Notas sobre I’ll Take my Stand[1]

 

Our Enemy, our own loss how repair,
How overcome this dire calamity,
What reinforcement we may gain from hope,
If not what resolution from despair.

Paradise Lost, John Milton

 

§1        O problema persiste. Por um lado, a nossa apologia ideológica depende da nossa imaginação, por outro lado, se existe alguma urgência no pensamento político, essa urgência depende, quase sempre, da brutalidade da contingência.
Se é verdade que os agrarians do sul dos Estados Unidos concordam acerca do seu descontentamento com um sul in rebus, não é de todo claro que exista um sul realmente desejável cuja identidade esteja a salvo do contraste com o sul actual. Mas o que é realmente importante nesta última ideia é o seguinte: se é verificável que todos os agrarians estão realmente descontentes com o sul que encontram, não é igualmente verificável que todos estejam de acordo acerca do sul que desejam.

§2        No caso dos agrarians, este problema emerge de forma mais distinta no ensaio de Allen Tate, que é, simultaneamente, o ensaio mais interessante e, também, o mais perigoso. Tate tenta converter aquilo a que estou a chamar imaginação numa forma exclusiva de religião, e tenta ainda, curiosamente por necessidade prática, converter o oposicionismo, comum aos restantes agrarians, numa forma de provocação dirigida a todos os sulistas. Ou seja, não existe no ensaio de Tate, pelo menos aparentemente, nenhum sentimentalismo ligado aos valores ameaçados, não existe nenhuma descrição substancial do passado que lhe interesse, mas apenas a tentativa de a todo o custo reanimar os valores sulistas. 

§3        Tate conseguiu capturar uma das dificuldades ideológicas do discurso conservador. Nomeadamente a forma como este se vê obrigado a conceber o futuro. O futuro aparece na maioria dos restantes ensaios sob a ameaça constante de uma força externa: o progresso industrial. Mas, como sabemos, a dificuldade em impedir a deterioração de uma comunidade não está simplesmente na sua resistência contra uma força externa, mas antes na sua entropia interna. Este problema coloca o ensaísta numa posição peculiar. Os agrarians falam para os sulistas, mas falam muitas vezes apesar das manifestas preferências desses mesmos sulistas. Ou mais precisamente, os agrarians falam para os sulistas que abandonaram os valores do sul, e não é muitas vezes claro se falam, precisamente por essa razão, em vez deles. Os agrarians falam na voz de uma ideologia, que, por alguma razão, está morta. Não é surpreendente que o tropo principal que percorre todo o livro seja a prosopopeia.  

§4        Podemos começar pelos seguintes excertos:

The modern Southerner inherits the Jeffersonian formula.
This is only to say that he inherits a concrete and very unsatisfactory history.
He can almost wish for his ease the Northern contempt for his kind of history; he would like to believe that history is not a vast body of concrete fact to which he must be loyal, but only a source of mechanical formulas; for then he might hope to do what the Northern industrialist has just about succeeded in doing – making a society out of abstractions. The Southerner would conjure up some magic abstraction to spirit back to him his very concrete way of life.

Allen Tate
«Remarks on the Southern Religion», p. 174.

 

The only salad to be seen on a country table is sallet, or turnip greens, or if further explanation is necessary, the tops of turnips cut off and cooked with a luscious piece of fat meat.
It has the appearance of spinach; but unlike this insipid slime, sallet has character, like the life of the farmer at the head of the table.

Andrew Nelson Lytle
«The Hind Tit», p. 226.

§5        Apesar da aparência teórica do excerto de Tate, é fácil reconhecer o contraste forçado entre a passividade do sulista moderno e a do sulista antigo, que teria lugar à mesa descrita por Lytle. O sulista moderno herda a confiança no poder político, a tal fórmula jeffersoniana, enquanto compromisso; e neste momento do ensaio, a preocupação de Tate está centrada no putativo desperdício desse compromisso. Tate, e Davidson,[2] são os únicos agrarians capazes de acomodar a participação política enquanto inevitabilidade, com uma diferença importante: enquanto para Davidson esta responsabilidade é uma forma de sacrifício pessoal, para Tate o sacrifício é religioso, e por isso, comunitário, strictu sensu.

§6        No seu ensaio, Tate invoca uma forma particular de prosopopeia política — a sua função epistemológica é estritamente mimética de um putativo processo de raciocínio moral e político, enquanto que no caso de Lytle, a sua função é mnemónica, trata-se da utilização da ficção para restabelecer a necessidade de algo in absentia.

