Introdução
Uma questão recorrente na filosofia é colocada pelo seguinte dilema: será que as diferenças existem no mundo e é por isso que as traçamos ou será que traçamos diferenças e por isso dizemos que existem? As diferenças estão patentes na linguagem: distinguimos cores, fenómenos, objectos, actividades e seres vivos através de diferentes termos e, ingenuamente, assumimos que o fazemos porque existem diferentes cores, fenómenos, objectos, actividades e seres vivos. Mas assim que abandonamos a nossa perspectiva ingénua do dia-a-dia, torna-se claro que as distinções conceptuais que fazemos, enquanto humanos e falantes de uma língua, são apenas uma perspectiva entre muitas outras: porque é que os animais que se orientam sobretudo por órgãos olfactivos e auditivos haveriam de distinguir diferentes cores? Ou porque é que as pessoas que vivem num clima sempre quente e agradável haveriam de ter um conceito como o norueguês hygge, que significa um certo conforto associado ao frio e ao tempo chuvoso e sombrio que se presta a convívios num espaço interior quente e aconchegante?
São estas considerações e outras similares que conduzem à ideia de que as próprias diferenças que vemos, ouvimos, sentimos e pensamos não existem independentemente de nós ― isto é, na natureza per se ― mas são, de alguma forma, construídas e existem porque nós as fazemos. Estas considerações são actualmente relevantes em discussões feministas, que foram inicialmente desencadeadas pela tese de Simone Beauvoir de que «[n]inguém nasce mulher: torna-se mulher» (Beauvoir 2009, 13). Isto é o que o conceito de «género», nas suas variadas interpretações, supostamente enfatiza, ou seja, que as diferenças de género não são natural ou biologicamente dadas, mas socialmente construídas ou discursivamente desempenhadas. Tal como Donna Haraway diz:
O género é um conceito desenvolvido para contestar a naturalização da diferença sexual em múltiplas arenas de combate. A teoria e prática feministas que revolvem em torno do género procuram explicar e alterar sistemas históricos de diferença sexual, nos quais «homens» e «mulheres» são socialmente constituídos e posicionados em relações hierárquicas e antagónicas. (Haraway 1991a, 131)[i]
Isto poderá resultar numa situação um tanto paradoxal para feministas que, por um lado, celebram a importância de «mulheres» como categoria e, por outro, o seu desaparecimento (cf. ibid., cf. também Butler 2017, esp. cap. 1). Por outras palavras, se definirmos o feminismo de forma ampla, tal como bell hooks, como um «movimento que visa acabar com o sexismo, a exploração sexista e a opressão» (hooks 2015, xii), as diferenças sexuais, a exploração e a opressão apenas se poderão superar e extinguir através de uma luta contra os opressores e exploradores ou pelos oprimidos e explorados. Aquilo a que se poderia chamar o paradoxo do feminismo é, pois, que o sujeito do feminismo, na sua ambiguidade enquanto agente e paciente, consiste naquilo que o próprio visa superar. Assim formulado, o projecto do «feminismo» não soa muito promissor. Irei argumentar que, a fim de poder ter êxito, o «nós» que é o sujeito do feminismo tem de se constituir a si próprio para além das distinções conceptuais convencionais: como um «nós» sem um «eles».
Este ensaio é uma tentativa experimental de explorar o «nós» do feminismo, navegando entre as visões de Ludwig Wittgenstein e Donna Haraway sobre a relação entre a natureza e o significado. Neste contexto, começarei por ir beber às reflexões de Wittgenstein sobre a ligação entre a natureza e a formação de conceitos, salientando o seu falogocentrismo inerente, isto é, de um modo geral, o domínio da perspectiva masculina na construção de significado. Para superar este falogocentrismo e alcançar, então, uma concepção positiva daquilo que poderá ser um «nós» feminista, seguirei o caminho de Haraway, em particular aquele que é delineado em «The Promises of Monsters: A Regenerative Politics for Inappropriate/d Others» (1992). Este caminho não nos conduz a uma natureza intocada e por descobrir, mas leva-nos por entre e através de uma natureza social, construída, que tanto é facto como ficção. Por último, utilizarei a figura do monstro em Haraway enquanto criatura oscilante entre facto e ficção, fora das medidas e normas predominantes, para propor um «nós» feminista que vá além da estrutura binária do falogocentrismo. Este é um «nós» de uma linguagem incorporada, ciente da sua história, dos seus corpos e da sua dimensão política. É mais um fazer do que um grupo de sujeitos: em suma, é um “nós” de uma forma de vida monstruosa.[1]
Wittgenstein sobre Formação de Conceitos e Factos da Natureza*
Antes de nos dedicarmos à questão do «nós» do feminismo, comecemos com as reflexões de carácter muito geral de Wittgenstein acerca da relação entre a natureza e a formação de conceitos.
Ao longo da sua obra filosófica, Wittgenstein preocupou-se com questões sobre como é que as palavras se relacionam com as coisas do mundo, qual o significado de um conceito, e porque é que temos à partida os conceitos que temos. Se formos investigar o significado do «nós» feminista, é particularmente interessante examinar a questão de se, ou até que ponto, os nossos conceitos e o modo como usamos conceitos ― aquilo a que Wittgenstein chama a «gramática» de uma palavra ― se relacionam com a natureza ou factores naturais. Wittgenstein expõe esta questão como uma pergunta sobre a medida em que há uma «correspondência entre a nossa gramática e factos gerais da natureza (raramente mencionados)» (RPP I, 46). Com isto, ele não tem mente uma explicação causal da nossa gramática a partir de factos da natureza (cf. IF II, xii, 1). Wittgenstein está antes interessado na relevância dos factos da natureza para a nossa gramática e na medida em que os nossos conceitos fazem, assim, parte das nossas vidas (cf. UEFP II, 338).
