Em dado momento de Breadcrumb Trail (2014) — documentário de Lance Bangs sobre os Slint e o seu disco seminal, Spiderland (1991) — o baterista Britt Walford recorda os ensaios da banda na cave do vocalista Brian McMahan, o misto de saudosismo e perplexidade bem patentes na sua voz: «Limitava-me a continuar durante horas e horas». A confissão é ilustrada por um vídeo caseiro dos quatro jovens franzinos a praticarem uma versão embrionária daquela que viria a ser a derradeira faixa do seu chef d’oueuvre: «Good Morning, Captain».

Se a origem do saudosismo ainda é compreensível (afinal, mais de vinte anos haviam passado desde o lançamento de Spiderland), já a perplexidade apenas pode ser vagamente reconhecida; a sua génese demasiado entranhada na cultura idiossincrática e críptica do midwest norte-americano. O próprio Britt revela uma certa dificuldade em explicar a ânsia de ruptura com o tradicionalismo do rock, as dinâmicas entre membros e, acima de tudo, o sentimento de alienação social que paira sobre cada canto de Spiderland, restando ao ouvinte ficar preso na questão: como poderia um quarteto de adolescentes compor algo tão paradoxalmente gélido e ardente quanto esta obra-prima? De onde brotou toda esta bizarra, porém autêntica, percepção da vida?

Spiderland é um autêntico fenómeno em plena era do grunge; quer se tivermos em consideração o quadro geral da indústria da música no início da década de noventa, quer se atentarmos no que é inerente ao disco. As experiências com a dissonância, o afastamento da estrutura convencional da canção e a alternância de estilo de canto, entre o gemido exasperado e o spoken-word recôndito, foram reimaginados exaustivamente por grupos emo e pós-hardcore desde então, fascinados pela descoberta de uma zona de conforto na atmosfera hermética de Spiderland. Inevitavelmente, a narrativa claustrofóbica de «Don, Aman», o build-up pós-rock de «Washer» — irrompendo em um solo de guitarra que parece libertar, de uma assentada, toda a tensão acumulada até aqui (imediatamente mergulhando de novo na paranoia persistente) —, ou, mais famigeradamente, o desfecho assombroso de «Good Morning, Captain», converteram-se em propriedade pública para uma ínfima minoria.

Talvez daí nasça a perplexidade colectiva: estranha-se que música tão absorta no seu universo contenha em si, ainda assim, a habilidade de ressoar profundamente. De uma moradia suburbana em Louisville, Kentucky para o resto do mundo, peregrinando marginalmente à sociedade; porém, suficientemente achegado para vivenciar um rasgo de genuína conexão, deixando-o dispersar, por entre arpégios, batidas em assinaturas irregulares e palavras de solitude, no instante seguinte. Citando Steve Albini [Melody Maker, Março de 1991]: «Ten fucking stars».

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