§7        A preocupação de Tate é recriar um raciocínio elaborado por alguém que se apercebe da deterioração dos valores da sua comunidade. O seu principal problema é falar em vez daqueles sulistas que abraçaram o progresso, com um grau variável de convicção, no tom característico de alguém que não entende com propriedade as implicações dos seus raciocínios morais (trata-se de uma forma de projectar desapontamento através da exploração de um modo empático de representar raciocínios morais). Esta forma de falar é um instrumento ao serviço da prática política, é o último recurso que Tate consegue conceber na ausência de uma religião explicitamente sulista. Gostava de deixar claro que o meu interesse não passa por uma crítica da retórica de Tate, ou de qualquer um dos outros autores, enquanto uma forma ilícita de persuasão. O meu interesse é exclusivamente naquilo que ainda agora chamei último recurso. Ou seja, na necessidade característica, presente em todos os ensaios, de, por um lado, capturar o declínio espiritual do sul, e por outro, instigar, com autoridade, não a restauração, mas a conservação por necessidade vital desses valores comunitários sulistas. No caso particular de Tate, a sua convicção na substituição da religião pela sua expressão secular, a economia, leva-o a desesperar por uma forma de violência política.

§8        O desespero de Tate implica a apreensão de uma ideia fundamental: a incoerência entre a necessidade vital de valores comunitários para a manutenção de uma comunidade e a dificuldade em proteger esses valores de uma forma de instrumentalismo apreendido pelos membros dessa mesma comunidade enquanto individualmente benéfico. Tate localizou este problema numa hipótese sociológica, por sua vez Andrew Lytle descobriu esta forma de vitalidade na gastronomia sulista. Lytle alucina uma posição muito mais próxima, no sentido espacial, daqueles por quem deseja falar: o agricultor sulista. Ou seja, Lytle alucina a coerência interna na qual Tate já não consegue acreditar.  

§9        A trivialidade da vida agrária é, para Lytle, a verdadeira expressão da espiritualidade comunitária, mas, como sabemos, da regularidade trivial não se segue a coerência interna; a coerência que Tate bem sabe só uma religião pode realmente proteger, e que não dispensa, claro está, regularidades e rituais.

§10      Existe uma tendência filosófica para neste momento do argumento aniquilar a oposição conceptual entre os conceitos de interno e externo. Gostava de defender brevemente esta oposição conceptual, que será instrumental ao argumento que se segue. O termo interno pode ser intersubstituível com a noção de essência, desde que a noção de essência seja historicamente qualificada. O tipo de qualificação histórica que tenho em mente é o seguinte: «...to the depth that we see in the essence there corresponds the deep need for the convention.»[3] Reparem que a qualificação histórica de Wittgenstein ocorre na utilização da expressão «deep need». A associação entre a noção de essência, no caso ideológico a subscrição não-tácita de um conjunto de valores assim como da sua justificação prática, e a convecção, ou seja, uma forma de vida de acordo com esses valores, é qualificada enquanto necessidade profunda da espécie. Poderia parecer que o termo essência tem de exibir um carácter imutável, mas tal argumento teria de demonstrar, a priori, que a necessidade profunda acima referida exibe a propriedade metafísica da estagnação (como veremos, esta é uma das dificuldades principais de I’ll Take my Stand, nomeadamente, a relação entre progresso e natureza humana). 

§11      O contraste entre Tate e Lytle não reside na sua opinião acerca do mérito da vida tradicional sulista, mas precisamente na diferença entre coerência interna e convenção externa. A descrição de Lytle é necessariamente ex post facto enquanto descrição da actividade total da comunidade sulista; a sua descrição é, na verdade, se quisermos, invocatória no sentido criticado por Tate. Isto é o mesmo que dizer que a vitalidade espiritual da salada servida à mesa do agricultor do sul não conseguiu impedir os seus netos de preferirem espinafres, enquanto que, pelo menos na hipótese quasi-weberiana de Tate, o neto de um muçulmano nunca se converteria ao budismo meramente por preferência, ou pior, por conveniência económica.