Neste contexto, um dos exemplos que Wittgenstein considera com frequência é o das cores. Por exemplo, temos os conceitos de cores «vermelho», «azul», «amarelo» e «verde» e também dizemos «vermelho-amarelado», «verde-azulado», mas não costumamos dizer «verde-avermelhado» nem saberíamos o que quereríamos dizer com isso. Deveríamos dizer neste caso, tal como pergunta Wittgenstein, que é «da natureza das cores verde e vermelho que não existem cores intermédias» (cf. Ms 137, 5a)? Num certo sentido, isto parece ser verdade, pois um «vermelho-amarelado» e um «verde-azulado» podem, de facto, ser produzidos através da mistura de cores, enquanto misturar vermelho e verde apenas produz um tom acastanhado que pouco tem em comum com o vermelho e o verde (cf. Ms 137, 7b f.). Por isso, no caso do «verde-avermelhado», parece que não temos um conceito, porque, precisamente, não existe um «verde-avermelhado» na natureza. Mas será isto verdade? E quanto às cores das azeitonas ou às folhas verdes que se tornam vermelhas no Outono? Como seria se «vermelho» e «verde» apenas ocorressem desta forma na natureza, ou seja, nas azeitonas e nas folhas de Outono? Wittgenstein imagina-o assim:
Vermelho e verde, o mesmo. Imagino que existe apenas um tom de vermelho e um de verde. Ambos se fundem um com o outro na natureza (como certas folhas no Outono). Encontram-se juntos em todo o lado, um sendo uma variação do outro. A sua diferença não desempenha um papel maior do que a diferença entre mais claro e mais escuro.
Mas não vêem as pessoas a diferença?! Claro que vêem! Mas têm uma expressão como, por exemplo, «cor de folha», a qual é utilizada mais ou menos analogamente aos nossos nomes de cores, significando vermelho ou verde; e têm duas palavras determinativas, «viva» e «ténue», análogas, de alguma maneira, às nossas «claro» e «escuro», as quais separam o vermelho do verde. (UEFP I, 220).
De que modo, então, é que estas pessoas seriam diferentes de nós? Obviamente, conseguem ver cores e também distinguir o vermelho do verde, só que para elas esta distinção teria o mesmo papel que a nossa distinção entre «claro» e «escuro». Isto é, se essas pessoas viessem ao nosso mundo e aprendessem a nossa linguagem, poderiam usar os conceitos de «vermelho» e «verde» tal como nós os usamos. Contudo, no seu mundo, «vermelho» e «verde» seriam apenas dois tons daquilo a que chamariam «cor-de-folha». O que podemos retirar deste exemplo, de acordo com Wittgenstein, é que: «A diferença entre vermelho e verde não tem entre eles a importância que tem para nós, apenas» (UE I, 221).
Pode, pois, certamente haver ligações entre os nossos conceitos e certos factores naturais, mas apenas mediadas por aquilo que é importante para as pessoas nas suas práticas e vidas, isto é, por aquilo que lhes interessa. No entanto, isto não significa que os conceitos sejam justificados pela natureza. Já no início da década de 1930, Wittgenstein pensava que a gramática ― isto é, a lógica do uso de conceitos ― não presta contas a nenhuma realidade. As regras de acordo com as quais empregamos termos constituem o significado e são, portanto, num certo sentido, arbitrárias (cf. BT, 233r). Wittgenstein explica do seguinte modo como esta ideia deve ser entendida: «Quando se fala sobre a arbitrariedade [Willkürlichkeit] das regras gramaticais, isto apenas pode significar que a justificação que é inerente à gramática enquanto tal não existe para a gramática» (BT, 2355). Pois, aqui, qualquer justificação seria circular (cf. BT, 238): a gramática constitui as regras da linguagem e não da «natureza». Longe de contradizer a correspondência da gramática com certos factos da natureza, acima mencionada, o que isto significa é que o papel que os nossos conceitos desempenham nas nossas vidas ― isto é, o seu uso, que equivale à sua gramática ― tem por base aquilo que é importante para nós ou é do nosso interesse. Assim, quando os nossos interesses mudam, a gramática dos conceitos poderá também mudar. Como escreve Wittgenstein:
Quererei eu então dizer que certos factos são favoráveis à formação de certos conceitos; ou, uma vez mais, desfavoráveis? E será isto algo que a experiência nos ensina? É um facto da experiência que os seres humanos alteram os seus conceitos, que os trocam por outros quando aprendem novos factos; quando, deste modo, aquilo que anteriormente era importante para eles deixa de ser importante, e vice-versa. (Acha-se, por exemplo, que aquilo que antes era tido em conta como uma diferença de espécie é, na verdade, apenas uma diferença de grau.) […] (RPP II, 727)
Por isso, ainda que a gramática ou a formação de conceitos corresponda a factos gerais da natureza, tal não significa que a gramática possa ser explicada causalmente, nem que possa ser justificada pela «natureza» ― significa apenas que a gramática não parece ser, num sentido trivial, completamente aleatória. A gramática é, como diz Wittgenstein, autónoma (cf. BT 236r) ― autonomia, porém, não é independência absoluta, dado que não é um «total desprendimento». Também poderíamos ter outros termos e fazer outras distinções conceptuais. Como Wittgenstein salienta, tanto na década de 1930 (cf. BT, 236r) como nas suas investigações tardias, os nossos conceitos não podem ser justificados por serem os conceitos «certos» ou por corresponderem à «natureza»: eles não são «racionais» nem «irracionais», nem «certos» nem «errados». Tal como Wittgenstein diz, a crença de que «os nossos conceitos são os únicos racionais […] [consiste] no facto de os nossos conceitos estarem ligados ao que nos interessa, àquilo que nos importa» (UE II, 303). Com isto, contudo, Wittgenstein não pretende avançar uma hipótese:
Eu não digo, no sentido de uma hipótese, que se os factos da natureza fossem de outra maneira, as pessoas teriam conceitos diferentes. O que eu digo é que se uma pessoa acredita que certos conceitos são absolutamente os conceitos certos e que quem tivesse outros não compreenderia o que nós compreendemos, então ela que imagine certos factos da natureza de carácter muito geral de uma maneira diferente daquela a que estamos habituados; estruturas conceptuais diferentes daquelas a que estamos habituados tornar-se-lhe-ão compreensíveis. (IF II, xii, 2; tradução alterada).
Se, tal como Wittgenstein considera, um determinado grupo de pessoas vivesse num mundo onde «todos os objectos à sua volta rapidamente surgissem e logo desaparecessem», essas pessoas «não poderiam aprender a contar» (Ms 136, 48a, cf. RPP II, 191). De facto, seria altamente «contranatura» ou absurdo se as pessoas que vivessem nesse ambiente tivessem, ainda assim, palavras para números, pois o jogo de linguagem de contar objectos não teria aí nenhum propósito (cf. IF I, 142). Há, de facto, um sentido trivial em que o nosso jogo de linguagem de contar não é aleatório, na medida em que está (também) relacionado com a constância de objectos. Mas há, ainda, um sentido não-trivial em que o nosso jogo de linguagem de contar é arbitrário (willkürlich), por exemplo, na medida em que o nosso sistema de números está relacionado com o número dos nossos dedos (cf. Ms 137, 61a). Esta arbitrariedade demonstra-se pelo facto de que, efectivamente, existem aqui diferenças culturais: nas línguas germânicas, por exemplo, só se usam os dedos, ao passo que em japonês e francês se inclui também a direcção com que se conta em cada mão até dez, pelo que, aí, a contagem assenta no 20 (tanto que a palavra francesa para 80 é quatre-vingt, que significa «quatro vezes vinte»). Outras culturas incluem até outras partes do corpo (cf. Voß 2012, 119 f.): entre os membros da tribo Yupno em Papua Nova Guiné, os homens contam até 33, começando com o dedo mindinho, depois contando os dedos da mão direita, depois o pé esquerdo e o direito, as orelhas, olhos, narinas, depois o nariz e os mamilos, o umbigo, os testículos esquerdo e direito e, por último, o pénis (cf. Semenza 2008, 221). As mulheres da tribo Yupno, por outro lado, não contam, ou contam muito pouco (cf. ibid.).
