorque, onde trabalhava na sede da Charles Scribner’s Sons, e New Canaan, onde morava; os conselhos técnicos a Wolfe acerca da extensão dos seus manuscritos; o uso abundante do lápis vermelho —, fica-se com a sensação de que o que nos foi mostrado é insuficiente. O filme tem, no entanto, duas virtudes para quem se interessa pelo trabalho de edição: dar a conhecer, a quem o desconhecia, este editor; fornecer indicações para quem quer saber mais: o filme é baseado na biografia de Perkins que A. Scott Berg escreveu em 1978.

118. Laurent Binet, A Sétima Função Da Linguagem

118. Laurent Binet, A Sétima Função Da Linguagem

Paulo Nóbrega Serra

No dia 25 de Fevereiro de 1980, o linguista, filósofo e crítico literário Roland Barthes é vítima de um atropelamento. Morre um mês depois, no seu quarto de hospital, no dia 26 de Março de 1980 — data conforme à realidade —, não em resultado do acidente, mas vítima de um assassinato, desta vez bem sucedido. Enquanto o título da obra refere aquilo que seria a mais recente descoberta de Barthes, a sétima função da linguagem, o subtítulo, «Quem matou Roland Barthes?», procura evidenciar a natureza de thriller policial do livro. Contudo, à medida que avançamos na leitura, a narrativa evidencia-se mais como sátira do que como mistério. Laurent Binet caminha numa linha ténue entre o popular e o erudito: se por um lado joga com uma série de códigos e referentes (como no caso da sociedade secreta, as senhas de entrada, os espiões, o sexo), por outro tudo é subvertido por meio da sátira, ainda mais porque a intriga assenta num tema obscuro (intencionalmente?), que parece pouco explicado, ou pelo menos de forma pouco convincente, e move-se entre uma série de referências que só alguns leitores irão captar numa primeira leitura mesmo que desatenta.

117. Jim Jarmusch, Paterson

117. Jim Jarmusch, Paterson

Lauro Reis

Paterson é um poeta e condutor de autocarros. Vive em Paterson, Nova Jérsia, com a sua companheira chamada Laura, que sonha abrir uma pastelaria e tornar-se uma estrela de música country. Paterson escreve poemas antes de começar o seu turno no trabalho, durante a pausa de almoço e quando tem algum tempo livre. Gosta de escutar as conversas dos passageiros enquanto conduz o autocarro e de contemplar as quedas d´água do rio Passaic, enquanto come o almoço que Laura lhe preparou. Todas as noites passeia um Bulldog Inglês chamado Marvin até ao seu bar habitual, onde toma a sua expectável cerveja, assinalando assim o final desse dia.

116.  Karen Van Dyck, Austerity Measures; Christos Ikonomou, Something Will Happen, You’ll See

116. Karen Van Dyck, Austerity Measures; Christos Ikonomou, Something Will Happen, You’ll See

Tatiana Faia

Numa das minhas últimas viagens a Atenas, passei algumas horas de um final de tarde no Classic Acropol Hotel, que acolheu em Maio de 2017, sob os auspícios da Fundação Onassis, uma exposição sobre Fukushima. Concebido por um dos grandes arquitectos gregos de meados do séc. XX, Emmanuel Vourekas, o edifício foi originalmente projectado com um relevo no átrio da autoria de Dimitris Pikionis, amado em Atenas por ser o arquitecto que projectou as áreas pedestres em redor da Acrópole. O luxuoso hotel de oito andares, que em tempos teve mobília desenhada por Le Corbusier nos espaços em redor do átrio, convenientemente localizado numa das praças mais centrais de Atenas, e numa das que a crise tornou mais dolorosamente degradadas e perigosas — a praça Omónia —, tem ainda a particularidade de ter sido conservado exactamente como estava no dia em que foi encerrado.

115.James Gray, The Lost City of Z

115.James Gray, The Lost City of Z

Tiago J. Silva

Tornou-se comum entre vários críticos enfatizar a singularidade do lugar de James Gray no cinema contemporâneo. A sua posição é a de quem tenta fazer justiça a certas coisas que se julga terem desaparecido ao mostrar que a persistência delas no tempo pode afinal ser asseverada. Entre essas coisas está uma certa ideia de como se deve fazer filmes e de como se deve filmar pessoas. The Lost City of Z, tendo por base o livro homónimo de David Grann, corrobora certas opiniões sobre a obra do realizador ao mesmo tempo que torna claros os termos da sobrevivência do tipo de cinema que Gray quer defender.

