O tema é inevitável. Por mais que tentemos pensar noutra coisa — actividade nobre que ninguém neste momento entende — a pandemia é o tema que aparece em qualquer conversa ou artigo, quer como protagonista quer como pano de fundo. Evitá-lo poderia ser entendido como uma frivolidade incompreensível, sobretudo no contexto de uma coluna sobre política, palavra de origem grega que descreve originalmente aquilo que diz respeito às diferentes formas de organização da pólis; a cidade constituída por pessoas, grupos e comunidades.

Vivemos tempos de excepção, para o mal e para o bem; tempos em que a percepção de vazio de liderança política e autoridade democrática serão mais tarde ou mais cedo aproveitadas por populistas que exigem medidas restritivas e securitárias, aumentando o medo em vez de ajudar a resolver o problema, mas também por todos os que, comandados pelo mesmo medo, cedendo a uma postura abusiva, adoptam um tom paternalista e de policiamento sobre os outros que só serve para amesquinhar o próximo e amedrontar ainda mais.

É certo, porém, que entre estes dois cenários, na melhor das hipóteses teremos de suportar o tom agressivo dos «polícias dos outros», como aconteceu nos últimos dias com as intervenções do jornalista Rodrigo Guedes de Carvalho. Permitam-me que não goste do tom, nem do conteúdo. Não preciso, obrigada, que me ameacem para me proteger a mim própria e aos outros. Preciso, sim, de mensagens sóbrias, de esperança, de leveza no meio do que todos sabemos estar a acontecer — à excepção dos concorrentes do programa Big Brother, por exemplo, na Alemanha ou no Canadá, que até à data em que escrevo não fazem ideia do que se passa no mundo. Chegámos ao momento exótico da história da humanidade em que o sítio mais seguro do planeta é um reality show.

Por que razão são tão importantes as manifestações de ternura e atenção, respeitando naturalmente o distanciamento social que previne o contágio do novo coronavírus? Porque são estas manifestações que irão permitir que a sociedade não se desagregue neste momento difícil, reforçando os laços entre as pessoas, em vez de os desfazer com atritos e desconfianças, produtos da paranóia baseada na circulação da mentira e de discursos bem intencionados mas que só fomentam o pânico. «Keep calm and carry on» foi a frase descoberta num cartaz do Ministério da Informação britânico, de 1939, para o caso de os alemães invadirem o país. Seria, talvez, interessante adaptarmos o mote à nova realidade, sobretudo quando é a própria Ministra da Saúde, Marta Temido, que comparou a pandemia à guerra numa declaração sem um pingo de tranquilidade.

Por mim, fico desde já grata a todos os que amenizarem os meus receios e sossegarem a minha alma com a sua boa disposição. Agradeço àquele personal trainer em Sevilha que deu uma aula de ginástica num terraço a todos os vizinhos que o acompanharam a partir das respectivas varandas. Agradeço aos cantores de ópera que em Turim e Nápoles cantaram para os vizinhos não esmorecerem. Agradeço às cantoras em Wuhan que aceitam pedidos do público para cantarem canções em karaoke transmitindo as suas performances a partir de casa. Agradeço ao Papa Francisco pelas suas caminhadas nas ruas desertas de Roma (que lhe custam, bem se vê como coxeia).

Agradeço a todos os amigos que partilham vídeos ou imagens divertidos, que sugerem livros, partilham conversas interessantes e tentam que a vida não seja tão pesada neste momento de aflição. Também a memória do que cada um fez pelos outros, por si próprio, do modo como se comportou durante esta crise grave, sobreviverá. E é possível, se Deus quiser, que nós também.

* Texto originalmente publicado na secção de Opinião do Ponto SJ.

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