Contudo, para além destes diferentes sistemas numéricos, existem, ainda, diferenças significativas ao nível da função dos números, manifestas, por exemplo, em diferenças ao nível da complexidade da dimensão do próprio sistema numérico – nas línguas aborígenes, da Austrália, por exemplo, conta-se até três ou até cinco (cf. Voß 2012, 120). E isto mostra que não se pode dizer «no sentido de uma hipótese» que «se os factos da natureza fossem de outra maneira, as pessoas teriam conceitos diferentes», já que diferentes culturas e pessoas têm diferentes conceitos sem que isso esteja causalmente relacionado com diferentes factos da natureza. O facto de a contagem desempenhar um papel extremamente importante nas nossas vidas está antes relacionado com os nossos interesses específicos, com a forma como organizamos as nossas vidas. Se, como diz Wittgenstein diz, quiséssemos «explicar para nós mesmos os conceitos a partir da necessidade que temos deles», isto seria, na verdade, «apenas a necessidade de um certo modo de vida, que inclui o próprio uso do conceito» (Ms 137, 61b).
Ao mesmo tempo, a imensa disseminação da contagem, bem como, por exemplo, certos termos de cores primárias, também revelam constantes culturais que, num sentido trivial, dependem, reconhecidamente de certos factos muito gerais da natureza tais como a constância de objectos. Por outras palavras, a ideia da construção humana do significado ― daí os construtivismos radicais ― é limitada pela «resistência» da natureza ou daquilo a que Wittgenstein chama «factos muito gerais da natureza». Antecipando Haraway, esta resistência não precisa de ser apreendida no sentido da inércia dos corpos, mas pode muito bem ser concebida como uma resistência activa de uma feroz, obstinada e astuta retirada (cf. Haraway 1991b, 198). Numa observação semelhante, Wittgenstein nota: «Num país onde o céu estivesse constantemente nublado, as pessoas não teriam a ideia de fazer astronomia» (Ms 136, 48b). Deste modo, «os nossos interesses estão ligados a factos particulares no mundo exterior» (UE II, 303). Por outro lado, outras pessoas fazem muito mais distinções conceptuais do que nós ou têm até tipos de distinções gramaticais completamente diferentes: em japonês, por exemplo, para além das palavras para números básicos, existe uma categoria diferente de palavras que são adicionadas às palavras para números básicos. Isto é, são usadas diferentes palavras para números dependendo daquilo que é contado: pessoas, coisas planas, máquinas, pequenos objectos redondos, animais pequenos ou grandes. Mas também seria concebível, tal como Wittgenstein considera, que outras pessoas tivessem um verbo que «na primeira pessoa significa escrever, na segunda amar, na terceira comer» (UE I, 328) ou que «uma palavra signifique algo diferente em cada dia da semana» (UE I, 331). Para nós, tais diferenças pareceriam contranatura, exageradas, quiçá caprichosas; não correspondem à nossa natureza, não correspondem àquilo que nos diz naturalmente respeito. Mas, como diz Wittgenstein, «num mundo diferente do nosso» ― e isto poderá ser apenas um modo de vida diferente no nosso mundo ― «achar-se-ia natural o uso de instrumentos linguísticos diferentes» (Ms 137, 61b).
Estas reflexões mostram, por um lado, o enlace da linguagem com a vida e, por outro, a existência de valores e o modo como estão intrinsecamente entrelaçados à linguagem ― ou como diz Wittgenstein: «Poderíamos dizer que os conceitos das pessoas mostram o que é e o que não é importante para elas» (ROC II, 293). Para Wittgenstein, o facto de termos os conceitos e as diferenças conceptuais que temos, e de estes desempenharem o papel que desempenham nas nossas vidas ― em suma, o facto de que usamos estes conceitos de um certo modo ― está ligado «ao que nos interessa, àquilo que nos importa» (UE II, 303). Além do mais, como citado anteriormente, «os nossos interesses estão ligados a factos particulares do mundo exterior» (ibid.). É esta a ambiguidade do termo «significado» que pode ser entendido quer como referência quer como importância ― referimo-nos a algo com uma palavra porque é importante para nós e, inversamente, algo é importante para nós, porque nos referimos a esse algo com uma palavra. Em vez de dizermos que nos nossos conceitos se espelha a nossa vida, seria provavelmente mais rigoroso dizer que eles «estão no meio dela» (UE II, 338). Os «factos da natureza» que interessam ou importam a uma determinada comunidade linguística manifestam-se nos seus conceitos.
Falogocentrismo
No âmbito das reflexões de Wittgenstein acerca da relação entre os conceitos e a natureza, muito se diz sobre «os nossos conceitos», «o nosso interesse pela natureza» e «a nossa linguagem e cultura» como distintas de outras linguagens e culturas. Mas quem é este «nós», de que forma é que este «nós» é constituído e qual a sua relação com aqueles que não são «nós»?
Apesar de este «nós» prevalecer em quase todos os seus escritos filosóficos, Wittgenstein nunca o explica explicitamente: fala de um «nós» como uma forma de vida, mas permanece pouco claro e é disputado por estudiosos da sua obra se por «forma de vida» ele entende uma cultura, uma comunidade linguística, determinados jogos de linguagem ou, até mesmo, «nós, os humanos» como um todo.[2] Além disso, Wittgenstein parece ainda menos interessado nas implicações morais e políticas deste tal «nós» ― especialmente quando concebido em oposição a um «eles». Voltarei adiante ao conceito de forma de vida de Wittgenstein ― por agora, quero concentrar-me nas dimensões morais e políticas do significado linguístico.