114. Lorde, Melodrama

114. Lorde, Melodrama

Tiago Clariano

Lorde é a heroína pop da imperfeição: as suas canções não expressam o desejo de poder viver melhor, mas o de aproveitar o momento que se vive. Para ela, e de uma perspectiva estética, a imperfeição tem muito mais para oferecer do que qualquer concretização perfeita dos seus planos.

113. Nick Willing, Paula Rego

113. Nick Willing, Paula Rego

Sofia A. Carvalho

Era uma vez. E quem não se lembra da voz suave e hipnótica da avó a contar mais uma história para adormecer à sua neta de eleição? Eu não. Não sendo a vida um conto de fadas, e à semelhança do que este último esconde, aquela é feita de uma desarmante perversidade. Pois bem: o filme documental Paula Rego, Secrets & Stories, realizado pelo filho Nick Willing — exibido pela primeira vez no dia 25 de Março na BBC2, e cuja antestreia nacional foi a 4 de Abril na Fundação Calouste Gulbenkian, contando aí com a presença do realizador e da artista —, retrata isso mesmo. O conto de fadas em Paula Rego assume o tom de revolta de uma mulher-cão: contradictio in terminis assumida pela pintora, que surge retratada pelos filhos como um ser estranho — anjo perverso e vingativo — que possui algo de belo, mas talvez por isso intocável e intangível.

112. Fernando Pessoa, Obra Completa de Ricardo Reis

112. Fernando Pessoa, Obra Completa de Ricardo Reis

Nuno Amado

Depois da publicação da Obra Completa de Álvaro de Campos, em 2014, e da Obra Completa de Alberto Caeiro, já em 2016, a Tinta-da-China concluiu no final do ano passado a trilogia das obras integrais dos três principais heterónimos pessoanos com a Obra Completa de Ricardo Reis. De acordo com os editores, Jerónimo Pizarro e Jorge Uribe, os propósitos desta edição eram os de dar a ler «um Reis mais bem decifrado, mais completo e mais diacrónico» (p. 17). Os principais méritos desta edição são indissociáveis destes três propósitos.

111. David Lynch e Mark Frost, Twin Peaks: The Return

111. David Lynch e Mark Frost, Twin Peaks: The Return

João N.S. Almeida

No final da segunda temporada de Twin Peaks, o último episódio era constituído em grande parte por uma sequência já não onírica mas sobrenatural, ancorada no mundo real do enredo, onde uma personagem dizia ao protagonista que se voltariam a ver passados vinte e cinco anos. Esta terceira temporada surge depois desse intervalo de tempo, mas nada disto é necessariamente premeditado em Lynch. Na criação do enredo da série, os elementos narrativos são dispostos como pontas soltas que se vão completando conforme as circunstâncias o sugerirem, não só aquelas inerentes à criação artística mas também as exteriores, tal como as reacções do público e as pressões do formato e do meio. Alguns elementos acabam por permanecer non sequitur, outros adquirem uma importância que transcende o micro-enredo e atinge o patamar de veículo principal da trama. Isto é feito em modo de fluxo de consciência, técnica recuperada da pintura do expressionismo abstracto, onde Lynch se formou, mas já presente em tradições anteriores. A primeira e segunda temporadas da série foram construídas dessa forma, onde se juntavam elementos obtidos através de inspiração e improvisação, ligados ao fio principal do enredo por critérios estéticos ou até esotéricos, e não tendo necessariamente como fim uma conclusão da trama policial. A revelação forçada do assassino, a meio da segunda temporada, «matou a galinha que punha os ovos de ouro» e deixou o enredo à deriva, procurando outros fios narrativos improvisados sob pressão. Foi este o ponto em que a série foi interrompida e agora retomada.