§12      Qualquer comunidade que tenha uma formulação inócua dos seus valores é permeável à entropia que os autores de I’ll Take my Stand apontam. A adopção de uma forma de prosopopeia política é na verdade a única forma de garantir uma voz consistente à ideologia que estes pretendem conservar (dada a sua manifesta deterioração). Mas existe uma outra dificuldade endémica ao discurso conservador. Chamemos-lhe, para já, a confusão hierárquica relativa ao lugar do progresso na história humana. Gostava de oferecer um argumento acerca deste tipo de confusão hierárquica. No entanto, é necessário fazer o seguinte proviso: o argumento acerca da prosopopeia política implica o argumento acerca da confusão hierárquica na medida em que este último é, tipicamente, invocado como autoritário. Isto é, a razão pela qual é necessário em casos de discurso ideológico assumir a voz de outra pessoa da mesma comunidade advém da dissuasão interna dos valores dessa comunidade, e a tendência é muitas vezes representar essa dissuasão de forma externa sob a forma de um inimigo ou ideologia inimiga. No caso particular dos agrarians, a dificuldade filosófica profunda é a de saber se o progresso é meramente uma construção ideológica ou a expressão de uma necessidade metafísica da natureza humana.
O que a noção de progresso enquanto mera ameaça esconde é a dificuldade de explicar racionalmente a dissuasão interna de uma comunidade. Por contraste, reparem que quando as andorinhas voam em formação, ou, subitamente, deixam de o fazer, não existe nada para além do imperativo biológico que justifique esse facto. As andorinhas voam e sempre voaram em formação, e não parece haver nenhum momento na história da sua espécie que exiba algo que se pareça com identidade histórica — o conceito de entropia que utilizamos na descrição da dissuasão das andorinhas não exibe identidade histórica.

§13      Podemos introduzir mais precisamente esta ideia acerca da confusão hierárquica da seguinte maneira: o progresso visto enquanto mera construção ideológica de uma comunidade inimiga não exibe a necessidade histórica que aparece em argumentos que concebem progresso enquanto necessidade moral. Ou seja, no primeiro caso, trata-se de uma concepção mecanicista da história, no segundo de uma concepção expressionista da história. O segundo assume o conceito de progresso enquanto expressão histórica da evolução de uma vocação humana, ou seja, enquanto necessidade metafísica. A confusão hierárquica consiste em declarar a noção de progresso enquanto construção meramente ideológica, ou seja, meramente superestrutural, e por isso, inessencial à natureza humana. Mas esta concepção inessencial de progresso induz alguma instabilidade no conceito de natureza humana implicado no argumento conservador. Não estou, claro, a assumir que um argumento conservador não pode, com consistência, formular uma hipótese compatibilista (como veremos, embora apenas de forma esquemática, em Lanier), e não estou a assumir que uma forma de expressionismo histórico pode conhecer, e muito menos formular, a priori, a necessidade benéfica do progresso. Mas no caso particular do argumento dos agrarians, esta dificuldade hierárquica tem uma expressão ideológica imediata. Nomeadamente, a inconsistência das suas posições face à abolição da escravatura.

§14      Resta saber se é concebível reter uma noção estável de valor sem dar resposta a este problema histórico; isto pela simples razão de que não parece possível reter uma noção robusta de valor sem ter uma noção de natureza humana. E esta parece-me ser a maior fragilidade de I’ll Take my Stand. Como já disse, esta dificuldade aparece nas posições acerca da escravatura. Por exemplo, no caso de Owsley, a tentativa de apelidar um conflito de irreprimível é, entre muitas outras coisas, uma tentativa de evadir uma visão moral desse mesmo conflito; e esta tentativa implica o impulso para trocar a saliência inconvenientemente moral da história do sul por uma genealogia por ele escolhida. Owsley consegue, sem dúvida, opor a sua história da União a outras histórias, e consegue ainda apontar mais do que uma causa responsável pelo conflito, mas não consegue encontrar lugar para a oposição categórica entre o norte e o sul dos Estados Unidos relativamente à escravatura. Esta falta é muito importante: a dificuldade de Owsley não é meramente a de preservar a dignidade espiritual de uma comunidade derrotada. A dificuldade de Owsley é teórica, e diz respeito à caracterização simplista que os agrarians fazem da noção de progresso.

§15      Vejamos então com mais atenção a associação entre natureza humana e progresso:

While he conceded that no community could in his day be any longer purely agrarian, he felt – when he heard people urging a universal acceptance of the industrial program – that that program was not suitable even for an industrial community if it was made up of human beings as he knew them. He recognized that his wisdom was only negative, that there were basic phases of the question that lay too deep for his perceiving.