Se os interesses e valores presentes na percepção e estruturação de factores naturais desempenham um papel constitutivo na formação de conceitos ou se manifestam nos nossos conceitos, então esses interesses e valores estão intrinsecamente inscritos na linguagem. A linguagem pode, pois, tornar-se um instrumento político de poder cujas distinções conceptuais traçam limites que, por sua vez, incluem ou excluem. Vimos isto anteriormente com o caso da contagem na tribo Yupno: por um lado, o sistema numérico baseia-se, entre outras partes do corpo, nos genitais masculinos; por outro, os membros femininos desta tribo não contam, ou contam muito pouco. Mas não são precisos tais exemplos, que são um tanto exóticos para nós, para se perceber que vários mundos conceptuais são apresentados de um ponto de vista masculino. Isto também se verifica nas línguas das ditas civilizações ocidentais, onde as formas de tratamento das mulheres anunciam o seu estado civil ou nomes de profissões femininos são formados pela adição de um sufixo ao nome masculino da mesma actividade profissional, para mencionar apenas alguns dos casos mais óbvios.[ii] Não cabe à filosofia clarificar aqui possíveis relações causais ― isto é, se, por exemplo, as mulheres da tribo Yupno não contam porque o sistema numérico inclui genitais masculinos ou se o sistema numérico é como é porque elas, seja por que razão for, não tiveram a ideia de contar. Enquanto filósofas e filósofos, o que nos interessa é a relação das estruturas patriarcais com a linguagem enquanto tal, isto é, o falogocentrismo e as possibilidades de o superar.
De um modo geral, o termo «falogocentrismo» descreve a preferência do masculino na construção de significado ou, mais precisamente, descreve a percepção, estruturação e apropriação conceptual da «natureza» de acordo com o desejo e o interesse masculino.[3] Como apontado na secção anterior, isto reflecte-se no significado dos conceitos, entendido como referência e importância. Especialmente nas culturas ocidentais, o falogocentrismo é caracterizado por (mas não limitado a) profundos dualismos: «divisões primárias» da natureza em oposições conceptuais binárias e hierárquicas nas quais um dos conceitos é entendido como sendo o original e o outro como o seu derivado, como por exemplo: verdadeiro/falso, sujeito/objecto, humano/animal, cultura/natureza e, evidentemente, homem/mulher (cf. Haraway 2004b, 34). No seio da construção de significado falogocêntrica, «mulher» representa o Outro absoluto (cf. Beauvoir 2009, 368). Não é um género original, mas o próprio género masculino que surge apenas de um modo diferente, nomeadamente como a figura deficiente de um homem castrado (cf. Davis 1995, 126).
Muitas feministas protestaram contra a concepção falogocêntrica e, numa jogada ginocêntrica, procuraram reverter as suas hierarquias binárias enfatizando o valor de experiências tradicionalmente femininas (cf. ibid., 127). Inverter o privilégio enfatizando experiências tradicionalmente femininas, mas também outras medidas ginocêntricas tais como a introdução de quotas femininas ou programas de apoio a mulheres, foram e são uma parte importante da luta contra a opressão sexista. Porém, esta iniciativa é apenas bem sucedida na medida em que questiona, critica e, em última análise, dissolve as hierarquias tradicionais, já que uma iniciativa ginocêntrica poderá, simultaneamente, confirmar as várias oposições conceptuais binárias que constituem o falogocentrismo (cf. ibid.). Neste sentido, o ginelogocentrismo poderá, ironicamente, ser não menos fálico do que o falogocentrismo, tal como aponta Diane Davis (cf. ibid.). Isto porque a lei suprema, às quais as oposições conceptuais binárias, hierárquicas do falogocentrismo obedecem, é o tertium non datur, ou seja, a estrutura isto-ou-aquilo que não permite um «terceiro», um «nem-isto-nem-aquilo», muito menos um «ambos», um «isto-e-aquilo» (cf. ibid.). A opressão sexista tem muitas raízes, mas o falogocentrismo é talvez a mais profunda, alcançando as profundezas do significado e da importância. Se assim for, então acabar com a opressão sexista requer superar as estruturas «isto-ou-aquilo» das hierarquias conceptuais binárias que relegam as mulheres ao papel de Outro absoluto inerentes ao falogocentrismo e que estão emaranhadas com as várias formas quotidianas e materiais de opressão.
O feminismo enquanto luta contra a opressão sexista vê-se assim confrontado com o paradoxo acima mencionado: o seu compromisso para com as mulheres, enquanto categoria, consiste em dissolver essa mesma categoria ― o sujeito do feminismo, enquanto agente e paciente, consiste naquilo que o próprio visa superar. Como nota Judith Butler,
[h]á o problema político que o feminismo encontra no pressuposto de que o termo mulheres denota uma identidade comum. Mais do que um significante estável que reclama a concordância daquelas que pretende descrever e representar, mulheres, mesmo no plural, tornou-se um termo problemático, um lugar de disputa, uma causa de ansiedade. […] Se se «for» uma mulher, certamente não se é apenas isso; o termo não consegue ser exaustivo, não porque uma «pessoa» antes do género transcenda a parafernália específica do seu género, mas porque o género nem sempre se constitui de forma coerente ou consistente em diferentes contextos históricos, e porque o género se intersecta com modalidades raciais, de classes, étnicas, sexuais e regionais de identidades constituídas discursivamente. Em resultado disso, torna-se impossível separar o «género» das intersecções políticas e culturais em que invariavelmente se produz e mantém. (Butler 2017, 57)
Esta questão do «nós» do feminismo e, portanto, também a questão daquilo que constitui uma «mulher» para lá das estruturas binárias do falogocentrismo, tem originado discussões acesas e acusações ferozes: nos extremos destes atritos estão, por um lado, aquelas que defendem, juntamente com Butler, que não só o género, mas também o sexo biológico é construído e que «ser mulher» é um discurso performativo e, por outro, feministas que «não reconhecem pessoas que fizeram a transição para mulher nem como mulheres nem como sujeitos do feminismo» (Gamero-Cabrera 2022).[4] Existem, claro, inúmeras outras posições intermédias que configuram uma discussão na qual o paradoxo do sujeito do feminismo se parece materializar.[5] Como pode, então, o feminismo ser bem sucedido quando o seu próprio sujeito, o «nós» do feminismo, é constituído por aquilo que é suposto ser dissolvido?
