1. O Exemplo de Anscombe e Algumas Questões
Este ensaio foi escrito pouco depois da morte de Elizabeth Anscombe e foi dedicado à sua memória. As críticas que faço ao seu tratamento de dizer e mostrar assentam em ideias que tornou claras nas suas discussões da filosofia tardia de Wittgenstein[1]. Estou em crer que um problema no seu tratamento do Tractatus consiste em não ter visto como essas mesmas ideias eram úteis, na verdade essenciais, para considerar o pensamento anterior daquele.
Na sua Introdução ao Tractatus de Wittgenstein, Anscombe tem um exemplo interessante que usa para criticar o que Wittgenstein diz acerca de dizer e mostrar (IWT, 85-86). Referindo-se à proposição «‘Alguém’ não é o nome de alguém», diz-nos que é obviamente verdadeira, e que é um exemplo «bastante trivial» de uma proposição que carece de polaridade verdadeiro-falso. Anscombe acredita que Wittgenstein teria dito que a proposição é uma tentativa de dizer algo que se mostra – algo que não pode ser dito. Mas pensa que o exemplo sugere antes que aquilo que «se mostra» no sentido wittgensteiniano pode (pelo menos em alguns casos) ser dito elucidativamente, ao contrário do que é defendido no Tractatus acerca de proposições que carecem de polaridade verdadeiro-falso. Embora Anscombe considere o exemplo bastante trivial, trata-se, devo sugerir, de um bom exemplo para reflexão, por várias razões, incluindo o facto de não envolver directamente noções mais difíceis do Tractatus, como forma pictórica ou lógica. É por vezes útil avançar dando um passo de cada vez; e o exemplo de Anscombe, precisamente por ser relativamente trivial, oferece uma oportunidade para procurar avançar uma distância curta sem abordar o tópico de «dizer e mostrar» na sua totalidade.
Uma vez que irei examinar a sua discussão do exemplo, precisarei primeiro de citar a passagem em questão. Esta surge imediatamente a seguir a uma discussão de um exemplo algo diferente, com o intuito de salientar que há casos em que aquilo é que se mostra, no sentido de Wittgenstein, não pode ser dito informativamente. É nesta altura que observa que aquilo que se mostra neste sentido pode não obstante ser dito elucidativamente, e acaba dando o exemplo de «‘Alguém’ não é o nome de alguém». Continua:
Isto é obviamente verdadeiro. Mas não possui a bipolaridade das «proposições significantes» de Wittgenstein. Pois o que é que esta nega ser o caso? Evidentemente, que «alguém» não é o nome de alguém. Mas o que seria «alguém» ser o nome de alguém? Alguém poderia baptizar o seu filho «Alguém». Mas quando dizemos que «‘Alguém’ não é o nome de alguém», não se pretende negar que alguém no mundo tenha o insólito nome «Alguém».
O que é que se pretende então negar? Apenas uma confusão. Mas esta espécie de negação pode muito bem precisar de ênfase. Alguns alunos, por exemplo, podem acreditar naquilo que nos diz o Professor Flew…: nomeadamente que «alguém» se refere a uma pessoa, que faz parte da «lógica» de «alguém», ao contrário de «ninguém», referir-se a alguém. Se isto fosse assim, então ao nos ser dito que todos odeiam alguém, poderíamos pedir para que essa pessoa universalmente odiada nos fosse apresentada. Quando dizemos «‘Alguém’ não se refere a alguém», o que se pretende negar é aquilo que o Professor Flew quis dizer. Mas ele não quis realmente dizer coisa nenhuma (mesmo que lhe tenha parecido que sim).
Aqui, uma afirmação que parece correcta não é uma afirmação com polaridade verdadeiro-falso. A sua contraditória, quando examinada, esvai-se por completo. Podemos inferir daí que a teoria proposicional de Wittgenstein é inadequada, correcta apenas num âmbito restrito. Pois dificilmente parece razoável proibir a formulação: «‘Alguém’ não se refere a alguém» ou «‘Alguém’ não é o nome de alguém»; nem é, claro, uma verdade lógica em qualquer sentido forte de «verdade lógica». Trata-se, antes, de um insight; o seu oposto é apenas confusão e despiste (não contradição).
O exemplo de «‘Alguém’ não é o nome de alguém» é particularmente claro, porque a proposição verdadeira é negativa. Segundo Wittgenstein, todavia, uma vez que aquilo que esta proposição nega não é no fundo coisa nenhuma, ela própria não é uma verdade; porque não há nada que diga que não é o caso, ao contrário da situação igualmente possível de ser o caso. Portanto, Wittgenstein ou teria procurado uma formulação mais aceitável (o que me parece impossível) ou dito que se tratava de algo que se mostrava – que nos fitava nos olhos, pelo menos após lhe termos prestado uma certa atenção – mas não poderia ser dito. Isto dá em parte conta da frequência caricata com que, ao interpretar o Tractatus, somos tentados a dizer coisas e depois dizer que não podem ser ditas. (IWT, 85-86)
O caso é menos claro do que Anscombe sugere. Podemos, para começar, reparar na ambiguidade que a própria Anscombe observa no primeiro parágrafo, depois de perguntar o que é que quem enuncia «‘Alguém’ não é o nome de alguém» pretende negar. Não que exista uma pessoa com o insólito nome «Alguém», diz-nos.
Agora se esta observação pudesse ter sido usada como negação de que existe uma pessoa com o insólito nome «Alguém», deve ser possível reformular a própria observação e eliminar a ambiguidade. Mas, antes de considerarmos esse tipo de ambiguidade, devemos reparar que a observação original não é ambígua apenas da maneira que a própria Anscombe nos permite reconhecer. Há um outro tipo de ambiguidade que ela não comenta. Pois a observação pode ter em vista, como aliás Anscombe pretende, uma aplicação geral, mas a aplicação pretendida pode antes ser muito mais restrita. Isto é, alguém pode dizer «‘Alguém’ não é o nome de alguém» como resposta a uma confusão em torno da função de «Alguém» num enunciado particular. Uma criança, talvez, ouviu dizer na escola que alguém tem sarampo, e supõe que o que foi dito diz respeito a uma pessoa chamada «Alguém»: essa pessoa tem sarampo. A observação «‘Alguém’ não é o nome de alguém», dirigida à criança, poderá então ser acerca da palavra «Alguém» tal como ocorre em «Alguém tem sarampo». Isto difere significativamente do caso em que quem enuncia «‘Alguém’ não é o nome de alguém» está a responder a uma confusão do tipo que pode ser induzido pelo Professor Flew. A resposta a Flew não é directamente acerca de uma ocorrência específica da palavra «Alguém». Pretende-se falar sobre todos os seus usos. – Mas será isto correcto? Certamente que não, uma vez que, como Anscombe faz notar, a observação não pretende abarcar casos em que estamos interessados em saber se alguém tem o insólito nome «Alguém». Então que tipo de generalidade tem a observação acerca de «Alguém» não ser um nome, quando se pretende que tenha aplicabilidade geral? Será que o ponto é que «Alguém», sempre que não desempenha a função lógica de um nome, não é um nome? Isto não serve; pois, compreendida dessa forma, a observação já não parece ser algo elucidativo – algo a que se poderia chamar um insight. E Anscombe insiste que o ponto que crê estar a exprimir não é uma verdade lógica em nenhum sentido forte do termo. Seja o que for que ela tenciona incluir em «verdade lógica num sentido forte», abarcaria presumivelmente o tipo de verdade que talvez pertença a «‘Alguém’, quando não é usada como um nome, não é usada como um nome».[2]
Espero ter mostrado que o exemplo de Anscombe requer alguma clarificação. Mas antes de tentar oferecê-la, devo observar que estes assuntos estão relacionados com questões acerca de como ler o Tractatus. Anscombe acredita evidentemente que pelo menos algumas das proposições que Wittgenstein não reconhece como proposições significantes são significantes; não podem, todavia, ser reconhecidas como significantes se se aceitar a teoria do Tractatus. Ela não tomaria estas proposições como verdades lógicas num sentido forte, assim como não toma «‘Alguém’ não é o nome de alguém» como uma verdade lógica num sentido forte. O que tentarei mostrar é que, quando estivermos mais esclarecidos quanto ao tipo de clarificação que seria útil no caso da confusão por ela descrita, veremos que a actividade de clarificação pode, em certos casos, consistir em adicionar tautologias às proposições que precisam de ser clarificadas, e contrastá-las com proposições às quais tautologias ligeiramente diferentes foram adicionadas. Embora este procedimento possa tornar claro o modo como se está a usar uma frase, não possui o carácter que Anscombe atribui à clarificação. O que pretendo demonstrar neste ensaio é que precisamos de clarificar a natureza da clarificação filosófica a fim de pensarmos claramente acerca da questão de como o Tractatus deve ser lido, a questão de se saber se o devemos ler como contendo proposições genuinamente significantes mas que não poderiam ter sido reconhecidas como tal pelo seu autor devido às doutrinas que aceitou quando o escreveu. Um caso apenas não nos pode mostrar como ler o livro; pode mostrar-nos algumas coisas sobre as quais precisamos de pensar.
