Capinha City

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As palavras mágicas dos candidatos para as eleições autárquicas de 1 de Outubro de 2017 são: COMBATE À DESERTIFICAÇÃO, EMPREGO QUALIFI­CADO, FIXAÇÃO DE POPULAÇÕES, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, EMPREGABILIDADE, CAPTAÇÃO DE INVESTIMENTO, ATRATIVIDADE DA REGIÃO, RECUPERAÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO, INCLUSIVIDADE, CAPACITAÇÃO, ACESSIBILIDADES & PESSOAS.

A desertificação e decomposição civilizacional do interior é irreversível. Quem vive nas aldeias é porque ainda não conseguiu sair. Os programas de investimento público foram e são contraproducentes porque filados na acumulação de 40 anos de incompetência, nega-inteligência, cleptocracia e semi-analfabetismo do «poder local», que foi e vai continuar a fomentar o cataclismo social, patrimonial, arquitetónico e urbanístico do país.

Com a prometida regionalização (ou sem ela), novos investimentos estéreis, requalificações imbecis, acabamentos cretinos e melhoramentos camp vão acontecer com o argumento do «desenvolvimento sustentável» ou da «atratividade da região». A nova vaga de financiamentos chegará e a requalificação das requalificações será ainda mais destrutiva, visualmente inclassificável e historicamente embaraçosa para as cidades, vilas e aldeias de Portugal.*

Desde há um ano deixei de viver num apartamento arrendado na rua Vítor Cordon, em Lisboa. O ex-senhorio, D. Duarte, vendeu o prédio a um fundo chinês para a construção de apartamentos de luxo.** Mudei residência para uma aldeia remota entre a Covilhã e Penamacor. Vivo numa casa de 500 m2, com um jardim de 450 m2 e tenho uma horta tratada pela D. Albertina. A aldeia tem 400 habitantes (há 100 anos eram 1500). Morrem em média 15 pessoas por ano e nascem 3. 40% da população tem mais de 65 anos e por isso a internet é mais rápida. Sou o único cliente da Amazon na aldeia. A aldeia é o maior consumidor nacional do pastis Ricard (45º). Estão à venda mais de metade das casas da povoação, incluindo um notável solar do séc. XVII, com todo o recheio, e o palácio do famoso Conde de Penha Garcia pelo preço de um T1 no centro de Lisboa.***

O emprego é sazonal: pêssego, azeitona ou cereja. Todos têm hortas e algumas famílias matam o porco. Troco lenha por ovos, galinhas, patos e pão. Os caçadores que têm a concessão da quinta dão peças de javali, gamo, veado, faisão e lebre. A «assessora doméstica» recebe 3€/hora. A TDT não tem sinal metade do tempo. Na aldeia toda a gente sabe que os fogos na zona só começam no fim de agosto (como aconteceu mais uma vez este verão).

Os holandeses inventaram um modelo de «fixação de populações» que é pagar aos habitantes de algumas aldeias para viverem encenadamente nos sécs. XVII ou XVIII...

 
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*Na Suíça não existe a noção de interior. A pequena aldeia de Appenzell fabrica o queijo com o mesmo nome, tem um Museu de Arte Contemporânea que custou 5 milhões e o único café local tem a sofisticação da Pastelaria Suíça em Lisboa. A 20 Km há uma fábrica da Leica.

**A rua Vítor Cordon pertencia à antiga Freguesia dos Mártires, que era a menos populosa de Lisboa. Na rua devem viver hoje apenas quatro ou cinco portugueses. É uma estatística demasiado dramática e os atores políticos já perceberam que vão deixar de ter eleitores no centro de Lisboa. Os turistas não elegem presidentes de Juntas.

***O 1.º Conde de Penha Garcia era um grande proprietário rural que venceu Afonso Costa num duelo à espada a 14 Julho de 1908. A sua casa de Lisboa é a atual embaixada dos Emiratos Árabes Unidos. Há 100 anos, quem tinha terras era rico e os rendimentos das propriedades na província davam para construir um palacete no Príncipe Real ou na Foz.