Primeiro, as sensações

Ao percorrer as avenidas principais de Aveiro ao longo de um ano, é percetível a alteração dos seus transeuntes durante este período de tempo. É uma cidade que vive de duas micro-vagas migratórias: estudantes e turistas. As duas vagas revezam-se de modo quase sincronizado, sinalizando o início e ocaso do Verão. Na realidade, só muito depois dos moliceiros, das praxes, ovos-moles, marchas, descobertas primaveris e tantos cantos podemos finalmente encontrar a cidade. Encontramos finalmente as pessoas que encanecem com a cidade.

A poucas centenas de metros da azáfama procurada pelos turistas e estudantes, é possível constatar imediatamente o envelhecimento. Portugal tem vindo a adoptar uma estética para o turismo que recorre a uma mão-cheia de símbolos de fácil aceitação e reconhecimento. São estes símbolos que começam a travestir múltiplas cidades (exemplo extemporâneo: as sardinhas de chocolate) e servem como autoestrada de rápida associação a um local. Símbolos supremos de um supérfluo superficial. Naturalmente, qualquer autoestrada tem tendência para votar ao ostracismo tudo quanto não fique do ponto A até B. Tudo quanto fique fora dos canais (hiperbolicamente denominados de Venezianos) corre sério risco de ser votado ao esquecimento e far-se-á mais tarde ou mais cedo tabula rasa ao comércio tradicional. Adicionalmente, e de um modo geral em todo o país, é visível a falta de política para a conservação de edifícios.

Aveiro é uma cidade que possui uma instituição de ensino superior referenciada nos lugares cimeiros de múltiplos rankings. O campus universitário localiza-se na entrada sul da cidade e situa-se numa posição bastante privilegiada e central em termos urbanos. Seria expectável, julgo eu, um maior relacionamento entre Aveiro e a sua Universidade. Considerando a proporção entre o número de alunos (grosso modo 15.000) e a população residente em Aveiro (77.000) é fácil deduzir como socialmente, demográfica ainda que temporariamente, esta instituição tem um grande impacto na cidade. Em termos culturais, existe alguma hermeticidade e a coabitação é com frequência menorizada. Talvez uma melhoria no relacionamento se pudesse traduzir em estadias ou vivências prolongadas na cidade por parte dos jovens licenciados.

Pequenas observações

A cidade orgulha-se de disponibilizar bicicletas, mas deveria ter uma rede de ciclovias que permitisse fugir dos canais turísticos.

Os agentes (culturais, por exemplo) deveriam ter maior independência e não estar sujeitos a uma micro-gestão que privilegia sobretudo o lucro.

Deveria ser possível viver a cidade, viver a rua, callejear (roubando a expressão castelhana) com saudável curiosidade e descobrir sem obrigatoriedades propositais todas as surpresas que perambulam pela cidade.

Falar de combater o envelhecimento é falar de algo com fatores económicos e, consequentemente, algo discutido com inegável ligeireza. No entanto, a expressão condiciona o tipo de estratégia a realizar: mais do que «o combate», deveria ser «o auxílio» ao idoso. Essa cooperação, aceitação, renovação e ciclo de vida traria conforto e compreensão habitacional. Possivelmente, o enriquecimento virá quando nos conseguirmos desprender da nossa altivez etária.

 
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