Devo acrescentar que este ensaio vai também contra uma ideia de John Koethe, que se trata de uma objecção a uma leitura do Tractatus tido como não genuinamente destinado a transmitir doutrinas através das suas proposições, que esta leitura nos leva a lidar com as diferenças entre o sentido e o absurdo caso a caso.[3] O meu ponto contra isto é: Certo! Isto é, a única coisa errada com esta ideia está em Koethe a tomar como uma objecção. É, de facto, prosseguindo por meio do que uma abordagem caso a caso à clarificação filosófica envolve que podemos ver como Wittgenstein concebia a actividade da filosofia. Isto é, tenciono sugerir que o facto de Anscombe se equivocar na sua discussão de «‘Alguém’ não é o nome de alguém» não é acidental. Ela avança directamente da ideia de a proposição supostamente dizer algo verdadeiro e da sua falta de polaridade verdadeiro-falso para a sua inadequação para contar como uma proposição significante da perspectiva do Tractatus. (De facto, ela descreve a proposição como contando, do ponto de vista do Tractatus, como uma «fórmula proibida», uma descrição em conflito, pelo menos aparentemente, com a afirmação de Wittgenstein de que nenhum sinal possível é logicamente ilegítimo, o que parece querer dizer que não existe tal coisa como uma «fórmula proibida».)[4] A sua própria posição é de que a proposição se relaciona com o que a pessoa confusa, neste caso o Professor Flew, julgava ter em mente. Assim, Anscombe não atenta nos detalhes de como seria suposto relacionarem-se. O meu argumento é que apenas se nos concentrarmos nos detalhes podemos perceber o estatuto da proposição. Precisamos de atentar de perto no seu uso.
Nas Investigações Filosóficas Wittgenstein fala sobre a nossa relutância em atentar «de perto» no uso das palavras – a nossa relutância em considerar os detalhes (1958, §§51-52). Isto tem por certo a intenção de criticar a sua própria abordagem anterior. Mas o reconhecimento de que se trata de uma tal crítica pode dificultar-nos a apreciação da complexidade do caso e do que estava exactamente envolvido no seu método anterior. Pode levar-nos a pensar que o método anterior foi concebido de modo a podermos mostrar com um simples gesto que uma dada proposição é absurda. Deste modo, Anscombe supõe que a sua própria proposição se revela simplesmente absurda à luz de um princípio geral do Tractatus, e a questão de se saber qual é o seu uso – do que ela realmente quer fazer com a proposição – não é examinada. Anscombe crê firmemente que quer dizer algo – algo elucidativo, embora desprovido de polaridade verdadeiro-falso. Assim, embora ela esteja também ciente de que a nossa sensação de querer dizer alguma coisa quando falamos pode ser enganadora (diz que é justamente assim que Flew se engana), não lança um olhar analítico cuidadoso sobre os detalhes daquilo que quer dizer. Estou aqui a tentar chamar a atenção para um certo paralelo entre a filosofia inicial de Wittgenstein e a sua filosofia tardia, um paralelo quanto ao papel que ele atribui à nossa relutância em considerar os detalhes do uso. O entendimento que Wittgenstein tem da clarificação, inicial e tardio, está relacionado com ideias (um pouco diferentes, iniciais e tardias) acerca daquilo que, em filosofia, poderemos estar relutantes em fazer.
2. Um Caso mais Simples
Será útil considerar, primeiro, o tipo de caso em que se pretende dirigir a observação «‘Alguém’ não é o nome de alguém» a um enunciado particular. Embora este não seja o tipo de caso que Anscombe tem em mente, a nossa discussão do seu caso tornar-se-á mais simples se a abordarmos depois de considerar este outro caso.
Suponhamos, pois, que foi dito que «Alguém tem sarampo» e uma criança está confusa acerca do que isto significa. A confusão poder-se-ia ter manifestado na sua tentativa de tomar «Alguém» por um nome; mediante alguma coisa que diz, ela talvez dê a entender que supõe que a falsidade da proposição se pode inferir a partir da falsidade de uma proposição acerca de um indivíduo particular. Se essa criança não tem sarampo, então «Alguém tem sarampo» teria de ser falsa, ou pelo menos assim presume.
Agora podemos tornar o seu erro claro explicitando que a função de «Alguém tem sarampo» em inferências é diferente. Se nos estivermos a referir a um grupo específico de portadores de sarampo e não-portadores de sarampo, podemos tornar explícito que apenas a partir da premissa de que nenhum deles tem sarampo se poderia inferir a falsidade de «Alguém tem sarampo».
A própria Anscombe julga explicar à pessoa confusa que «Alguém» não figura na quantificação múltipla como um nome de alguém. No tipo de exemplo que estou a considerar, no qual a confusão diz respeito à função de «Alguém» num enunciado particular, o ponto sobre quantificação múltipla, tal como se encontra formulado, não tem directamente utilidade (mesmo que parafraseado numa linguagem suficientemente clara para a pessoa confusa ser capaz de o seguir). Pois, se alguém crê que «Alguém», em «Alguém tem sarampo», é o nome de uma pessoa particular, mostrar-lhe que «Alguém», em «Todos odeiam alguém», não é um nome pouco a ajudará, a não ser que lhe seja explicado por que razão isto é relevante para o seu uso em «Alguém tem sarampo». A discussão de «Todos odeiam alguém» talvez ajude a pessoa confusa no caso de a ajudar a deixar cair o pressuposto de que «Alguém» teria de ser um nome em qualquer contexto. Anscombe defenderia, creio, que «Alguém» tem um único uso caracterizável tal que ambas as proposições «Alguém tem sarampo» e «Todos odeiam alguém» contêm «Alguém» usada dessa maneira. Isto, também, serve; mas o que isto significa é que a relevância do uso de «Alguém» em «Todos odeiam alguém» para o uso de «Alguém» em «Alguém tem sarampo» não pode ser explicada sem que se esclareça em que consiste estas frases conterem «Alguém» usada da mesma maneira.