Uma das formas de contornar o paradoxo seria conceber o feminismo ― para usar uma imagem de Wittgenstein ― como um escadote que, uma vez subido até ao topo, poderia ser deitado fora. Mas esta visão é, penso eu, ingénua, porque, onde quer que esteja ou seja qual for esse topo ao qual seja preciso subir por meio de um escadote, este estará sempre apoiado no terreno da opressão e dessa ideia falogocêntrica de «mulher» da qual procuramos escapar.[6] O feminismo não é uma ferramenta que se torna obsoleta uma vez usada. Se queremos dizer, tal como hooks, que o feminismo é um movimento que visa acabar com a opressão sexual, então tem de ser muito mais do que uma ferramenta de uso descartável como seja o escadote de Wittgenstein. Efectivamente, o feminismo é, por um lado, um movimento contínuo contra quaisquer novas formas de opressão que possam surgir e, por outro, algo que muda as nossas vidas de uma forma profunda e que, assim, nos muda a nós mesmas. Não podemos, nem devemos, fugir da história ― da nossa história ― pois, como Haraway escreve, «[t]odo o ser que importa é uma congérie das suas histórias de formação ― (2004a, 2). Não podemos escapar ao falogocentrismo por via da amnésia ou minando as suas raízes na esperança de encontrar uma natureza intocada e de começar de novo, a partir, por assim dizer, de uma tabula rasa. «Precisamos», diz Haraway, «não de regressar à natureza, mas de ir para outro lugar, por entre e através de uma natureza social artefactual» (2004d, 90).
Na secção seguinte, irei explorar o conceito de natureza artefactual de Haraway, por meio do qual o falogocentrismo não pode ser abalado, mas, sim, superado. O artefactualismo, neste sentido, não é tanto um túnel quanto uma ponte pela qual poderemos alcançar um novo «nós» que vá além do falogocentrismo.
O Artefactualismo de Haraway
No seu ensaio The Promises of Monsters, Haraway escreve que, no seu entender,
[a] natureza é uma daquelas coisas impossíveis que Gayatri Spivak caracteriza como aquilo nos é impossível não desejar. Penosamente conscientes da constituição discursiva da natureza enquanto «outro» nas histórias do colonialismo, racismo, sexismo e dominação de classe de muitos tipos, encontramos, todavia, neste conceito problemático, etno-específico, duradouro e móvel, algo de que não podemos prescindir, mas que nunca podemos «ter» (Haraway 2004d, 64).
Mais adiante no texto, prossegue:
Temos de encontrar outra relação com a natureza para além da reificação, possessão, apropriação e nostalgia. Não mais capazes de sustentar as ficções de serem ou sujeitos ou objectos, todos os participantes nestas poderosas conversas que constituem a natureza têm de encontrar um novo terreno para a criação conjunta de significados. (Haraway 2004e, 126).
Se estivermos dispostos a desistir da natureza do falogocentrismo, mas não da natureza, ou de qualquer natureza, então temos, antes de mais, de encontrar uma relação com a natureza que vá além da objectificação, possessão, apropriação e nostalgia. Tal natureza não é, diz Haraway, «um lugar físico ao qual se possa ir, nem um tesouro que se possa proteger ou resguardar, nem uma essência que se possa salvar ou violar» (ibid.) Trata-se, antes, de uma natureza artefactual, querendo isto dizer que «para nós, a natureza é construída, quer enquanto ficção quer enquanto facto» (ibid.). À primeira vista, isto parece contraditório: afinal de contas, por «facto» habitualmente entendemos algo que é encontrado e descoberto ― algo que é ―, enquanto «ficção» é algo inventado e imaginado ― algo que não é. O que é que Haraway tem então em mente quando diz que a natureza é tanto facto como ficção, na medida em que ambos são construídos?
Julgo que isto quer dizer que cada facto não é apenas «construído a partir de», como é também sempre «construído de raiz», isto é, inventado, e que cada ficção não é apenas «construída de raiz», como é também sempre «construída a partir de». A própria Haraway dá o exemplo de organismos que não são simplesmente encontrados ou descobertos, mas construídos, na medida em que «emergem de um processo discursivo», nomeadamente a biologia, que é um discurso e não o próprio mundo vivo (ibid., 67). Inversamente, as ficções nunca são puramente inventadas mas sempre, de alguma forma, «construídas a partir de» algo descoberto: a figura mitológica dos ciclopes de um só olho, por exemplo, não é puramente inventada, mas julga-se antes ser baseada em antigas descobertas de crânios de elefantes, cuja grande abertura nasal era interpretada como uma cavidade de um grande e único olho.[7] No artefactualismo, facto e ficção não são mutuamente exclusivos; ao invés disso, a sua justaposição e sobreposição cria um cintilar, à semelhança dos contrastes das cores saturadas das pinturas impressionistas. A natureza, nesta acepção artefactual, é, pois, sempre construída, no sentido de «construída a partir de» e «construída de raiz», enquanto facto e ficção ― trata-se, como diz Haraway, de «um lugar-comum e [de] uma poderosa construção discursiva, produzida por meio das interacções entre intervenientes materiais e semióticos, humanos e não-humanos» (ibid., 68).
Esta natureza artefactual constitui, como diz Haraway, «um novo terreno para a criação conjunta de significados» (2004e, 126). Mas este terreno nem é uma tela em branco à espera das nossas projecções, nem um recurso indolente pronto a ser decifrado por nós ― a natureza artefactual não é passiva (cf. Haraway 1991b, 198). Ao invés disso, a natureza artefactual de Haraway, entre facto e ficção, tem o intuito de ilustrar o modo como os significados são gerados por meio de conversa e mútua provocação com uma natureza activa e «mordaz» (cf. ibid.; cf. Hoppe 2022, 52 f.). Isto também significa que os conceitos, teorias e outros veículos de significado estão já sempre incorporados através da sua referência à natureza artefactual enquanto natureza construída: «A teoria não trata», como escreve Haraway, «de matérias distantes do corpo vivido; bem pelo contrário. A teoria é tudo menos desincorporada» (ibid.). A visão falogocêntrica da natureza, por outro lado, é tomada como o olhar de um sujeito desincorporado, vítreo, como uma visão divina a partir de nenhures, de onde tudo se vê (cf. Haraway 1991b, 189). Ao olho divino, a natureza apresenta-se intocada e não distorcida. Por conseguinte, as teorias e os conceitos falocêntricos julgam ser o verdadeiro espelho de uma natureza passiva (cf. Haraway 199b). Haraway e outras feministas criticaram esta ideia de uma visão a partir de nenhures,[iii] realçando o carácter situado e a particularidade de cada olhar e insistindo antes numa visão a partir de algures. Ao contrário da visão a partir de nenhures, a visão situada não reproduz as coisas por meio de reflexão; pelo contrário, o seu carácter situado e a sua particularidade implicam inflexões e refracções que produzem padrões de interferência (cf. Haraway 2004d, 70). A vista de algures oferece, pois, uma perspectiva particular, histórica e, justamente por isso, politicamente responsável. «Incorporação», neste sentido, não significa o vínculo fixo de conceitos ou teorias a um corpo objectificado, mas antes o seu carácter situado, temporal e espacial, bem como uma «responsabilidade pela diferença em campos de significado material-semióticos» (Haraway 1991b, 195).
