Rousseau apresenta a sua teoria moral em vários lugares, dialogando consigo mesmo acerca da possibilidade de derrotar as suas piores expectativas. Esse movimento aparentemente contraditório descreve, na verdade, um óptimismo fundamental em relação à natureza humana e às dinâmicas sociais que têm lugar nas cidades pequenas, como Genebra. Rousseau tem uma visão negativa acerca de todo o tipo de progresso e de desenvolvimento, pressupondo que o afastamento da simplicidade provinciana provoca perdas morais substânciais. E todo o dramatismo da sua obra decorre precisamente da tentativa de contrariar essa visão, do desejo de encontrar um espaço de equilibrio entre Genebra e Paris. Amélie Rorty vê esse dramatismo como um impulso terapêutico[1]; Lionel Trilling como uma expressão de sincera ansiedade.[2] Ambos, como o professor António M. Feijó, reconhecem a enorme influência de Rousseau na sensibilidade moderna.[3]
Parte do interesse da teoria moral de Rousseau reside na ideia de confiança e na relação que essa ideia estabelece com um certo quadro de felicidade e de saúde moral. Rousseau descreve a dificuldade que consiste em ficar dependente da opinião de outras pessoas, identificando o mecanismo psicológico pelo qual se passa a desconfiar das próprias convicções e dos próprios sentimentos. Nos seus termos, a possibilidade de se desconfiar de quem se é está diretamente relacionada com o movimento de acreditar em demasia noutras pessoas, especialmente pessoas em quem se confia. No tratado educativo, Émile ou De l’éducation, de 1762, Rousseau mostra como as crianças começam por confiar nos educadores, antes de aprenderam a confiar em si mesmas e a saber da própria força, do próprio movimento e das próprias vontades, correndo o risco de se deixarem influenciar numa medida que não controlam nem compreendem. A sua sugestão principal é a de que os educadores se abstenham o mais possivel de interferir no processo de descoberta pelo qual se ganha confiança, sob pena de gerarem um modo de fragilidade moral muito dificil de corrigir. Na Carta a d’Alembert (1758), criticando a chegada de um teatro a Genebra, Rousseau mostra-se preocupado com a influência que os actores exercem como exemplos de falsificação moral. Mais uma vez, a sua sugestão é a de que as pessoas se protejam desse modo de fingir ser o que não se é, pelo qual se assimilam e se exacerbam sentimentos alheios.
Uma criança insegura será um parisiense pleno: sentirá uma necessidade perene de ser apreciada, ajudada, bajulada. E um parisiense pleno não deixará de se exercitar no que o faz sentir-se perdido, indo ao teatro. Este cenário descreve o etnocentrismo de Rousseau e o seu apreço pelos modos de vida que, de algum modo, preservam a liberdade infantil e a possibilidade de existir com simplicidade. Genebra representa, nestes termos, o minimalismo que responde às necessidades estritamente básicas de viver em comunidade; Paris, o excesso de estímulos e de necessidades que decorrem de reiventar constantemente a natureza das relações interpessoais. Como nota Lionel Trilling em Sincerity and Authenticity (1972):
The individual who lives in this new circumstance is subject to the constant influence, the literal in-flowing, of the mental processes of others, which, in the degree that they stimulate or enlarge his consciousness, make it less his own. He finds it ever more difficult to know what his own self is and what being true to it consists in.[4]
Neste modo sombrio de conceber o comércio mental entre as pessoas, Rousseau é um antecessor de Freud. Reconhecendo que a consciência de uma pessoa pode ser constituida, de algum modo, pelas opiniões e pelos comportamentos das outras pessoas, Rousseau reconhece as dificuldades em que Freud pensou quando descreveu o mecanismo pelo qual os pais passam a habitar a cabeça dos filhos. O que o preocupa é precisamente a constituição de uma espécie de superego, que anula a liberdade com que se nasce e se avança seguramente na vida. O que o angustia é a possibilidade de, como Freud descreveu, se passar a viver numa dualidade de convicções e de sentimentos, por efeito de uma dependência que anula a naturalidade mais primordial. E toda a sua teoria se orienta por um provincianismo que é também uma mitologia infantil: Rousseau tem uma consciência viva do modo como as pessoas se influenciam negativamente, mas todos os seus esforços filosóficos dependem da convicção de que isso pode ser contrariado através de um conservadorismo exacerbado. Esta dificuldade em encontrar um meio termo é certamente uma dificuldade freudiana. É, sem dúvida, um modo de ansiedade perante a necessidade de delinear um projecto terapêutico.