Considere-se um tipo de caso particular, um dos tipos de caso que está base da observação de Flew.[5] Se alguém diz «Tiago ama alguém», poder-nos-iam então perguntar outras coisas acerca desta pessoa. Se essa afirmação for verdadeira, terá de existir a pessoa acerca da qual tais perguntas se podem fazer. Ou, uma vez mais, alguém poderá pedir para ser apresentado à pessoa. Flew (que estava, no fundo, preocupado em contrastar «Alguém» e «Ninguém») poderá ter pretendido enfatizar tais possibilidades, que não existem com «Ninguém» no seu sentido habitual. Se este tipo de caso estiver na base da confusão a que Anscombe se tenciona dirigir, o problema mencionado no parágrafo anterior levanta-se claramente quando tentamos ajudar a pessoa que se encontra confusa fazendo notar que não há, no caso de «Todos odeiam alguém», maneira apropriada de pedir para se ser apresentado à pessoa universalmente odiada. A dificuldade pode ser explicada em termos das maneiras nas quais podemos pensar acerca das diferenças e semelhanças entre as três proposições: «Tiago ama Alice», «Tiago ama alguém», e «Todos odeiam alguém». Uma pretensa ajuda para alguém enredado na confusão induzida por Flew pode mostrar-nos, através da explicação do comportamento da terceira proposição, que não podemos tomar a proposição intermédia como logicamente equivalente às outras duas proposições, a primeira e a terceira. Mas, a não ser que nos ajudem a ver que «Alguém», na terceira proposição, apresenta o mesmo uso que «Alguém» na segunda, pode dar-se o caso de continuarmos excessivamente impressionados pelas semelhanças entre a primeira e a segunda proposição que levam à confusão inicial.[6]
Um dos problemas com a clarificação de Anscombe é que ela considera útil indicar que «Alguém» não se refere a ninguém, tomando a palavra «referir» como não carecendo de clarificação. Mas o seu uso é complexo. Considere-se, por exemplo, o ponto de que eu não vos digo quem roubou a tarte ao dizer «Alguém roubou a tarte» (a não ser que, por exemplo, «Alguém» seja o nome do cão). Este ponto pode ser usado para salientar o contraste entre expressões que se referem ao ladrão por nomeação, ou que identificam o ladrão por via de uma descrição. Mas este tipo de ponto apenas ressalta uma parte da complexidade do uso de «referir». Há usos aceitáveis de «referir» ligados a observações que contêm «Alguém» e a modos pelos quais possamos a continuar a falar da pessoa em questão.[7] (Voltarei a este ponto na Secção 3) Podemos também notar que o ponto de Anscombe, de que Flew não quis realmente dizer nada, muito embora pudesse ter sentido o contrário, é demasiado forte. Pois ele vê com suficiente clareza que os trocadilhos de Lewis Carroll acerca de «Ninguém» em Do Outro Lado do Espelho não seriam trocadilhos acerca de «Alguém». (Veja-se a citação de Flew na Secção 3 abaixo.) Flew usa «referir» para explicar a diferença, sem ver qualquer necessidade de explicar algum contraste entre o uso de «referir» que se pode relacionar com certas ocorrências de «Alguém» funcionando como variável e outras maneiras de usar «referir». A afirmação de Anscombe de que Flew nada tinha em mente depende de partilhar com este a ideia de que a palavra «referir» pode facilmente ter o tipo de peso que lhe queremos atribuir nas nossas clarificações. Que isso não é possível mostra-se pela maneira como Flew não consegue tornar claro aquilo que tenciona dizer e em vez disso diz algo que facilmente leva à confusão, e pela maneira como Anscombe não se consegue aperceber de que ele quer dizer alguma coisa.
Segundo Wittgenstein, não podemos tornar completamente claro o uso de uma palavra numa proposição se não for para nós claro que outros usos da palavra constituiriam usos desta da mesma maneira. Deste modo, os problemas levantados pelo uso imaginário de Anscombe de «Todos odeiam alguém» não podem ser deixados de parte. No entanto, podemos deixá-los temporariamente de parte e concentrarmo-nos apenas no que poderá estar envolvido na eliminação de uma confusão em torno da ocorrência de «Alguém» num enunciado particular.
De facto, é útil considerar a maneira como a clarificação de um enunciado particular pode envolver um ponto relacionado com aquele que Anscombe faz ao trazer à colação a quantificação múltipla, sem realmente trazer à colação a quantificação múltipla. Pois ela consideraria a maneira como a confusão da criança em torno de «Alguém tem sarampo» se pode revelar em inferências de «Alguém tem sarampo e alguém tem papeira» para «Alguém tem sarampo e papeira». (Simplifico a minha discussão do exemplo deixando de fora quantificações para casos bizarros tais como aqueles em que alguém toma «sarampo» e «papeira» por dois nomes da mesma doença.) Inferir desta maneira implica tomar «Alguém» por um nome; mas é possível tomar «Alguém» por um nome, e não obstante não considerar a inferência possível. Podemos, por exemplo, tomar «Alguém» em «Alguém tem sarampo» como sendo o nome de uma pessoa, e «Alguém» em «Alguém tem papeira» como sendo o nome de outra pessoa. Assim, o ponto acerca da impossibilidade da inferência para «Alguém tem sarampo e papeira» tanto pode ajudar a criança como não a ajudar; pois deixa em aberto a possibilidade de «Alguém» ser um nome – um nome de mais do que uma pessoa. Se não ajudar, poder-se-ia dar continuidade ao ponto, assumindo uma criança com uma aptidão algo rara para a lógica, com «Tanto o sarampo como a papeira são tidos por alguém» e o facto de não permitir (caso seja entendido como aqui se pretende) que daí seja inferido que «Alguém tem sarampo e papeira». Mas o que precisamos de notar aqui é que o processo de clarificação envolve tornar claro tanto do comportamento inferencial do enunciado em questão quanto necessário.
Tenho estado a descrever o modo como uma explicação das relações inferenciais de «Alguém tem sarampo» pode permitir a uma criança apreender a função que «Alguém» aí desempenha. Podemos aqui atentar num par de pontos do Tractatus. Primeiro, se se combinar uma tautologia com uma proposição com sentido, o resultado será idêntico à proposição com sentido original: temos aquilo que conta, do ponto de vista do Tractatus, como a mesma proposição (veja-se TLP 4.465). Segundo, no Tractatus, há uma relação fundamental entre inferência e tautologias. A qualquer inferência válida corresponde uma tautologia.[8] As proposições lógicas são tautologias e são métodos de derivação: «mostram que uma ou mais proposições se seguem de uma (ou mais).»[9] Se se pode inferir uma dada conclusão de um dado conjunto de premissas, pode-se construir uma proposição que tem o «se …, então …» vero-funcional como principal operador, utilizando a combinação das premissas da inferência como antecedente, e a conclusão da inferência como consequente; teremos uma proposição que pode ser vista como sendo uma tautologia. Que se trata de uma tautologia pode ser determinado mecanicamente, embora tornar claro que se trata de uma tautologia envolva algo que não pode ser levado a cabo mecanicamente – nomeadamente, levar o trabalho de análise das proposições constituintes longe o suficiente para o carácter tautológico da combinação se tornar evidente. Para além disso, a demonstração mecânica de que a combinação é tautológica depende de se tomarem os sinais recorrentes como recorrendo com o mesmo significado. No TLP 4.1211, Wittgenstein afirma que duas proposições «fa» e «ga» mostram que são ambas acerca do mesmo objecto; mas mostram isso apenas se «a» for usado da mesma maneira em ambas. Mas, para isso ser algo que se mostra, precisamos de usar «fa» e «ga» de maneira a podermos inferir que há algo que é tanto f como g das duas proposições juntas. Que uma combinação seja uma tautologia e que estejamos a usar os seus símbolos constituintes em inferências de certas maneiras é a mesma coisa. Não obstante, podemos clarificar a proposição, contribuir para tornar claro para alguém de que proposição se trata, qual o seu uso, redigindo-a adicionando-lhe uma tautologia particularmente útil.[10]
Acabei de afirmar que, segundo o Tractatus, há uma tautologia que corresponde a uma inferência válida, e que, logo, o uso de uma proposição em inferências pode ser clarificando adicionando-lhe uma tautologia auxiliar, correspondente à inferência válida, à proposição. Que uma proposição não se segue de um dado conjunto de proposições é também reflectido numa tautologia. Podemos explanar a implicação vero-funcional correspondente à inferência não permissível, e todas as combinações não tautológicas de todas as proposições constituintes das premissas da inferência não permissível e da proposição oferecendo o que não pode ser inferido a partir destas, levando a cabo a análise das várias proposições até onde for preciso. Haverá uma equivalência tautológica entre a implicação vero-funcional correspondente à inferência e uma das combinações não tautológicas. Essa equivalência tautológica da implicação com a não-tautologia reflecte a invalidade da inferência. Wittgenstein avançou mais tarde uma ideia intimamente relacionada com isto, ao afirmar que se faz lógica provando que certas proposições são tautologias, mas que o podemos fazer igualmente provando que certas proposições não são tautologias.[11] (O facto de uma combinação não ser tautológica depende do uso dos símbolos, tal como depende o facto de que uma combinação particular é uma tautologia.)