O «Nós» Feminista como uma Forma de Vida Monstruosa
Como é que a ideia de Haraway de uma natureza artefactual nos ajuda, então, na nossa procura por um «nós» feminista? Como alternativa a uma concepção falogocêntrica da natureza, a ideia de uma natureza artefactual supera oposições conceptuais binárias e hierárquicas: na oscilação entre facto e ficção em veículos de significado incorporados, contrastes inclusivos emergem no lugar das contradições excludentes das estruturas isto-ou-aquilo e padrões de interferências, fruto de inflexões, vêm a substituir reproduções, fruto de reflexões. Voltando ao primeiro exemplo de Wittgenstein, conceber a natureza como algo construído é livrar-se da compulsão de descrever as folhas ou como vermelhas ou verdes, ou como verde-azeitona ou vermelho-acastanhado: em vez disso, as folhas das árvores artefactuais tornam-se por vezes verdes-avermelhadas.
Quanto à questão do sujeito do feminismo, o que isto significa é, acima de tudo, que num cenário de uma natureza artefactual, o conceito falocêntrico de «mulheres» é, forçosamente, uma ficção. Aquilo a que os falocratas chamavam «mulher» era o Outro absoluto mediado pelos seus interesses e desejos ― uma concepção que não é completamente aleatória, tal como nenhuma ficção é completamente aleatória. Isto, porém, é arbitrário na medida em que é construído e inventado. Aqui, o artefactualismo consiste em extrair as consequências do facto de que «homem» e «mulher» são inventados: são mitos, histórias, e história a ser feita. Dizer que o conceito de «mulher» é uma ficção não deve ser apenas entendido no sentido da tese de Beauvoir de que não se nasce mulher, mas num sentido mais radical de que, como diz Haraway, «qualquer sujeito coerente e acabado é uma fantasia, e que a identidade pessoal e colectiva é precária e constantemente reconstituída socialmente» (Haraway 2004c, 58).
Aceitar que a noção convencional de mulher, e de sujeito em geral, é uma ficção significa que o «nós» do feminismo não denota um sujeito ou vários sujeitos. Como diz Nietzsche, a ideia de que cada actividade envolve alguém activo é uma velha superstição sugerida pela gramática (cf. Nietzsche, BGE, § 17). Segundo esta visão, o sujeito é a condição do predicado e a este sujeito, enquanto substantivo, corresponde uma coisa autocontida e coerente. Seguindo esta estrutura gramatical superficial poder-se-ia igualmente falar, como Wittgenstein sugere, «de uma actividade da manteiga quando ela sobe de preço», notando de seguida: «e se com isso não se criam problemas, então […] é uma maneira de falar inofensiva» (IF I, 693). Mas e se forem criados problemas quando assumimos ingenuamente que a cada sujeito gramatical corresponde um agente e uma coisa ― pois quem é que chove quando dizemos «chove»? É esta superstição acerca da gramática que a filosofia da linguagem procura combater; por outras palavras, como diz Wittgenstein numa passagem frequentemente citada, «[a] filosofia é um combate contra o embruxamento do intelecto pelos meios da nossa linguagem» (IF I, 109). Da mesma forma, creio, é um embruxamento do intelecto pelos meios da nossa linguagem acreditar que o «nós» do feminismo deve necessariamente denotar um grupo de agentes ou sujeitos, cuja comunalidade, expressa pelo «nós», consiste numa característica identitária firmemente definida ― esta é precisamente a ficção que precisa de ser superada. Mas então, que mais ou quem mais pode ser o «nós» do feminismo?
Regressemos ao nosso exemplo dos ciclopes: se for verdade que o mito dos ciclopes não apareceu do nada, mas que se baseou antes em descobertas de crânios de elefantes, este já não se afigura tanto uma fantasia desvairada, quanto uma tentativa de explicação. Da mesma maneira, não é difícil reconhecer os interesses e desejos falocêntricos que foram decisivos para que determinadas características anatómicas definissem os corpos femininos como o Outro absoluto. Mas em vez de «regressar à natureza» e dizer que o esqueleto, na verdade, pertencia a um elefante e que o que foi considerado um olho era, afinal, um nariz, opto por confiar em Haraway e navegar através deste artefactualismo entre facto e ficção, para outro lugar, perguntando pelo que é feito agora dos ciclopes. Pois eles continuam a existir nas histórias que contamos, na arte e na poesia, são parte de uma religião e história antigas. Mas eles não existem no mesmo sentido em que os elefantes existem; não são seres vivos, mas figuras ficcionais que habitam histórias, imagens, sonhos e pesadelos enquanto «monstros». Considerar os ciclopes não como criaturas encontradas na natureza, mas como figuras ficcionais é libertá-los do seu esqueleto de elefantes: enquanto monstros ficcionais, podem assumir todo o tipo de formas.
Os monstros são criaturas que não obedecem a medidas e normas dominantes, excedendo-as radicalmente ou ficando aquém delas ― mais precisamente, são essas normas de poder contingentes que produzem e perpetuam monstros inapropriados e inadequados.[8] Por estar fora de uma norma de poder, a figura artefactual do monstro situa-se entre o «já-não» e o «ainda-não» e pode, por isso, ter algo a ensinar acerca das formas de multiplicidade e proscrição do eu puro e leve (cf. Leigh Star 1991, 29). Esta é uma das razões que levaram algumas feministas ― principalmente Susan Leigh Star e Donna Haraway ― a usar a figura do monstro, e em particular a do ciborgue, meio humano, meio máquina, como ferramenta de análise para uma melhor compreensão das culturas tecnocientíficas (cf. Leigh Star 1991, Haraway 2004b).
