EN
There are fields of knowledge, as well as domains of art, which resist categorization. They might be described or compared to others with more linear theoretical profiles which have resulted from wider or narrower consensus or, instead, from a total lack of shared opinions. This may be the case of Philosophy and Literature as a field of studies whose ambition is precisely to outline its theoretical feasibility. In my view, the difficulties for doing so, but not the impossibility of attempting the endeavor, lie on the very artistic, philosophical and literary practice which is an indelible part of the study cases eligible to justify such endeavor. Where do we draw the line, hypothetically traceable, between art and critic in Liszt’s musical transcriptions? Can we separate, without mutual erosion, Pasolini’s political and social activity from his cinematographic innovation? And Kierkegaard, does it really matter to determine if he is a philosopher-poet or a poète manqué? And the greatness of Dostoievski’s novels, will it benefit from being examined for a literary or a psychological perspective? Literature offers countless examples packed with cases of friendly, rewarding and fertile coexistence. From the Homeric and Latin epics to the Bildungsromane, from Plato to Augustine and Nietzsche, from Dante to Voltaire, from Shakespeare to Beckett, from Cervantes to Pessoa, from Kafka to Musil and Mann, there are numerous moments, and so diverse among them, where the art of reflection and the art of reflecting thought can be described as the finest universal literature, or the other way around, where the poetic-literary art can be described as one of the finest philosophies of their time. As for me, the more this happens the happier I am in reading and, when so happens, in translating texts, something that makes the task more demanding, albeit more satisfying. The best way to go about is to read them and let them exhale all the art of thought and expression they are made of, without ever forgetting we are one among many readers for each of these works in whose life and continued existence each reader takes active part.
PT
Há campos do saber, e também da arte, que resistem à classificação. Poderão ser descritos, comparados com outros cuja teorização tenha contornos mais lineares constituídos por consensos ou pela sua ausência. Talvez caiba neste caso um campo de estudos que justamente ambicione delinear esse tipo de viabilidade teórica para Filosofia e Literatura. As dificuldades de o fazer, mas não a impossibilidade de o tentar, residem a meu ver na prática artística, filosófica e literária dos objectos de estudo elegíveis para a justificação de tal projecto. Onde se situa a linha, hipoteticamente traçável, entre a arte e a crítica nas transcrições musicais de Liszt? Podemos separar, sem prejuízo recíproco, a intervenção política e social da inovação cinematográfica de Pasolini? E Kierkegaard, interessará mesmo apurar se é um filósofo-poeta ou um poète manqué? E a grandeza dos romances de Dostoievski, beneficiará alguma vez de ser preferencialmente analisada quanto ao peso dos ingredientes literários ou de análise psicológica? Os exemplos abundam com incidências de amistosa e profícua amizade. Das epopeias homéricas e latinas aos romances de formação, de Platão e Santo Agostinho a Nietzsche, de Dante a Voltaire, de Shakespeare a Beckett, são inúmeros, e tão diversificados entre si, os momentos em que a arte de reflectir e a arte de expressar essa reflexão podem ser descritas como expoentes máximos da literatura universal, ou o inverso, a arte poético-literária poder ser descrita como um expoente máximo do pensar filosófico ancestral ou do seu tempo. Por mim, quanto mais tal acontece, mais feliz me sinto na leitura e, quando é esse o caso, na tradução de textos, que se torna mais exigente, porém, mais gratificante. O melhor mesmo é lê-los e deixá-los exalar toda a arte do pensar e do dizer, sem nunca esquecer que somos um entre todos os leitores de cada uma dessas obras de cuja vida e sobrevivência cada leitor faz parte.