Os dois pontos do Tractatus – nomeadamente, (1) que se adicionarmos uma tautologia a uma proposição, o resultado é a proposição original, e (2) que tanto a possibilidade de uma dada inferência como a impossibilidade de uma dada inferência pode ser tornada clara elaborando tautologias – querendo isto dizer que qualquer clarificação de uma proposição por meio da clarificação do seu comportamento inferencial pode ser concebido enquanto adição de uma tautologia à proposição original; e isto para dizer que qualquer clarificação deste tipo pode ser descrita como não adicionando nada à proposição original. Simplesmente a reescreve, dando-nos a mesma proposição, expressando o mesmo pensamento, fundamentalmente com o mesmo modo de usar os sinais; reescreve-a, contudo, de uma forma que pode dissipar a falta de clareza.[12]
Apliquemos este ponto sobre a natureza da clarificação ao caso da confusão em torno de «Alguém tem sarampo». Escreva-se a frase «Alguém tem sarampo» duas vezes. Adicione-se à primeira uma especificação de um tipo de comportamento inferencial; adicione-se à segunda uma especificação de um padrão de comportamento inferencial diferente. Por isto entendam-se os dois padrões de comportamento inferencial acima discutidos – isto é, o uso de «Alguém tem sarampo» tal que a sua negação possa ser inferida de uma única proposição acerca de uma pessoa não ter sarampo, e o uso de «Alguém tem sarampo» tal que a sua negação não possa ser inferida de nenhuma premissa que não uma que negue de cada membro do grupo em questão que ele tenha sarampo. O segundo uso também não permite a inferência a partir das duas premissas «Alguém tem sarampo» e «Alguém tem papeira» para «Alguém tem sarampo e papeira» e por aí em diante. Especificar os dois padrões de comportamento inferencial consiste em fazer algo que também pudesse ser feito adicionando um conjunto de tautologias à frase original, para clarificar um uso, e um outro conjunto de tautologias à frase, para clarificar um outro uso. Vale a pena enfatizar aqui que nenhum acrescento tautológico faz o trabalho de clarificação excepto ao ser perseguido, e a «prossecução» em questão envolve as próprias matérias a ser clarificadas – isto é, os usos de «alguém». Do ponto de vista da lógica, qualquer tautologia é equivalente a qualquer outra. Então como pode um acrescento tautológico ajudar a clarificar uma proposição, e outra a clarificar uma outra proposição? A resposta é: sendo tomada como um guia útil para o uso; por outras palavras, a proposição reescrita juntamente com a tautologia em questão como parte desta pode ser vista de uma certa maneira. Pode ser vista com o seu uso mais claramente em destaque.[13]
Wittgenstein defendeu não apenas que há um sentido em que não nos podemos enganar em lógica, mas também que não podemos especificar o sentido de uma proposição de uma maneira errada. Quer isto dizer que nenhuma das nossas especificações de comportamento inferencial para «Alguém tem sarampo» contém qualquer erro lógico, mas podemos também reconhecer que, se de facto usássemos a frase dessas duas maneiras diferentes, as pessoas enfrentariam problemas práticos; ter ambos os usos seria inconveniente. Podemos bem ser aconselhados a não optar por um uso que permita a inferência a partir da negação da proposição que diz de uma pessoa particular que ela tem sarampo para a negação de «Alguém tem sarampo» – isto é, a não usar «Alguém» como um nome. («Alguém» pode por vezes ser usada como não-nome, tal como acontece ocasionalmente com «Ninguém» – por exemplo, pelo Padre Brown de Chesterton, que fala no «Copo de ninguém» ao chamar a atenção para a presença de um copo de whisky bebido por alguém que não fora ainda considerado pelos investigadores de um assassinato. «Copo de ninguém» não significa aqui um copo que não é de ninguém; a palavra «Ninguém» é antes um não-nome para o homem de outro modo identificado como «The Quick One». «Alguém» e «ninguém» são também usadas como predicados significando alguém com alguma importância e alguém sem importância alguma.)
Suponhamos, então, que se especificaram dois padrões de comportamento inferencial, e que se os explicaram à pessoa que se encontrava confusa a respeito de «Alguém tem sarampo». Se ela vir que há esses dois usos diferentes, a sua confusão poderá desaparecer. Poder-se-ia, se assim o quisermos, dizer: «Quando temos este tipo de comportamento inferencial, digo que ‘Alguém’, usada desta maneira, é um nome, e se tivermos aquele tipo de comportamento inferencial, digo que ‘Alguém’, usada daquela maneira, não é um nome.» Mas, então, se essa for a explicação de «é um nome» e «não é um nome», tudo o que se estaria a fazer se depois se descrevesse o uso de «Alguém» como não sendo o uso de um nome é acrescentar a especificação do comportamento inferencial das proposições de que se estava a falar a essas mesmas proposições; e no Tractatus fazer isso é o mesmo que adicionar tautologias às proposições em questão. O que é mais importante é que o uso do rótulo «nome» não é o que é significativo na clarificação, uma vez que fazer desaparecer a confusão não é apenas uma questão de se atentar nas diferenças nos seus padrões inferenciais, e não uma questão de se aplicar qualquer rótulo a algum uso em vez de outro.
Assim, associado ao tipo de caso que estamos a considerar – nomeadamente, a confusão em torno da função de «Alguém» num enunciando particular – algo que pode ser feito elucidativamente é clarificar o comportamento inferencial da proposição. Esta actividade pode ser vista, da perspectiva do Tractatus, efectivamente como a adição de tautologias à proposição que está a ser clarificada, talvez por contraste com outras proposições com tautologias adicionadas. A clareza a respeito da clarificação neste tipo de caso levanta então a questão de se saber se há nesses casos espaço para o tipo de ponto no qual Anscombe está interessada – um ponto expresso por uma proposição que é elucidativa mas que carece de polaridade verdadeiro-falso e não é uma mera tautologia.
