As restrições históricas ao conceito do sublime não se fizeram sentir em momento algum do nosso colóquio. Embora seja evidente um interesse neste conceito por parte de autores do século XVIII — Burke, Kant e Schiller — não se pode dizer que uma discussão sobre o sublime — ou sobre a aplicabilidade do sublime à experiência humana — seja, em sentido algum estrito, uma discussão histórica, ou pelo menos, meramente histórica.
Kant teve esta intuição acerca do conceito do sublime: o sublime necessita uma cultura para ser compreendido, mas não é o mero resultado de uma cultura. O argumento corre o risco de se perder numa qualquer forma de recursividade, e ainda assim, a intuição kantiana parece ser necessária: o sublime é — entre outras coisas — um aspeto da experiência que fazemos da natureza e, mais surpreendentemente, da arte. Para Kant é aliás um aspeto constitutivo desta forma de experiência.
Ser a forma de uma experiência é uma noção difícil. No entanto, não existiu ao longo do colóquio qualquer preocupação metodológica. Esta ausência não foi de todo planeada, mas antes o resultado da convicção acerca do carácter essencial do sublime na caracterização da complexidade da experiência de obras de arte. Há aqui uma segunda dificuldade: enquanto aspecto da experiência artística, o sublime assumiu muitas vezes — e este é parte do legado de Kant — um carácter acrítico. Claro, é conhecida a crítica de Hegel a Kant: o sublime não pode dispensar uma hermenêutica, que não é incompatível com ser uma experiência com um carácter subjetivo. Ainda assim, e apesar desta crítica, a explicitação do sublime como uma forma de experiência permanece, parece-me, intocada.
No caso das nossas discussões, a potencialidade crítica do sublime surgiu por necessidade prática da compreensão daquilo que estávamos a tentar perceber (eu acho este aspeto revelador, mas nem todas as pessoas concordam): por exemplo, a diferença retórica entre um estilo que corresponde à execução de uma técnica por oposição à apreensão da dificuldade em compreender exaustivamente um estilo individual que decorre de uma alma que gera o sublime, mesmo em circunstâncias adversas; ou, a dificuldade em fazer representar escultoricamente uma experiência sublime, dada a relação cognitiva intrínseca entre a utilização de um medium e os limites de uma experiência artística; aliás, o mesmo tipo de implicação cognitiva que leva à apreensão da experiência cinematográfica como um forma de confluência entre experiência pessoal e experiência representada (a ideia distintamente wittgensteiniana da aquisição de um rosto familiar); ou, a espécie de dispensa da metafísica, no caso de Burke, que não produz realmente nenhuma forma de empirismo — até porque qualquer empirismo seria ainda uma metafísica — mas antes uma sensibilidade que é reconhecivelmente reminiscente da antiguidade clássica — uma espécie de sensibilidade quase-socrática (e talvez quase-pindárica?); e ainda, as dificuldades internas ao argumento kantiano, que fez combinar na sua descrição do sublime uma contribuição indispensável da sensibilidade com aquilo que parece ser o resultado de uma intuição moral, ou antes, uma intuição da associação difícil entre o bem e o belo; e por fim, as considerações schillerianas que resultam diretamente desta dificuldade kantiana, e não são mais do que a explicitação do platonismo inerente ao argumento kantiano, agora ao serviço de uma poética.
O sentido não meramente histórico que comecei por descrever pode agora ser explicitado: a intuição histórica indispensável ao sublime é uma versão da querela entre os antigos e os modernos, na qual a posição assumida por todos os participantes é, mesmo que não explicitamente, a tentativa de compreender a peculiaridade da nossa apreensão da inesgotabilidade da experiência; qualquer coisa como: que da natureza resulte arte, que da arte resulte mais arte, que da arte resulte um estilo individual, que é num certo sentido natureza.