A partir do mar, a palavra província soa estranha ou desprovida de significado. Hoje e, porventura, desde sempre. A relação açoriana com o território e o espaço estabelece-se com termos alternativos. Um deles é a insularidade. Durante décadas, sobretudo aquelas mais marcadas pela emigração para os Estados Unidos ou para o Canadá, a sensação de isolamento é esmagadora. O contraste da ilha pequena e distante com o continente interminável, em que todas as formas, mais naturais ou mais humanizadas, são gigantescas, tolhe o emigrante em fuga ou faz sonhar aqueles que ficam para trás, imprime o mito da saudade açoriana, percorre a própria literatura. Hoje, a negação do isolamento mantém-se. Há quem a tenha resumido a frações de tempo, em vez de distância (duas horas para Lisboa, cinco horas para Toronto, cinco horas e meia até Boston), criando uma nova proximidade. Outros insistem na tese do velho continente atlântico dos relatos platónicos e envidam esforços arqueológicos para comprovar a sua existência para, assim, enganar a descontinuidade. No fundo, nunca deixámos de estar isolados, embora vivamos, hoje, um isolamento em relação com outros destinos, dantes impossível, porque a partida era definitiva

A par do isolamento, a identidade açoriana depende da paisagem. Não se resume o elo entre o povo e as ilhas à economia de subsistência. Esta, aliás, é cada vez menos evidente. Há, antes, uma tensão, um relacionamento dúplice, de amor-ódio, entre o açoriano e a paisagem, ainda por compreender. Sim, é impossível não haver amor, quando o exercício da relação é contemplativo, capturado por acidentes orográficos, criadores de expectativa ou surpresa. É nessa natureza mitológica que se investe o futuro económico da região, por via do turismo, promovendo-se a ideia de que aqui, nesta fronteira fragmentada da Europa, talvez resista uma versão intermédia do paraíso. E é fácil acreditar nela, porque nas ilhas ainda se encontra o silêncio. O ódio, ou, pelo menos, a incompreensão mútua, emerge da paisagem pretendida. Nos últimos vinte anos, as ilhas passaram por um processo de aceleração do progresso, pondo em confronto a natureza com vislumbres de urbanidade, seja na edificação propriamente dita, seja, sobretudo, na preponderância dos valores. Gerou-se, pois, um choque entre tradição e modernidade, uma tensão fantástica, muitas vezes divertida, mas também trituradora, sobretudo entre os jovens obrigados a conciliar essas duas linguagens, à procura de uma identidade. E se é verdade que, tal como eu, não deixaram de amar o silêncio, também ainda não compreenderam, exatamente, o que ele lhes diz. Descodificar o silêncio da paisagem é, pois, o nosso futuro.

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