Embora não estejamos ainda a lidar com o tipo de caso que Anscombe tem essencialmente em mente, devemos regressar aqui ao parágrafo final da passagem de Anscombe supracitada. Ela afirma que não acredita que haja uma formulação mais aceitável (do ponto de vista do Tractatus) do ponto avançado ao dizer-se que «‘Alguém’ não é o nome de alguém», e contrasta isto com aquilo que Wittgenstein nos parece estar a convidar a fazer – nomeadamente, olhar com afinco para algo que supostamente nos fita nos olhos. Não argumentei que haja alguma formulação mais «aceitável» do tipo de ponto de Anscombe, de que dispomos no caso da confusão em torno de «Alguém tem sarampo», mas antes que o que ela considera ser elucidativo não é aquilo que faz o trabalho de clarificação. Clarificar da maneira relevante, neste tipo de caso, consiste em tornar evidente o uso das nossas expressões; isto não se faz dizendo que tal e tal sinal está ou não a ser usado neste ou naquele contexto enquanto nome, a não ser que sejamos já capazes de relacionar «está a ser usado como nome» com um padrão de uso. É a capacidade de estabelecer a relação com o padrão de uso que é essencial. Mas os sinais em questão, neste caso a frase «Alguém tem sarampo», podem ser usados de várias maneiras; não podemos dizer que «Alguém» na mera frase não é um nome. Poderá nalgum uso tratar-se de um nome. Aquilo de que queremos falar é «Alguém tem sarampo» usada de uma maneira particular. Mas se conseguirmos tornar claro o uso da frase de que estamos a falar, já tornámos claro como é que a palavra «Alguém» está aí a ser usada; dizer que não se trata de um nome nada acrescentaria à clarificação conseguida a respeito do uso da frase que se tinha em vista. (A minha alusão anterior a alguém que supõe que «Alguém» está a ser usada como o nome de dois indivíduos diferentes tem de ser considerada da maneira que acabei de especificar. Se se conseguir acompanhar a minha descrição, é porque a pessoa que a consegue acompanhar sabe como distinguir entre dois padrões diferentes de comportamento inferencial, que poderiam ser rotulados de «uso como nome de um indivíduo» e «uso como nome de dois indivíduos».)
Anscombe fala na suposta ideia de Wittgenstein de que tudo o que precisamos de fazer é olhar afincadamente para o que nos fita nos olhos a fim de vermos que «Alguém» não é um nome. Ora bem, suponhamos que Wittgenstein teria de facto dito que a proposição «Alguém tem sarampo» mostra que «Alguém» não é aí um nome. Isto dificilmente poderá querer dizer que tudo que temos de fazer é olhar afincadamente para a frase a fim de ver que «Alguém» não é um nome. O que seria «olhar afincadamente»? Precisamos de atentar nos sinais com o seu uso, e, embora possa num certo sentido ser verdade que isto «nos fita nos olhos», não é evidente em que sentido é suposto fazer isso. Mas Wittgenstein considerava que havia uma actividade por meio da qual uma proposição se poderia transformar numa nova versão de si própria; a actividade ajuda-nos a perceber aquilo de que nos podemos então aperceber que se vinha sempre mostrando (mostrava-se no facto de a proposição ter tal e tal uso determinado). A actividade de clarificação transforma as proposições em novas versões de si próprias que nos permitem ver claramente aquilo que num certo sentido a proposição vinha sempre mostrando. Acredito que uma tal concepção da reescrita clarificadora pode ser vista como parte da concepção da análise de Wittgenstein – sendo a análise uma forma de reescrita clarificadora associada ao princípio de que, se p se segue de q e q de p, então são a mesma proposição. Mas não posso aqui tentar levar a cabo uma exposição da concepção da análise de Wittgenstein.
A filosofia, diz o Tractatus, visa a clarificação lógica dos pensamentos. É uma actividade que resulta em tornar claras as proposições, não em proposições filosóficas. Ao dar-nos uma nova versão das nossas proposições, requer pensamentos que não se encontravam nítidos, e permite-nos evitar as confusões resultantes dessa falta de nitidez. Espero que esta secção tenha demonstrado como é (em certos casos) possível transitar da ausência de nitidez para a nitidez por meio daquilo que, do ponto de vista do Tractatus, se pode entender como adicionar tautologias a outras proposições.
Disse que a actividade de clarificação transforma as proposições em novas versões de si próprias que nos permitem ver claramente o que a proposição vinha sempre mostrando. Esta descrição da actividade procura relacionar-se com um problema em torno da tradução do TLP 4.112. Numa carta a Ogden acerca desta passagem, Wittgenstein escreveu que achava que «não pode ser o RESULTADO da filosofia ‘tornar as proposições claras’: esta pode ser apenas a sua tarefa. O resultado tem de ser que as proposições se tornaram agora claras que SÃO claras.»[14] Esta observação pode muito bem ser enganadora se não tivermos em conta que maneiras muito diferentes de redigir uma proposição dão-nos aquilo que conta ainda como a mesma proposição; e que proposição a proposição é, de que símbolo se trata, pode ser muito mais fácil de perceber em certos modos de redacção do que noutros. Uma análise russelliana, por exemplo, reescreve as proposições de uma maneira que podemos dizer que torna claro que estas «eram» claras. Isto é, o sentido em que «eram» claras é o de que se tratavam sempre da mesma proposição tal como a proposição redigida agora de uma maneira que elimina certas possibilidades de confusão. Afirmar, assim como o fiz, que a filosofia resulta em tornar as proposições claras poderá parecer contraditar o ponto de Wittgenstein na sua carta a Ogden. Isto é, poderá parecer que estou a afirmar, contra Wittgenstein, que as proposições em questão não eram ainda claras. E a resposta (se alguém me dirigir essa objecção) consistiria em dizer que, na sua perspectiva, num sentido elas eram já claras e num outro sentido não o eram. O sentido em que não o eram é o de que temos trabalho a fazer antes que a sua clareza (no sentido no qual a têm sempre) nos seja perceptível. Isto deixa em aberto a questão de se saber até onde é preciso levar o trabalho de clarificação.
3. De Volta a Anscombe
Numa nota de rodapé na Secção 2, aludi à discussão de Peter Geach sobre como nos podemos continuar a referir a alguém como a mesma pessoa ao longo de um período de tempo.[15] Num caso como o imaginado por Geach, posso começar por olhar e ver alguém à beira da pedreira, e dizer «Está um homem à beira da pedreira», ou «Está alguém à beira da pedreira», e poder-me-ia referir a ele novamente alguns minutos mais tarde, afirmando «Agora já lá não está!». Aqui, estou de novo a falar da mesma pessoa. O juízo inicial pode ser tomado como referindo o homem particular através da sua ocorrência no contexto sensorial particular (Geach 1964, 64). Segundo Geach, uma série de afirmações acerca do mesmo homem podem ser vistas do ponto de vista lógico como uma longa afirmação existencialmente quantificada, dado que o uso da afirmação original no tipo de contexto em que a pessoa particular é destacada, e dados os vários tipos de relações entre a afirmação inicial e as afirmações subsequentes, por meio da qual se pode ver que as afirmações subsequentes se referem ao mesmo homem. À luz desta exposição, a presença de expressões como «um homem» ou «alguém» na minha afirmação regra geral não indica que o meu juízo se refira a alguma pessoa particular. Se há uma referência a uma pessoa particular depende não apenas do contexto mas também da forma da afirmação. Logo, por exemplo, posso dizer, «Se alguém levou as jóias, deve haver impressões digitais na caixa das jóias», mas a minha afirmação não se refere à pessoa que levou as jóias, independentemente de ter ou não pensado enquanto o dizia que foi esta ou aquela pessoa que levou as jóias. Estar a pensar numa pessoa particular não faz com que a minha afirmação seja acerca dela. A minha afirmação não se refere neste caso a nenhuma pessoa particular. O que Geach nos apresenta, então, é uma maneira de usar «referir» em certas afirmações contendo «alguém» ou «um homem» (e por aí em diante); o facto de que uma certa afirmação ou juízo se refere a uma pessoa particular depende de maneiras complexas das suas características lógicas e do seu contexto, incluindo a sua relação com juízos anteriores.