Em linha com esta figura mais geral do monstro, situada entre o «já-não» e o «ainda-não», gostaria de sugerir que o «nós» do feminismo pode ser visto como uma forma de vida monstruosa. Não digo, ou pelo menos quero evitar dizer, que «nós» somos monstros, dado que a palavra «monstro» é um substantivo e, portanto, um novo potencial sujeito a superar. Chamo-lhe «forma de vida monstruosa» porque entendo o conceito de forma de vida de Wittgenstein no sentido daquilo a que ele uma vez chamou «padrões na urdidura da vida» (UE II, 299), que se caracteriza, por um lado, pela sua regularidade e, por outro, pela sua variabilidade e se encontra entrelaçado com inúmeros outros padrões (cf. RPP II, 672 f.; cf. Majetschak 2010). Existem, por exemplo, formas recorrentes de opressão e violência sexual, mas estas variam consoante as pessoas que as experienciam vivam na Europa, na Ásia ou em África, e consoante sejam mulheres cis, pessoas trans, homossexuais ou negros, e a opressão e a violência patriarcais estão ligadas a outros factores sociais, tais como a educação, os cuidados de saúde, a religião, a ciência e os diferenciais de poder entre classes. Assim, tal como existem regularidades e variações ao nível da opressão sexual e ligações a outras formas de opressão, também existem regularidades, variações e ligações a outros factores sociais ao nível da luta contra a opressão sexual. Entender o «nós» do feminismo como forma de vida é considerar em igual medida as semelhanças e as diferenças.[9] Uma forma de vida significa, então, um padrão recorrente onde há espaço para a variação (cf. Majetschak 2010, 279) e no qual, como diz Wittgenstein, «as palavras e acções se ligam e seguram como os fios longitudinais e latitudinais de uma trama» (cf. Ms 137, 41b). Deste modo, uma forma de vida não é constituída por sujeitos que partilham determinadas características, mas pelo tecido formado por determinados padrões de discurso e acção: «É, então, possível, quiçá desejável, ter uma categoria instável, ainda que condicionada, de “mulheres”, uma categoria que esteja ciente das suas implicações mutáveis para a teoria política e o activismo» (Treviño 2022). De forma a resolver o paradoxo relativo ao sujeito do feminismo, precisamos de rejeitar a gramática que se impõe e cortar «radicalmente com a ideia de que a linguagem funciona sempre de uma maneira» (PI I, 304). «Nós» não somos, então, monstros, mas uma forma de vida monstruosa e, ao chamar-lhe «monstruosa», quero relembrar a origem etimológica da palavra: os verbos latinos monstrare e monere, que significam «admoestar» ou «relembrar», e «mostrar» e «profetizar».
O “nós” do feminismo não deverá, portanto, ser entendido como um substantivo, mas como um verbo, ou seja, não como nome, mas como um fazer. De forma semelhante, Butler sugere, ao aludir a Nietzsche, que no activismo político «não é preciso haver um “agente por detrás do acto”, mas que o “agente” se constrói de diferentes formas pelo acto e através dele» (Butler 2017, 281). Mas, ao contrário de Butler, não quero construir um agente com e através do acto, mas antes conceber a referência do «nós» feminista inteiramente como um verbo, muito à semelhança do que o poeta sami Nillas Hilmberg expressou ao dizer: «Deus é um verbo».[10] Assim, a função gramatical do «nós» não é a do sujeito, mas a do predicado, que indica uma acção e se encontra sempre já situada no tempo, isto é, no passado, presente ou futuro. Enquanto verbo, não é um grupo de sujeitos que se distingue de outros sujeitos, não é um «nós» oposto a um «eles». É, antes, um «nós» de uma linguagem sem sujeito, sem a ressonância enfática das oposições conceptuais binárias. O «nós» do feminismo não significa um ou mais monstros, mas aquilo a que podemos chamar «monstrar», que, no sentido da sua origem latina, deverá ser entendido como «admoestar», «mostrar» e «profetizar». O significado, enquanto referência e importância, do «nós» feminista é, a meu ver, precisamente admoestar, mostrar e profetizar aquilo e quem o «nós» foi, é e será. A resposta à pergunta sobre quem somos «nós» consiste, então, até certo ponto, em negociar a própria pergunta vezes sem conta, porque, como diz Haraway, a pergunta «quem somos “nós”? […] é inerentemente […] uma questão em aberto, uma questão sempre pronta para articulações contingentes e geradoras de atrito. É uma questão admoestadora» (Haraway, 2004d, 106).
Esta monstruosa forma de vida não é homogénea e regular; a sua linguagem não é comum nem transparente; não é o som consonante e harmonioso de línguas angelicais. Como diz Haraway, «[o] sonho feminista de uma linguagem comum, como outros sonhos de uma linguagem perfeitamente verdadeira, de um nomear perfeitamente fiel da experiência, é um sonho totalizante e imperialista» (Haraway 2004b, 31). «Falar línguas monstruosas» é, antes, celebrar a polifonia, a heteroglossia, repleta de atrito e ruído, pois somente na pluralidade pode a nossa linguagem estar verdadeiramente ciente da sua história, dos seus corpos e da dimensão política da sua articulação (cf. ibid., 39).
Ouvimo-la na célebre pergunta admoestadora de Sojourner Truth «Não serei eu uma mulher?» há 170 anos atrás, reivindicando o estatuto de humanidade para as mulheres negras e criticando as feministas brancas (cf. Haraway 2004c, 53) ― uma crítica que tem sido retomada e aprofundada desde a década de 80 por feministas negras como Audre Lorde, Patricia Hill Collins e bell hooks, para dar apenas alguns exemplos. Também a ouvimos na declaração de protesto «Nós fizemos um aborto!», subscrita, há 50 anos atrás, por várias centenas de mulheres para se oporem ao controlo patriarcal do aborto, o que desencadeou um debate que continua até aos dias de hoje. E ouvimo-la no veemente coro virtual do #MeToo, que derrubou vários agressores poderosos, como forma de protesto contra o silêncio em torno do assédio sexual, da agressão sexual e da violação ― e, todavia, o movimento #MeToo foi criticado por feministas por obscurecer o problema estrutural do sexismo ao dar destaque a casos individuais e porque a sua mobilização só foi possível pelo facto de terem sido mulheres poderosas, ricas e maioritariamente brancas a dar a cara pelo movimento. (cf. Rottenberg 2017).
Mas também a encontramos em exemplos de menor alcance, como quando a rapper germano-polaca Schwesta Ewa recorda incansavelmente o seu passado como prostituta, falando de violência, brutalidade e violação; vemo-la quando um engenheiro do sexo masculino recusa o convite para ser o orador principal numa conferência, a não ser que pelo menos metade dos palestrantes sejam mulheres; ou quando alguém denuncia finalmente o seu parceiro após anos de abuso.
