Clitemnestra, encerra-me para sempre no teu cárcere sombrio. Dá-me mais algum tempo de vida. Mas suplico-te: manda-me um escriba ou, melhor ainda, uma escrava jovem com boa memória e voz forte. Ordena-lhe que conte à sua filha o que de mim ouvir. E que esta filha o conte à sua filha, e assim por diante. Para que, ao lado do grande rio das canções heróicas, também este pequeno riacho, penosamente, chegue àquela humanidade distante, talvez mais feliz, que um dia há-de viver (Wolf 2016, 103).[1]
As palavras acima transcritas, proferidas por Cassandra na narrativa homónima de Christa Wolf (1929-2011), reclamam, ainda hoje, a integração da experiência feminina na história, o direito à memória e a dimensão ética e mesmo política dos actos recordatórios.[2] Mais ainda, o excerto que aqui constituo como epígrafe reivindica igualmente a transmissão intergeracional e transgeracional da memória para que o poder transformador da palavra ou da arte se concretize, tal como o projecta Christa Wolf através da voz de Cassandra: «Sem dúvida, dizia, havia traços na minha natureza que não iam bem com o sacerdócio. Quais? Ora, o desejo de influenciar as pessoas! Mas como havia uma mulher de dominar, a não ser assim?» (36).
Sem equívocos, a Cassandra de Christa Wolf refuta a condição de objecto, para se afirmar como sujeito, desde logo através da afirmação do direito a produzir a sua própria narrativa e através da reivindicação da paridade face à tradição literária masculina. Daí a urgência do recordar e contar — para reescrever ou re-significar o mito, já não à luz de modelos mentais e narrativos masculinos, mas antes como expressão lúcida da voz feminina e de uma visão alternativa do passado.
Com efeito, recordar e contar são para a profetisa amaldiçoada tanto a expressão ou a elaboração da experiência subjectiva, como um acto de construção de memória individual que requer transmissão urgente para que o testemunho se constitua como projecto de futuro. Porque a memória não é apenas o testemunho da experiência vivida, mas também uma possibilidade de futuro que Cassandra quer salvaguardar para as gerações vindouras. A transmissão oral e a escrita têm aqui uma função indispensável como externalização e comunicação da experiência, como as palavras de Cassandra deixam claro, e são meios essenciais à produção e transmissão da memória cultural.[3] Porque, como bem sabemos, a mediação, remediação e performatização de conteúdos mnemónicos são vitais à consolidação da identidade e da memória cultural, criando ou reformulando narrativas e ícones do passado (Erll e Rigney 2012, 5).
A literatura, provavelmente um dos mais relevantes meios de memória da cultura ocidental, é igualmente lugar de encenação e produção de identidades de género. Enquanto meio de memória, a literatura tem chamado a si a capacidade para fixar, mediar e remediar narrativas (míticas), que se instituem como narrativas fundadoras (Erll e Nünning 2006). De facto, tais narrativas desempenham um papel determinante na formação e transformação da memória cultural, na sua capacidade para gerar novos modelos identitários, novos valores e normas, ou mesmo uma memória de «oposição» ou «contra-memória». E por contra-memória não se entende, claro, apenas a memória feminina, mas sim qualquer acto de rememoração, e constituição de memória individual, que se articule como desafio ou alternativa à Historiografia.
É precisamente esta memória de oposição, ou contra-memória no feminino, que Christa Wolf concretiza em Cassandra, associando-se a um já denso e secular tecido mnemónico.[4] A revisitação da figura mítica permitiu a Christa Wolf reavaliar o passado (e «ver» o presente[5]) e constitui hoje uma das primeiras expressões do que poderemos designar por «genderização da memória» (...), num momento anterior ou inicial do mnemonic turn nas últimas décadas do século XX (Erll 2011). Como argumenta a escritora, na sua defesa da especificidade de género na recordação, por razões históricas e biológicas, as mulheres vivem uma outra realidade, que as tem afastado do poder e da memória cultural que Cassandra agora reivindica (Wolf 1984, 259).
A narrativa de Christa Wolf foi inicialmente lida como metáfora política, social e cultural da Alemanha (de Leste), poucos anos antes da Queda do Muro, como denúncia de um mal-estar silenciado, de uma «maleita que cobre tudo e todos» (Wolf 2007, 98-9), e que o corpo de Cassandra, enquanto lugar de memória, condensa e materializa. Mas a obra oferece também uma leitura transnacional e transcultural: Cassandra, protagonista de uma cruzada pacifista e feminista, que contraria a invisibilidade e o silenciamento da experiência feminina e reivindica a inscrição da memória feminina na cultura, clama: Quero ser testemunha, ainda que não fique um só homem para me pedir um testemunho (Wolf 1989, 31). O recurso à narrativa retrospectiva na primeira pessoa permite a Christa Wolf atribuir à personagem feminina uma autoridade incontestável, não apenas na expressão da sua subjectividade e experiência pessoal, mas sobretudo através da sua perspectiva sobre a destruição de Tróia — e sobre a Europa do início da década de oitenta, que vive sob a ameaça de uma guerra atómica —, constituindo-se como alternativa à Historiografia. Recupero, a este propósito, a afirmação de Aleida Assmann: «The Historian has lost his monopoly over defining and presenting the past» (Assmann 2010, 38). O memory boom, argumenta ainda Assmann, é o efeito imediato dessa perda de autoridade da Historiografia, claramente masculina, como bem sabemos.