Podemos agora voltar ao exemplo de Flew e às suas observações acerca deste – as observações que levaram Anscombe a dizer que Flew nada quis dizer, ainda que tivesse julgado que queria dizer algo. O meu argumento será que aquilo com que Flew está preocupado é a referência geachiana, que ele não obstante discute de uma maneira algo enganadora. Flew cita Lewis Carroll:
«Não vejo ninguém na estrada», disse Alice.
«Quem me dera a mim ter olhos desses», observou o Rei… «Para ser capaz de ver Ninguém! E ainda por cima a esta distância! Ver pessoas reais é o máximo que eu consigo a esta luz!»
Flew diz que o erro do Rei consiste em tratar «Ninguém» como se tivesse a lógica de «Alguém», como se «Ninguém» se referisse a alguém, ainda que um alguém assaz insubstancial.[16] A confusão de Flew, se ele estiver efectivamente confuso, não reside na primeira parte desta afirmação, acerca de o Rei tratar «Ninguém» como se tivesse a lógica de «Alguém». O que ele quer dizer por ter a lógica de «Alguém» é claro na citação de Carroll: trata-se «Ninguém» como tendo a lógica de «Alguém» quando se julga possível inferir a partir da afirmação de Alice «Não vejo ninguém na estrada» que também se seria capaz de ver seja o que for que Alice vê, se se tivesse uma capacidade de visão como a sua. Se Alice vê alguém, deveríamos ser capazes de ver essa pessoa caso os nossos olhos fossem tão bons como os seus. (E, sendo possível, embora talvez apenas vagamente, ver todas as pessoas reais à luz disponível, a pessoa que Alice vê e que nós não conseguimos ver não pode ser uma pessoa real.) Pensar desta maneira é tratar «Ninguém» como se tivesse a lógica de «Alguém». Quando Anscombe argumenta que Flew estava confuso, ela diz que, se ele tivesse razão que «Alguém» se refere a alguém, poderíamos, caso nos dissessem que todos odeiam alguém, pedir para que a pessoa universalmente odiada nos fosse apresentada.
Mas o que o uso de «referir» na observação de Flew sobre o exemplo de Carroll pressupõe é a possibilidade de um uso geachiano de «referir» a respeito de uma passagem como
«Vejo alguém na estrada», disse Alice.
«Consigo apenas vislumbrá-lo», observou o Rei.
Segundo Geach, o Rei pode estar a referir-se à pessoa sobre a qual Alice tinha falado. O que torna possível o Rei se lhe referir é que Alice tinha acabado de chamar a atenção para ela; o Rei também precisa de ter identificado a pessoa de que Alice falara. O Rei poderia efectivamente pedir para que essa pessoa de que ela tinha falado lhe fosse apresentada. De uma perspectiva geachiana, tal como a entendo, seria um convite à confusão falar sobre a palavra «alguém» como referindo, na observação de Alice, alguém. Mas suponhamos que o que Flew quisera dizer (ao falar de «Alguém» como referindo uma pessoa, e de «Ninguém» como não o fazendo) é que a diferença entre a presença de «alguém» em «Vejo alguém na estrada» (supondo que fora isto que Alice dissera) e a presença de «ninguém» naquilo que ela disse faz a diferença entre Alice referir-se a uma pessoa na estrada no primeiro caso e não se referir a ninguém no segundo. Se isto fosse tudo o que ele tivesse querido dizer, a crítica adequada seria a de que a sua maneira de falar não fora a mais feliz e que gerar confusão. Anscombe, que apenas cita uma parte da discussão de Flew, toma-o como tencionando falar também de um conjunto de outros casos em que «Alguém» é usado, incluindo tais afirmações como «Todos odeiam alguém» (mas não incluindo casos em que «Alguém» é realmente usado como o nome de alguém), e de tomar a palavra «referir» num sentido particular, no qual dizer de uma palavra que esta se refere a alguém é dizer que funciona como o nome dessa pessoa. Mas não é claro qual o conjunto de casos acerca do qual Flew pretendia falar. Ele não diz em momento algum que «Alguém» é um nome; e é questionável que as suas observações sugiram isso.
Se os meus argumentos na Secção 2 estiverem correctos, seguir-se-ia que o trabalho de clarificação do uso não é em geral feito meramente pela descrição de um uso de uma palavra enquanto uso referencial, ou como o uso de uma palavra enquanto nome, ou enquanto variável: por detrás de tal descrição tem de haver uma apreensão de diferentes padrões de comportamento inferencial. Isto é particularmente evidente no caso de «referir».
Há aqui um ponto metodológico acerca de demonstrar que aquilo que alguém disse é absurdo, tal como Anscombe pretende fazer no caso de Flew. Pois, se um enunciado parece absurdo à primeira vista, é muito possível que haja alguma maneira não absurda de o considerar. No caso da observação de Flew, é evidente que há uma forma de tomar o seu exemplo citado, juntamente com as suas observações acerca do contraste entre a lógica de «Ninguém» e a lógica de «Alguém», de modo a que o compreendamos como estando a usar «referir» apenas para assinalar o contraste entre a função de «Alguém» em afirmações que, em contextos apropriados, se referem a alguém no sentido geachiano, e a ausência de tal função no caso de «Ninguém». Se Anscombe toma o que Flew diz por absurdo, é (creio) porque está convencida de que vê o que ele está a tentar dizer, e toma isso por uma mera confusão. Tomar o uso de Flew de «referido» tal como ela pensa que a palavra deve ser tomada, ela interpreta-o como se este estivesse a dizer que o que se poderia também colocar como «‘Alguém’ não é o nome de alguém», e, enquanto isso poderia (da perspectiva que ela adopta na passagem citada) querer dizer algo verdadeiro no caso de existir efectivamente alguém chamado «Alguém», ela julga que Flew tem em vista outra coisa – algo que é uma mera confusão. Estou em crer que a ideia de um sentido absurdo desempenha um papel na sua leitura (ou naquilo que considero ser o seu erro acerca) de Flew. Se alguém estiver convencido de que apreendeu o que uma dada pessoa está a tentar dizer e que isso é absurdo, que não tem significado algum, é quase garantido que não irá prestar atenção às possibilidades de sentido do género que pode ser obscurecido no caso de haver alguma diferença insuspeita na maneira como a palavra está a ser usada. Se alguém pretende mostrar que o que alguém disse era efectivamente absurdo, precisaria de proceder de um modo diferente: precisaria de reflectir em torno de como as suas palavras poderiam talvez ser tomadas desta ou daquela maneira, e por aí em diante, e precisaria, então, de evidenciar a razão pela qual considerou que nenhuma dessas possibilidades poderia satisfazer as suas intenções. Obviamente não pode haver aqui nenhuma demonstração conclusiva, pois a pessoa pode muito bem ser capaz de mostrar que as palavras tinham sido intencionadas de alguma outra maneira.[17]
Argumentei que existem problemas com a tentativa de Anscombe de mostrar que Flew estava confuso. Quero agora voltar-me para outra questão: a sua afirmação de que podemos dizer elucidativamente «‘Alguém’ não é o nome de alguém», e que isto indica que podemos efectivamente dizer o tipo de coisa que Wittgenstein tomou por mostrável mas não dizível. Vimos, no entanto, que não é claro o que é que (se algo) é dito por «‘Alguém’ não é o nome de alguém» a não ser que, pelo menos, seja claro que uso ou usos de «Alguém» o autor da observação tem em vista. A própria Anscombe reconhece isto, mas parece-me que não prossegue até às últimas consequências. Podemos explicitar este ou aquele uso de «Alguém», o que envolveria o mesmo tipo de actividade na qual a própria Anscombe se envolve a propósito do uso de «Todos odeiam alguém» que tem em mente. A sua intenção é criticar a descrição feita por Flew de «Alguém» enquanto referindo alguém; e a sua conversa acerca de se se trata ou não de um nome tem o intuito de clarificar aquilo que ela está a contestar. Anscombe dá-nos parte da especificação do que é usar a palavra de maneira a que se possa dizer que refere; mas suponhamos que ela explicitava isto mais claramente. E suponhamos também que ela explicitava o uso de «Alguém» que tinha em mente. Será que se poderia dizer elucidativamente que esse uso não é o tipo de uso que ela tomou como sendo propriamente descritível enquanto uso referencial? Se sim, de que maneira é isto elucidativo? Pois afirmar que não se trata de um uso referencial é também distingui-lo do uso por ela explicitado como aquilo a que desejava chamar um uso referencial. Mas a diferença entre o uso por ela explanado como «uso referencial» e o uso por ela explanado como o uso relevante de «Alguém» (o uso acerca do qual quer dizer algo) será o mais evidente possível independentemente de qualquer rótulo para os usos. Pode ser elucidativo apontar para uma coisa, e apontar para outra, e dizer «Olha!» – ou, neste caso, oferecer a especificação de um tipo de uso, e de outro, e dizer «Olha!» – mas a concepção de Anscombe daquilo em que está envolvida tem como intuito ser contrastada com qualquer destas directivas; tem como intuito a enunciação de algo que é verdade e que não é uma verdade lógica em nenhum sentido forte de verdade lógica. Mas que um modo de uso que permite tais e tais inferências (e por aí em diante) não seja um modo de uso que interdite aquelas inferências (e por aí em diante), se for alguma espécie de conteúdo, não será a espécie de conteúdo que ela crê que a sua observação tem. Gostaria aqui de enfatizar que não contesto que uma observação como a sua possa, em certos contextos, ser elucidativa; a questão é se, quando elucidativa, faz algo diferente de especificar, na medida em que é útil, algum uso ou usos e dizer «Olha!».