Tudo isto são exemplos de poderosas línguas monstruosas que não só protestam contra a opressão sexual, como também, ao fazê-lo, negoceiam o «nós» do feminismo em atritos polifónicos. Tais línguas mostram o que é este «nós» ― quem foi, é e será ― enquanto «outros incorporados, que não estão autorizados a ter um corpo, a ter um ponto de vista finito», como diz Haraway (1991b, 183).[11]
O «nós» do feminismo pode, portanto, ser concebido como o «nós» de uma forma de vida monstruosa e de uma linguagem incorporada. Simultaneamente facto e ficção, faz valer os seus três significados ― admoestar, mostrar, profetizar ― para unir os seus passados históricos e recordados, demonstrar e protestar no presente e profetizar visões futuras.
[i] N.T.: Todas as traduções de citações são da minha autoria, excepto as de O Segundo Sexo (Beauvoir 2009), Problemas de Género (Butler 2017), Investigações Filosóficas (Wittgenstein 2015) e Últimos Escritos sobre a Filosofia da Psicologia (Wittgenstein 2014).
[ii] N.T.: A autora refere-se às formas de tratamento usadas na língua inglesa: Miss (para mulheres não casadas) e Mrs. (para mulheres casadas). Quanto aos nomes das profissões formados a partir de um sufixo, alguns exemplos são actress (actriz), formado do nome masculino actor, waitress (empregada de mesa), de waiter, air stewardess (hospedeira de bordo), de air steward.
[iii] N.T.: No original inglês, view from nowhere, expressão do filósofo Thomas Nagel, por vezes também traduzida para português por «visão a partir de lugar nenhum» ou «ponto de vista de lado nenhum».
* Esta secção tem por base a investigação desenvolvida na minha dissertação de doutoramento (cf. Trächtler 2021, ch. 5.2).
[1] Claro que, ao relacionar a filosofia de Wittgenstein com as reflexões feministas de Haraway, não procuro afirmar ou dar a entender que Wittgenstein era um «feminista». Como é sabido, Wittgenstein não tinha grande consideração pelas mulheres, nem os seus escritos mostram, em geral, especial interesse por assuntos éticos ou políticos (cf. Monk 1991, 72, 498; Szabados 1997; Heyes 2003, 1). Ao invés disso, com este ensaio, pretendo contribuir para os esforços recentes (cf. Lovibond 1983, Diamond 1991, Crary e Read 2000, Heyes 2000, Mouffe 2000, Scheman e O’Connor 2002, Zerilli 2005, Provost, Trächtler e Laugier 2022) de mostrar que ― e de que modo ― a filosofia da linguagem de Wittgenstein pode ser usada de maneiras bastante frutíferas para a filosofia feminista.
[2] Cf. o debate entre Newton Garver (1984) e Rudolf Haller (1986) sobre o conceito de «forma de vida», bem como a recensão crítica de Stefan Majestscjak sobre ambas as concepções e a sua própria interpretação (2010).
[3] O termo «falogocentrismo» foi cunhado por Jacques Derrida (cf. 1892) como crítica ao «significante transcendental» de Jacques Lacan: «aquilo que sustenta toda a significação enquanto sua condição de possibilidade» (cf. Feder and Zakin 1997, note 1). Para Lacan, o falo assinala o espaço «onde o papel do Logos está casado com o advento do desejo» (Lacan 2006, 693). O falo, neste sentido, não é fantasia ou imaginação nem o objecto ou orgão que simboliza (cf. ibid. 690). Ao invés disso, como explica Lacan, o falo pode ser entendido aqui de acordo com a sua função de «significante que está destinado a designar efeitos de significado como um todo» (ibid. 691).
Uma consequência ilustrativa do falogocentrismo enquanto apropriação conceptual da «natureza» ou do mundo experienciado, em geral, é aquilo a que Miranda Fricker chama «injustiça hermenêutica», um fenómeno que ocorre «quando uma lacuna nos recursos de interpretação colectivos coloca alguém numa posição de desvantagem injusta no que toca a fazer sentido das suas experiências sociais» (2007, 1). Para uma discussão crítica da concepção de «injustiça hermenêutica» de Fricker de uma perspectiva wittgensteiniana, cf. Lobo (2022).
[4] Cf. Gamero-Cabrera (2022) para uma discussão mais detalhada sobre o debate cis/trans de uma perspectiva wittgensteiniana.
[5] Outra maneira de formular uma das questões centrais desta disputa é atender à questão do corpo sexuado na filosofia feminista. Como Heyes escreve: «Simultaneamente receosas de que os nossos corpos pudessem ser apagados, de que pudéssemos ser reduzidas aos nossos corpos, ou de que os nossos corpos nos pudessem sobredeterminar, temo-nos debatido com a questão de como situar o corpo sexuado na filosofia feminista» (2000, 88).
[6] Cf. Wittgenstein, TLP 6.54. Cf. também a recusa de Butler em preservar a categoria de «mulher» para fins «estratégicos» (Butler 2017, 59).
[7] Esta é, pelo menos, uma teoria plausível para a origem do mito dos ciclopes. Para uma discussão mais detalhada, cf. Mayor (2011, 6 f.; cap. 5; ap. I).
[8] Cf. Daston e Park (1998, cap. 5) para um panorama histórico do(s) significado(s) do termo «monstro» ― e das suas variações – na era moderna.
[9] Para uma perspectiva semelhante sobre este assunto e uma discussão relacionada, centrada no transfeminismo enquanto «forma de vida política», cf. Treviño (2022).
[10] Tradução do sami do norte: «ipmil lea vearba» (in: Niillas Holmberg, Juolgevuođđu).
[11] O «nós» feminista de Haraway, sobretudo quando ela o descreve sob a figura do «ciborgue», tem sido em parte criticado (e a proposta de um «nós» feminista aqui desenvolvida poderia também ser acusada do mesmo) por fazer uma afirmação universalista e unificadora e, por isso, depreciar as metodologias e epistemologias particulares, por exemplo, dos feminismos negros (cf. Schueller 2005; cf. also Hoppe 2022, 64 f.). Schueller, em particular, criticou analogias demasiado simplistas entre a opressão sexual e racial por esbaterem distinções importantes e, por conseguinte, reproduzirem «os paradigmas do imperialismo, em que os colonizadores falam em nome de toda a humanidade» (2005, 64). Ainda que acredite que esta crítica a analogias simplistas e precipitadas é fundamentada e relevante, julgo que desconsidera, no caso da figura do ciborgue de Haraway, que é precisamente a polifonia heterogénea e constante negociação deste «nós» feminista que é realçada por Haraway (e por este ensaio) ― porque, tal como disse certeiramente hooks: O Feminismo é para Todos.
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