Contudo, essa viragem para a memória (mnemonic turn) do final do século XX não questionou inicialmente a visão universalista e masculinista da história e da memória. De facto, as teorias e perspectivas que sustentam os Estudos de Memória (representadas por figuras tais como Maurice Halbwachs, Pierre Nora, Aleida e Jan Assmann, Andreas Huyssen, entre outros) são, desde o início, absolutamente neutrais, não considerando a especificidade de género e a possibilidade de outras vozes ou perspectivas: «Memory Studies have perpetuated a national, male, white history discourse» (Paletschek e Schraut 2008, 268). Com efeito, desta inscrição da memória na cultura está quase sempre ausente o género feminino, tornado invisível nos textos teóricos seminais.
É justamente como contra-narrativa no feminino e resistência à memória hegemónica que aqui quero ler a reimaginação de Cassandra por Christa Wolf. Como argumentam Erll e Nünning, na encenação da memória na Literatura (ou «mimese da memória»), os textos narrativos (não-referenciais) revelam especiais afinidades com o processo de recordação e podem mesmo propor novos modelos de memória ao oferecer novas perspectivas sobre o passado. A imaginação criadora tem aqui um papel importante, eventualmente subversivo, na negociação da memória cultural e na questionação de modelos e estereótipos que a Historiografia sancionou. E a Literatura de autoria feminina tem vindo, de modo muito expressivo a partir da década de setenta do século XX, a reivindicar uma voz própria como autora/criadora, e não apenas como objecto da imaginação masculina. Voltarei mais adiante a esta ideia.
A integração da categoria género nos Estudos de Memória surge discretamente no auge do chamado memory boom (Huyssen 2003), nas décadas de 1980 e 1990, quando a contra-memória feminina deixava já um trilho iniludível no discurso cultural hegemónico. A partir daí, cresce no seio dos Estudos de Memória a percepção de que pode existir especificidade de género nos actos de rememoração e na atribuição de sentido a essas recordações (Leydesdorff, Passerini, Thompson 1996; Haaken 1998; Reading 2002; Hirsch e Smith 2002; Nünning e Nünning 2004; Assmann 2006; Reading 2016). As primeiras vozes em defesa da especificidade de género apontam para diferenças na experienciação da realidade — e a história oral foi aqui de grande relevância –, bem como nas estratégias de representação dessa mesma realidade porque, e tomo aqui de empréstimo as palavras de Lídia Jorge, «as vidas reais marcam as histórias que se contam» (Ferreira e Hutchinson 2009, 337). Sendo o género, como a memória, um produto de discursos e práticas performativas inscritas na cultura, o entretecimento e a influência recíproca das duas categorias parece inevitável, de certo modo orgânico (e por memória entendemos aqui tanto a construção do arquivo como o processo de rememoração ou recordação). É ainda no final dos anos de oitenta que surgem as primeiras intersecções teóricas entre os Estudos de Memória e os Estudos de Género, que partem de uma premissa comum: a constructividade e performatividade tanto da categoria género como da memória e a possibilidade da sua reescrita ou desconstrução. No panorama teórico e crítico contemporâneo é já hoje incontestável que as «políticas da memória» — ou seja, o que uma cultura recorda ou decide esquecer – estão intrinsecamente associadas ao poder e à hegemonia, e consequentemente ao género, entre outras categorias identitárias (Hirsch e Smith 2002).
A intersecção de memória e género anunciava-se já no seio da crítica feminista – embora num outro quadro epistemológico —, no âmbito da contestação do cânone masculino e heteronormativo e da consequente necessidade de reinterpretar o passado e redefinir a cultura a partir de outros ângulos. Esta reescrita do cânone deveria concretizar-se através da procura de uma «escrita feminina», de uma linguagem e estética femininas e, por último, pela recuperação e inclusão de obras de autoria feminina na memória cultural.[6] De facto, este processo de inclusão não deveria ser levado a cabo apenas ao nível do cânone — a memória activamente difundida —, mas também no arquivo — a memória passivamente acumulada, que preserva o passado e que pode ser reactivado a qualquer momento (Assmann 2008, 98). Neste sentido, argumentam Marianne Hirsch e Valerie Smith, a crítica feminista é também um trabalho de memória já que retirou do esquecimento vozes femininas e propôs diferentes modos de conhecer o passado: «Theorizing cultural memory through the lens of feminism does not merely foreground the dynamics of gender and power. It also applies modes of questioning to the analysis of cultural recall and forgetting» (Hirsch e Smith 2002, 11). Hoje, argumenta Aleida Assmann, o projecto feminista consiste não apenas em assegurar às mulheres um lugar no cânone literário, mas igualmente na determinação em integrar a experiência feminina na história (Assmann 2006, 41), como reivindica a Cassandra de Christa Wolf no início da década de oitenta do século passado.