110. Isabela Figueiredo, A Gorda

110. Isabela Figueiredo, A Gorda

Maria Rita Furtado

Ao abrir A Gorda, o primeiro romance de Isabela Figueiredo, além de epígrafes que poderiam ser consideradas comuns, na medida em que são excertos de textos, deparamos com uma «epígrafe sonora». Tal epígrafe não consiste em citações de letras de músicas, como se poderia esperar, mas antes numa lista de nomes de artistas e de títulos de músicas, ordenados cronologicamente. A lista é tão variada que não pode deixar de surpreender: ver nomes como Lou Reed e Ornatos Violeta ao lado de Abba e Amor Electro não é coisa habitual. A primeira curiosidade que o livro despertou foi, portanto, perceber o que faziam «Language is a Virus», de Laurie Anderson, e «Amanhã é Sempre Longe Demais», dos Rádio Macau, na mesma página, uma vez que não parece que a escolha das canções tenha sido acidental. Assim, foi preciso pensar nas letras das músicas e tentar descortinar o denominador comum: quase todas descrevem amores infelizes e todas contam histórias de vidas que ficaram por viver, pelas mais variadas razões. E é disso que Isabela Figueiredo nos fala: da vida não vivida de Maria Luísa, a personagem principal de A Gorda, mas também, e acima de tudo, da vontade que ela tem de a viver.

109. Terry Gilliam, Brazil

109. Terry Gilliam, Brazil

Maria de Almeida Alves

Em 1985, estreia Brazil, filme que conta com três argumentistas: Terry Gilliam — que o realiza —, Charles McKeown e Tom Stoppard. Recentemente reposto em dois cinemas lisboetas, é apresentado enquanto Brasil: O outro lado do sonho. Inusitadamente, dadas as traduções imaginativas a que nos vimos habituando nas salas de cinema portuguesas, o nome assenta-lhe. Submergimos num mundo desarrazoado, constantemente ameaçado por bombas ditas terroristas, no qual um regime totalitário se impõe através de uma máquina burocrática computorizada. Tendo presente a década em que o filme foi realizado, percebe-se que as máquinas de escrever façam parte do elenco, e, como tal, estejam lá quando uma barata esvoaça pela sala e é espalmada no tecto por um dos burocratas, caindo numa das máquinas e esborratando um nome que, de «Tuttle», passa a «Buttle», cumprindo a devida vénia a Kafka.

108. Eduardo Cintra Torres, Telenovela, Indústria e Cultura, Lda

108. Eduardo Cintra Torres, Telenovela, Indústria e Cultura, Lda

Tomás N. Castro

As telenovelas são um passatempo nacional que conta já com quatro décadas de história. Apesar da «baixeza de cultura» e da «fraqueza dos diálogos» — críticas sempre pertinentes das altas esferas da intelectualidade pátria —, a televisão generalista (descontando, por isso, o cabo) emite uma média de 2500 horas anuais destes produtos sucedâneos do folhetim oitocentista. Tomando as audiências de um dia ao acaso (19/04/2017), na relação dos cinco programas mais vistos encontramos, por ordem crescente do número médio de espectadores: duas telenovelas (c. 800 mil), um telejornal (c. 1 milhão) e outras duas telenovelas (c. 1,2-1,3 milhões; numa lista das 20 telenovelas mais vistas em Portugal desde o início deste século, os valores diários oscilam entre c. 1,1-1,6 milhões; vd. pp. 109-112). Tudo isto num país em que um livro que venda mais de 10 mil exemplares é considerado um bestseller (contra os 30 mil anteriores ao actual decréscimo das tiragens).

107. Matsuo Bashô, O Eremita Viajante

107. Matsuo Bashô, O Eremita Viajante

Lauro Reis

Para alguém familiarizado com literatura japonesa, o nome de Matsuo Bashô não acarretará novidade alguma; a sua obra poética continua a despertar curiosidade e a influenciar o curso poético japonês séculos após a sua vida (Bashô nasceu em 1644 e faleceu em 1694). Todavia, o interesse pela sua obra não se concentra somente em território nipónico: apesar do distanciamento temporal e idiomático, Bashô é traduzido hoje em quase todos os continentes. No que toca à presença de Bashô no contexto português, é fundamental destacar a clareza e consistência desta versão portuguesa da sua obra: perante todas as disparidades linguísticas, hermenêuticas e/ou culturais (discutidas, debatidas e esmiuçadas eternamente pelo e além do ofício da tradução), Joaquim M. Palma (doravante JMP) contribui para a divulgação de um poeta que se tem difundido para além das fronteiras geográficas, linguísticas e culturais de onde emergiu, ao transpor para português a obra completa de haikus, juntamente com as respectivas notas, glossários, contextualizações e esclarecimentos técnicos.