EN
Elisa gets tired on the floor and falls asleep. She wakes up happy. Alone in the house, she decides «to always do all simple things a lot, to understand». Things like steel wool scrubber, school notebooks, handicraft and writing exercises – things unknown, but not complicated. She understands «what excellent preparation for handicraft was what was conventionally, operatively, called poetic attention» – not the other way around. There’s intelligence in hands, which clean what is dirty and prepare food; there’s pleasure in gestural skill, and mania in the way of «arranging garlic slices as geometrically as geodesic marks over the piece of smooth meat». There’s knowing in doing well things learnt and understood: the egg perfectly fried, the proper name given to things handled, the words that suit the mouths of people as they are. Elisa goes to the balcony, it’s a Lisbon moon landing night (she doesn’t watch it, she doesn’t have a television). In the moonlight, «face up high», verbs are future: Elisa will write, knowing of herself and of things. The house is the laboratory where she studies «all night long, diligently, what is planned». There is no hierarchy in doing, knowing, naming. She says: «What will I know of women if I don’t wash, fry, scrub?» These aren’t minor arts or philosophies. In this house, Elisa wins the honour of the third person. «I» becomes «She». The beloved daughter has lost forever the wonderful discrepancy of her body; she won’t lose the wonderful unity of her spirit. Title of the house: «Language». (Title of the book: Casas Pardas, by Maria Velho da Costa.)
PT
Elisa cansa-se no chão e adormece. Acorda feliz. Sozinha na casa, decide-se a «fazer sempre muito todas as coisas simples, para perceber». Coisas como esfregão de palha de aço, cadernos de apontamentos escolares, trabalhos manuais e exercícios de escrita – coisas ignotas, mas não complicadas. Percebe «quão excelente preparação para o trabalho manual era aquilo a que se convencionou chamar, operacionalmente, a atenção poética» – não o contrário. Há inteligência nas mãos, que limpam o sujo e preparam o alimento; há prazer na habilidade gestual, e mania na maneira de «dispor as lascas de alho tão geometricamente quanto marcos geodésicos sobre a posta de carne lisa». Há saber em bem-fazer o aprendido percebido: o ovo estrelado no ponto, o nome apropriado dado às coisas manejadas, as palavras adequadas às bocas das pessoas conforme são. Elisa vai à varanda, é noite de Lisboa e alunagem (ela não vê, não tem televisão). À luz da lua, «de queixos ao alto», verbos são futuro: Elisa escreverá, sabendo de si e das coisas. A casa é o laboratório onde estuda «pela noite fora, aplicadamente, o programado». Não há hierarquia no fazer, no saber, no nomear. Diz: «Que saberei das mulheres se não lavar, fritar, esfregar?» Não são artes ou filosofias menores. Nesta casa, Elisa ganha honras de terceira pessoa. «Eu» torna-se «Ela». A filha amada perdeu para sempre a maravilhosa discrepância do seu corpo; não perderá a maravilhosa unidade do seu espírito. Título da casa: «Língua». (Título do livro: Casas Pardas, de Maria Velho da Costa.)