John Donald Wade
«The Life and Death of Cousin Lucius», p. 294.

 

As for the rest, the human species should and can itself be the creator of its good fortune; however, that it will do so cannot be inferred a priori from what is known to us about its natural predispositions, but only from experience and history, with expectation as well grounded as is necessary for us not to despair of its progress toward the better, but to promote its approach to this goal with all prudence and moral illumination (each to the best of his ability).

Kant
Anthropology from a Pragmatic Point of View, p. 233

As posições de Cousin Lucius e Kant intuem uma forma de humildade que dificilmente sobrevive à necessidade prática do discurso político. Esta forma de humildade emerge no momento em que o problema filosófico acerca da natureza humana é tornado explícito enquanto condição de possibilidade de qualquer posição política. Como mencionei antes, o aspecto autoritário, instrumental para aquelas pessoas que desejam apelar à sua comunidade, tem necessariamente de esconder esta dificuldade. Não apenas por causa do carácter teológico desta questão, que a pode arrastar indefinidamente, muito para além da urgência característica dos argumentos que estamos a considerar, mas também por causa da exigência que recai sobre o tipo de argumento que tem de especificamente abordar a anatomia moral de uma determinada comunidade. Ou seja, a sofisticação da reflexão de Cousin Lucius consiste na apreensão da necessidade prática de designar as virtudes indispensáveis à manutenção de uma comunidade com o grau de generalidade metafísica capaz de evadir uma mera forma de paroquialismo.

§16      Cousin Lucius percebeu que qualquer argumento acerca do conceito de progresso implica uma consideração metafísica e não apenas uma consideração ideológica; percebeu ainda que o seu juízo se baseava inteiramente numa forma de oposicionismo (estranhamente, Cousin Lucius percebeu a famosa contenção straussiana acerca do limite do pensamento por oposição: nomeadamente que este encontra o seu limite na existência política actual, sendo muitas vezes incapaz de formular a alternativa necessária[4]).

§17      A humildade kantiana de Cousin Lucius abre a porta a uma consideração compatibilista. A noção de progresso, quando não reduzida à ameaça do industrialismo, permite perceber a necessidade de conservar e tornar compatíveis os valores comunitários agrários com uma economia que não pode ter como base a escravatura. Este ponto é intuído por Lyle H. Lanier: «The instrumentalities of intelligent political leadership, informed social science, and a definitive social philosophy could have no more important problem than that of trying to effect a synthesis, in some sense, of the unified manner of living inherent in the agrarian family and community with the energy and inventiveness which have been diverted into industrialism.»[5]
A forma de compatibilismo descrita por Lanier distingue-se de forma essencial do instrumentalismo de Tate. Ou seja, a noção de participação política é qualificada por Lanier de forma a evitar a sua contraparte cínica; o que representa um ganho cognitivo face à forma demagógica proposta por Tate. A vindicação dos valores comunitários passa a ser feita sem um apelo cego e paroquial. No entanto, os impedimentos mais importantes ao compatibilismo intuídos por Lanier nunca chegam a ser formulados.

§18      O Kant da Antropologia mostra a necessidade de reter a noção de progresso enquanto traço característico da espécie humana por duas razões: em primeiro lugar, para assegurar a síntese entre a inevitabilidade da mudança histórica e uma ideia robusta de valores, e, em segundo lugar, para evitar o desespero. Esta última noção é inerentemente prática, e apesar de Kant não estar interessado em fazer política, a sua noção de desespero oferece plausibilidade a uma forma de optimismo nem sempre evidente no discurso político:

We are very near an answer to our question – How may the Southerner take hold of his Tradition?
The answer is, by violence.
For this is inevitable. He cannot fall back upon his religion, simply because it was never articulated and organized for him…


The Southerner is faced with the paradox: He must use an instrument, which is political, and so unrealistic and pretentious that he cannot believe in it, to re-establish a private, self-contained, and essentially spiritual life. I say that he must do this; but that remains to be seen.

Allen Tate
«Remarks on the Southern Religion», pp. 174-175.

 

When Booker T. Washington said that the salvation of his race will come if the negro “learns to do something well – learns to do it better than some one else”, he was stating a condition of free competition between the negro and the white engaged in the same pursuit. He offered no solution for this conflict beyond a vague optimism that the world would pay in money and respect for a thing well done; in fact, he scarcely hinted of the conflict.