Se eu estiver certa, então, Anscombe julga estar a transmitir algo com genuíno conteúdo, embora não haja nenhum conteúdo do tipo que ela julga estar a transmitir. Tentativas de articular o que a sua observação tem em vista envolveriam explicitar os usos de tal maneira que as suas diferenças quanto a outros usos se tornariam claras. Se, como eu penso, a sua exposição tem problemas, estes surgem em parte de um esbatimento da distinção de Wittgenstein entre sinal e símbolo, e em parte do uso de conceitos formais como se se tratassem de conceitos comuns. Quando Anscombe diz que «‘Alguém’ não é o nome de alguém», ela procede de imediato à eliminação de um uso irrelevante do sinal «Alguém» – o seu uso enquanto nome evidente. Mas a sua observação não obstante preserva a sua aparência de conteúdo em larga medida porque ela não especifica o uso de «Alguém» acerca do qual pretende falar. Ela não nos permite ter o símbolo em questão, o símbolo acerca do qual pretende falar, claramente à vista. Mas se o símbolo fosse tornado claro, nos fosse apresentado claramente diante dos nossos olhos, a aparência de haver alguma coisa acerca da qual ela pretende dizer algo – alguma coisa a ser dita que não uma verdade lógica em nenhum sentido forte – seria mais difícil de atingir. Pode aqui ajudar a perceber estas questões notar que «Alguém» e «Ninguém» são frequentemente usados em linguagem comum como predicados. Quando Anscombe diz «‘Alguém’ não é o nome de alguém», ela não tem em vista «Alguém» tal como é usado em «Ele está realmente convencido de que é alguém», tal como Flew não pretende falar sobre «Ninguém» tal como é usado em «Os familiares dele são uns Zés Ninguéns». Cada um deles pretende falar de um símbolo diferente; e, caso seja necessário clarificar as suas observações, a clarificação envolverá pôr em evidência o símbolo que têm em vista. Não é preciso considerar casos em que «Alguém» ou «Ninguém» possam realmente ser usados como um nome para tornar claro que o pretenso conteúdo das suas observações não é um sinal. Uma vez mais, «é o nome de alguém» é, segundo o Tractatus, uma caracterização de um modo de uso de sinais; a sua expressão, num simbolismo logicamente perspícuo, é uma variável, cujos valores são proposições contendo sinais usados da maneira relevante. Não é necessário haver qualquer problema com conversas acerca de algo ser ou não ser um nome, ou de algum sinal ser ou não ser um nome de dois itens distintos, ou seja o que for; mas a aparência que essas observações poderão ter, de dizer algo que ultrapassa o que Wittgenstein permite que seja dito, é produzida em parte por não se olhar para além do rótulo «nome» ou «nome de duas coisas» e atentar num padrão de uso. No TLP 4.1211, Wittgenstein diz que a proposição «fa» mostra que o objecto a ocorre no seu sentido. Isto faz obviamente parecer que aquilo que é mostrado é algo que se pode colocar numa oração «que». E uma vez que o que se segue à palavra «que» não conta como dizível, parecerá que estamos perante o caso caricato a que Anscombe alude, de observações que dizem aquilo que não pode ser dito. O aspecto crucial em que temos de atentar aqui não é o que vem depois da oração «que» mas o que vem antes desta. Pois o que é que supostamente trata de mostrar? Sinais usados de uma certa maneira. Mas de que maneira? Explicitar o uso em questão, incluindo o comportamento inferencial da proposição, permitir-nos-á ver a própria proposição de um modo mais adequado. Neste caso, incluiria ser-se capaz de ver claramente o uso do sinal «a». Se virmos a própria proposição claramente, não há então nada mais a discutir, nada mais que pudesse ser dito ou pensado ou transmitido de alguma maneira não linguística ou mesmo deixado por dizer.[18] Que uma proposição mostra o seu sentido significa apenas que ver o seu uso é ver aquilo que ela diz ser caso. O ver-se não é aqui uma apreensão de algo inexprimível que «apenas pode ser mostrado», mas uma capacidade lógica, a capacidade para o uso inteligente, para o uso de acordo com as regras da sintaxe lógica.[19]
4. Conclusões
Não argumentei que as observações de Anscombe acerca de «Alguém» são absurdas. Argumentaria que, se a sua afirmação é que há algo que quer dizer que não é tautológico, que não é uma verdade lógica num sentido forte, não é de todo claro o que isso possa ser. A dificuldade reside em encontrar algo que corresponda ao que ela quer dizer, dado que toda a clarificação que a transforma numa tautologia ou em algo análogo a uma tautologia não será aquilo que pretende. Anscombe não pretende apenas falar do sinal «Alguém», dissociado do seu uso enquanto variável da linguagem comum. Pois, se falarmos acerca de um mero sinal, a rejeição de que se trata do nome de alguém teria apenas o intuito de mostrar que não lhe fora atribuído um uso particular: o nome «Alguém» não foi dado a ninguém. E isso não é o seu ponto. (Parece-me provável, aliás, que o nome «Alguém» já tenha sido dado a algum cão ou gato.)[20] Por outro lado, não podemos considerar que ela tenha pretendido falar deste ou daquele símbolo particular, ou pelo menos não é de todo claro que essa possa ter sido a sua intenção. Pois se tivesse querido dizer algo acerca de um símbolo, teria de ter explicitado que uso do sinal tinha em mente – isto é, a que símbolo se estava a referir. E então a questão seria aquilo que ela queria dizer acerca do símbolo que não fora ainda tornado claro ao explicitar de que símbolo se tratava. Argumentei que a sua impressão de que haveria algo elucidativo para ser dito acerca de «Alguém» – algo que não «Presta atenção a estes usos!» ou «Aqui está uma espécie de uso de sinais, aqui outra» – é enganadora. E é também enganadora a ideia que podemos ter, ao ler Wittgenstein, de que é fácil encontrar exemplos de proposições que são perfeitamente inteligíveis embora careçam de polaridade verdadeiro-falso – proposições que não são logicamente verdadeiras num sentido forte, proposições que não são meras tautologias.[21] Podemos pensar que o próprio livro de Wittgenstein nos oferece muitos desses exemplos: quando nos fala daquilo que se mostra, podemos pensar que apreendemos o tipo de conteúdo ou quase-conteúdo em questão. Mas o que trata de mostrar, se algo o faz, não é um sinal, mas um sinal em uso; e expor por meio da clarificação de proposições aquilo que trata de mostrar destruiria a impressão que temos daquilo que «é mostrado» enquanto algo a ser dito ou apreendido, uma espécie de conteúdo que representamos naturalmente por via de uma oração «que». Apenas clarificando proposições – isto é, tornando perspícuo quais os símbolos em questão – podemos vir a reconhecer que a nossa impressão de ir além daquilo que pode supostamente ser dito é ela própria uma impressão enganadora. A minha discussão do exemplo de Anscombe pretende ilustrar esse ponto: ela tem a ideia de que Wittgenstein considerava que algo que ela julga apreender (e, aliás, capaz de comunicar) está para além do alcance da linguagem. Aquilo que defendo é que essa impressão resulta de não ter levado até ao fim a tarefa de clarificar aquilo que ela própria está a dizer; e que, de uma maneira mais geral, a impressão de se ter percebido algo pode resultar da incapacidade de se clarificar aquilo sobre o qual julgamos estar a falar e o que julgamos estar a dizer acerca disso. Isto tem também o intuito de se aplicar à impressão que podemos ter de que as proposições do Tractatus são proposições inteligíveis. Não há no Tractatus nenhuma demonstração definitiva de que proposições deste ou daquele tipo são absurdas: a tarefa de clarificar proposições dá-se caso a caso. Apenas a actividade de clarificação filosófica, ou a tentativa dessa clarificação, pode revelar se, num caso particular, há ou não algo que queremos dizer.[22]
[1] Veja-se Anscombe, 1981f, sobretudo 112-116; Anscombe 1963b, sobretudo §18.
