Os dez excursos que aqui apresento são partes de um compósito diacrónico e autobiográfico sobre a minha prática desportiva, e não há meras coincidências entre realidade e ficção. Segui apenas o sábio conselho da avó do Alexandre O’Neill: «pesquisas fazem-se em casa».
1. Plinto
Na primária, nas festas de final de ano, tinha de mostrar alguma habilidade aprendida durante o ano letivo. Saltar ao eixo no plinto era a habilidade que não tinha, mas todos faziam uma demonstração de um salto, e eu não podia ser exceção. Guardo até hoje uma fotografia do meu único salto, em que depois de dar o impulso no minitrampolim — sozinha — sou agarrada por dois professores, um para o braço e perna direitos, outro para o braço e perna esquerdos. É pena que a fotografia contemple os braços dos professores e as suas caras felizes por me ajudarem.
2. Espaldares
Aos dez anos tive uma professora de educação física que insistia semanalmente para que eu fizesse o pino. Lembro-me de uma colega minha, que tinha aulas já de ginástica profissional e cujo corpo parecia elástico, passar a vida a fazer o pino, dentro e fora das aulas de educação física, e eu saber que não queria fazer o mesmo, não queria ver as coisas ao contrário e ficar zonza dos pés à cabeça. Um dia tive de fazer o pino na aula de educação física com a ajuda da professora. A turma decidiu aplaudir o feito canhestro. Eu tive as minhas primeiras tonturas reais.
3. Necrose asséptica
Aos 12 anos, no início do agora terceiro ciclo, depois de uns exames e da passagem por dois ortopedistas, diagnosticaram-me uma necrose asséptica no pé direito. Na verdade, o segundo dedo deixou de crescer, porque o seu osso perdeu vascularização. À época o tratamento consistiu em deixar de usar as sapatilhas do ginásio e passar a usar uns ténis ortopédicos nas aulas de educação física. Por sorte, não podia entrar no ginásio com os ténis — era proibido! — e deixei de fazer os exercícios de ginástica. Frequentava só as aulas do exterior, mas raramente me queriam numa equipa de futebol e menos ainda numa de vólei, porque não sabia fazer o serviço de forma eficaz, a bola nunca passava da rede e a vergonha era própria e alheia.
4. Cidade Universitária
No Secundário, recebi a boa notícia de que a escola que iria frequentar por três anos, a Escola Secundária da Cidade Universitária, não podia, por falta de condições logísticas, oferecer a disciplina de educação física. Foram anos razoavelmente felizes. Fiz teatro amador.
5. Cicloturismo I
Um amigo do meu pai ofereceu-me uma bicicleta e incentivou-me à prática do cicloturismo, ainda numa época em que as ciclovias estavam longe de fazer parte da estratégia política e ambiental da cidade. Comecei a andar de bicicleta com regularidade aos fins de semana em Belém, tentando aliar duas coisas penosas e inconciliáveis, para mim – andar num velocípede e fazer turismo. Parei de fazer estes passeios quando tive a minha primeira paragem de digestão.
6. Cicloturismo II
Participei, depois de muita insistência, numa das atividades de cicloturismo promovidas pelo tal amigo do meu pai: um percurso de bicicleta pela cidade de Lisboa. Uma quebra de tensão e desmaio levaram-me a ver o resto do passeio desde a janela da carrinha dos bombeiros. Na reta final, já recuperada, fiz o resto do caminho de bicicleta porque tinha a família à minha espera. Não voltei a ser cicloturista, e entretanto a bicicleta, que ficava na garagem da minha mãe, foi roubada. Até hoje ainda tenho o capacete.
7. Cicloturismo III
Aos 18 anos comecei uma licenciatura em História e fui trabalhar para a Federação Portuguesa de Cicloturismo. Fazia trabalho administrativo e recebia semanalmente o pagamento das quotas dos membros federados. Nunca tive tonturas, nem desmaios nem paragens de digestão, a fazer estas atividades. Cheguei ainda a trabalhar, um ano mais tarde, como responsável pelo aluguer de BTT em Monsanto. Sempre incentivei a prática desportiva nos outros.
8. Ioga
Aos 20 anos fui a uma aula de Ioga, porque me disseram que era bom para relaxar o corpo e a mente, e uma pessoa precisa disso para viver melhor, não é? Fui às aulas para não frustrar a expectativa das pessoas que acreditam que o verso de Juvenal – mens sana in corpore sano – serve mesmo para incentivar à prática do exercício físico. A professora de Ioga, no final da aula, disse-me que os meus músculos pareciam imunes ao relaxamento e que eu conhecia muito mal o meu corpo. Ainda assim saí dorida e com sono.
9. Bicos de papagaio
Já tinha tido aulas de natação na primária, e com 24 anos decidi voltar às piscinas para tentar fazer exercício físico de maneira menos sacrificial (a água atenua o impacto do esforço, dizem). Em aulas de hidroterapia tentei corrigir a postura e aliviar as dores nas costas. O raio X, porém, confirma que a osteofitose se mantém.
10. Barrigas
Durante a gravidez, tive aulas de preparação para o parto e frequentei aulas de «hidrobarrigas», o nome simpático que arranjaram para que ninguém se esquecesse de que estava grávido. Todos os exercícios eram pensados em função da possibilidade — sempre desejada (por quem?) — de um parto natural. O meu filho, felizmente, acabou por nascer de cesariana.