Robert Penn Warren
«The Briar Patch», p. 259.

 

Because the sphere of the political is in the final analysis determined by the real possibility of enmity, political conceptions and ideas cannot very well start with an anthropological optimism.

Carl Schmitt
The Concept of the Political, p. 64.

 

 

 

 

 

 


Inevitably, the theorist inclines to a pessimistic view of politics. Man appears to him to be unreliable and vainglorious, he is never satisfied with his lot, he is always aspiring to power and prestige.

Raymond Aron
The Opium of the Intellectuals, p. 98.

§19      Para Tate, o desespero kantiano funciona cinicamente de forma instrumental. Ou seja, é usado para instigar os sulistas a deixarem para trás a inconsistência da sua organização comunitária utilizando a violência. Já Warren não entende a necessidade prática de evadir o desespero descrito por Booker T. Washington. Warren não consegue acomodar a dificuldade que consiste em voltar a integrar os afro-americanos como membros essenciais da sua comunidade. A posição liberal de Booker T. Washington é, apesar do seu grau de sofisticação (o seu individualismo), o único consolo possível para as pessoas a quem uma posição na história, construída pela sua própria agência, foi negada. Estas duas posições constituem o maior impedimento à forma de compatibilismo intuída por John Donald Wade: o oposicionismo de Tate degenera numa forma de violência sem qualquer consideração robusta acerca das causas da desintegração interna dos valores comunitários do sul; já Warren é incapaz de perceber a urgência prática da comunidade afro-americana, ou seja, a dificuldade em subsistir num lugar hostil e numa economia gerada apesar de si. E, no entanto, a intuição moral de Penn Warren é absolutamente essencial à compreensão do elemento dramático de I’ll Take my Stand: a irrecuperabilidade da união dos membros de uma comunidade.

§20      Penn Warren dá voz à noção de pessimismo teórico que encontramos em Aron: a falsidade do optimismo antropológico, a ser provada, não pode ser simplesmente postulada enquanto necessidade teórica. Neste momento — e porque «The Briar Patch» é sobre uma amizade perdida, e não acerca de uma inimizade conveniente —,  a verdadeira dificuldade moral da sobrevivência de uma comunidade fica clara. A posição schmittiana de Tate não pode devolver à comunidade sulista algo que não seja uma mera forma de paroquialismo. Isto porque a sua solução está imediatamente colada à necessidade de vindicação real de poder, ou mais precisamente, colada à necessidade desesperada de poder. A resolução do problema da comunidade sulista passa pela capacidade de resolver a imoralidade do seu passado, conferindo integridade a todos os seus membros, e, finalmente, imaginando o seu futuro de acordo com uma concepção robusta de natureza humana.

§21      Este parece-me ter sido o problema final dos autores de I’ll Take My Stand: a dificuldade em lidar com o optimismo vago necessário à integração de todos os membros da sua comunidade. É possível que em 1930 a sobrevivência da comunidade agrária estivesse dependente de um vago optimismo antropológico completamente ausente no seu momento de formação.

 

[1] Twelve Southerners (Donald Davidson, John Gould Fletcher, Henry Blue Klein, Lyle H. Lanier, Andrew Nelson Lytle, Herman Clarence Nixon, Frank Lawrence Owsley, John Crowe Ransom, Allen Tate, John Donald Wade, Robert Penn Warren, Stark Young). I’ll Take my Stand: the South and the Agrarian Tradition. 75th Anniversary Edition. Baton Rouge, Louisiana State University Press, 2006.

[2] Donald Davidson, «A Mirror for Artists».

[3] Pt. 1, §74, Remarks on the Foundations of Mathematics, p. 203. O que estou a apelidar de qualificação histórica depende de uma leitura deste parágrafo que reposiciona a sua conclusão num contexto mais amplo do que as implicações práticas da construção de uma prova – nomeadamente, o contexto da apreensão da teleologia de uma prática. Este argumento não pode ser desenvolvido neste ensaio, mas é necessário entender este parágrafo como exprimindo uma intuição mais geral acerca do conceito de história em Wittgenstein. Refiro o leitor ao §25 das Investigações Filosóficas.

[4] «Notes on Carl Schmitt, The Concept of the Political» in The Concept of the Political, pp. 100-101.

[5] Lyle H. Lanier, «The Philosophy of Progress» in I’ll Take my Stand, p.154.

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