[2] Adenda, 2017: Anscombe examina questões relacionadas em “The First Person” (1981a). Ela estava preocupada em rejeitar, a propósito de “Eu”, que é usado a fim de representar um objecto de um modo análogo ao dos nomes próprios, e explicita as características lógicas dos nomes e usos similares de palavras. Na ITW ela não poderia ter entrado em tais detalhes, mas há, de qualquer das formas, um problema subjacente que se levanta se se supuser, por exemplo, que a afirmação sobre “Alguém” fosse da seguinte maneira: “‘Alguém’ (quando excluído o caso bizarro em que uma pessoa, ou um cão, ou seja o que for que se chame “Alguém”) não é um nome, no sentido em que, se se tratasse de um nome, se poderia responder a qualquer afirmação ‘… alguém…’ pedindo para que a pessoa em questão nos fosse apresentada”. Isto permitiria a Anscombe responder facilmente “Alguém” não é um nome; mas o problema seria então que não há provas de que Flew estivesse comprometido com a ideia de que “Alguém” fosse um nome nesse sentido. Veja-se a Secção 3 abaixo.
[3] Koethe 2003, 200.
[4] Adenda, 2017: Referia-me ao Tractatus 5.473. Para uma discussão do 5.473 e 5.4733, e de como Anscombe os poderá ter lido, veja-se o apêndice ao Ensaio 1.
[5] Para a discussão de Flew, veja-se Flew 1951, 7-8.
[6] Este parágrafo e o seguinte foram revistos para este volume. Agradeço a um revisor da Harvard University Press por chamar a atenção para problemas na versão original destes parágrafos.
[7] Adenda, 2017: Veja-se Geach 1964, acerca de falar-se sobre “o homem a que me referi há bocado”, no qual a minha alusão a referir aquela pessoa deriva do meu uso anterior de “Está um homem à beira da pedreira”. O pensamento anterior permite-me falar um pouco mais tarde do homem a que me referira, sobre o qual posso agora perguntar se ele caiu. Aqui, eu refiro o mesmo homem novamente. Veja-se ibid., 73-74, no qual Geach também discute a relação entre estes casos e a sua posição acerca dos nomes próprios.
[8] Isto é claro no Tractatus em 5.1 e seguintes e 6.12 e seguintes; veja-se também as “Notas Ditadas a Moore na Noruega” (Wittgenstein 1961b).
[9] Wittgenstein 1961b, 108.
[10] Para subsequente discussão das questões deste parágrafo e, de um modo mais geral, das questões deste ensaio, veja-se Kremer 2002.
[11] Wittgenstein 1989, 278.
[12] Para uma ideia relacionado com isto, veja-se Wittgenstein 1967, §321: “Quando uma regra respeitante a uma palavra numa proposição é acrescentada à proposição, o sentido da proposição não se altera.”
[13] Veja-se Kremer 2002, 299n22, sobre a questão de como diferentes tautologias podem mostrar coisas diferentes.
[14] Wittgenstein 1973,49. Formulei palavras abreviadas e segui as correcções de pontuação indicadas pelo editor.
[15] Adenda, 2017: Ao rever o Ensaio 2 para este volume, procedi a uma série de alterações na primeira metade da Secção 3. Estou em dívida para com um revisor da Harvard University Press por identificar problemas na versão anterior.
[16] Flew 1951, 8.
[17] Veja-se Gustafsson 2006, 11-34, para uma discussão destas questões em relação ao pensamento tardio de Wittgenstein. Veja-se também Anscombe 1981f e 1963b para o próprio tratamento de Anscombe da ideia de um “sentido que é absurdo” em relação ao pensamento tardio de Wittgenstein.
[18] Sobre estes assuntos, veja-se Kremer 1997, 98. Kremer explicita o tipo de comportamento inferencial de proposições em virtude das quais o sinal “a” tal como usado nessas proposições é o nome de um objecto simples. Aqui, “nome de um objecto simples” é um rótulo para o tipo de símbolo, o sinal revelador do qual é variável.
[19] Veja-se, sobre estes assuntos, Kremer 2001. Adenda, 2017: juntamente com James Conant, discuti Wittgenstein sobre dizer e mostrar em Conant e Diamond 2004, sobretudo 65-67. Veja-se também Narboux 2014.
[20] Adenda, 2017: Ao que parece, a poetisa e sufragista Lila Ripley Barnwell teve um cão chamado “Alguém”; e existe uma canção com a letra “Eu tenho um cão chamado Alguém, dei-lhe o teu nome.”
[21] Adenda, 2017: Algum tempo depois de ter escrito este ensaio, reconheci a importância que têm para o Tractatus proposições que não são bipolares, não são tautologias ou contradições, e não são absurdas. Estas proposições podem ter vários tipos de função, e são aludidas, no TLP 4.242, enquanto Behelfe der Darstellung [auxiliares de representação, N. T.]. Abordo a importância destas proposições no Ensaio 1, e discuto as suas diversas funções com maior detalhe nos Ensaios 3, 4, 5 e 6.
[22] Adenda, 2017: Já não tencionaria expressar a conclusão da maneira como esta se encontra formulada nesta última frase. Passa ao lado da importância dos diferentes tipos de uso que as proposições podem ter, mesmo que consideradas do ponto de vista do Tractatus sobre a linguagem. Veja-se a discussão das equações matemáticas nos Ensaios 4 e 5, e do contraste entre proposições “preparatórias” e as proposições do Tractatus no Ensaio 4.
* Tradução de João Esteves da Silva do capítulo 3 de Reading Wittgenstein with Anscombe: Going on to Ethics (Harvard University Press, 2019).