Os anos setenta, por seu lado, constituem um momento de explosão da produção literária e cultural no feminino nas mais diferentes geografias culturais e, consequentemente, à sua lenta inscrição na memória cultural do século XX.[7] Muitas dessas obras, frequentemente em registo autobiográfico ou memorialístico, constituíam implícita ou explicitamente actos de memória individual e cultural, que têm sido lidas como contra-narrativas ou contra-histórias. É o caso das narrativas da colonização, emigração ou violência de autoria feminina que indiciaram a especificidade de género na narrativização da memória e a necessidade teórica e metodológica de fazer convergir a investigação em estudos de memória e questões de género. De facto, também a memória cultural, ao reconstruir e mediar o passado, garante a transmissão intergeracional de concepções de género e, deste modo, memória e género assumem funções semelhantes, com destaque para a estabilização ou desconstrução das identidades individuais e colectivas, assim como a fixação, manutenção ou a subversão de relações de poder político e social (Hirsch e Smith 2002, 2).
A investigação académica sobre a especificidade de género na construção do arquivo mnemónico ou nos actos de recordação e respectiva representação estética foram paulatinamente constituindo matéria de investigação. Com efeito, o final do século anuncia já novas perspectivas nos Estudos de Memória, que passam a integrar outros marcadores da memória colectiva, como as categorias «género», etnia e religião, o que permite pensar a memória colectiva em contextos específicos em vez de categorias totalizantes e generalistas.[8] A integração destas obras no discurso académico de orientação feminista vem pôr termo a uma visão universalista, no que diz respeito aos actos de recordação individual e colectiva e à mediação ou remediação desses actos. Uma edição especial do Michigan Quarterly Review em 1987 intitulada «Women and Memory» abriu espaço para a reflexão sobre a relevância do género na memória cultural. Destacamos aqui apenas a redefinição do campo dos Estudos sobre as Mulheres como a constituição de uma «contra-memória» subversiva e determinada a corrigir a memória hegemónica e o «esquecimento» oficial das histórias de mulheres.
Em 1997, o Congresso Internacional de Literatura Comparada, cujo tema era «Literature as Cultural Memory», acolheu uma secção com o título «Gendered Memories», organizada por John Neubauer e Helga Geyer-Ryan, que se propunha discutir eventuais diferenças de género na construção da memória, aliada a uma reflexão sobre o papel da literatura na construção da memória cultural. Do conjunto de propostas apresentadas, destaco aqui a afirmação de Odile Jansen, que pode ser lida como a síntese das questões que impulsionaram o debate: «As mulheres são de facto «as guardiãs da memória». Não pela sua estrutura genética ou alguma qualidade inata, mas como resultado de um treino transgeracional ao longo da vida no cuidado dos outros e uma condição contínua de desigualdade de poder» (Jansen 2000, 35). É, pois, nos actos de comunicação social e cultural, bem como nos processos de socialização, que se define o papel da mulher na cultura da memória, por oposição a qualquer determinismo biológico, defende Jansen, salvaguardando assim a compreensão construtivista tanto do género como da memória e a relevância do contexto histórico, social e cultural nessa construção.
Em 2002, uma edição da revista Signs: Journal of Women in Culture and Society, com o título «Gender and Cultural Memory», veio reiterar a pertinência da análise de dinâmicas de género na memória cultural e a coerência teórica e metodológica deste campo emergente.[9] Do conjunto de ensaios que aí se reúnem resulta a noção de que a memória cultural não é definível por categorias monolíticas e essencialistas, legitimando-se assim a necessidade e a produtividade da intersecção teórica entre as questões de género e as teorias da memória cultural, em áreas tão diversas como as dos estudos literários, visuais, fílmicos ou judiciários. A investigação interdisciplinar sobre Memória e Género permite concluir que, de uma perspectiva histórica, os actos de memória, modelados pela subjectividade e pela socialização, reflectem e consolidam as identidades de género, mesmo face à manifesta fluidez ou ao carácter mutante e nomádico das categorias de género e sexualidade (Weigel 1994; Stephan 2000; Öhlschläger 2005). Mais ainda, os discursos culturais e códigos através dos quais uma cultura representa o passado poderão ser definidos pelo género, etnia e classe (Hirsch e Smith 2002, 6). O trabalho de construção da identidade, que se realiza na intersecção destes marcadores, é um processo que se estende do passado ao presente até ao futuro, e que é realizado num determinado contexto social e cultural, sendo por isso influenciado ou colonizado por esse mesmo contexto. Assim, a memória cultural construída e transmitida através da Literatura, do Cinema ou das Artes Plásticas reproduz ou sanciona culturas de memória que só gradualmente têm vindo a ser interpeladas ou desconstruídas.
A partir do estudo de alguns textos oriundos da Literatura, Filosofia e Cinema, em diferentes períodos da História, Aleida Assmann faz uma síntese sobre a inter-relação entre o Género e a Memória, para concluir que os actos de recordação e esquecimento, e respectiva valoração, têm sido altamente condicionados pelas estruturas de cada época, sendo contudo possível concluir que a mulher é o «sujeito da recordação» enquanto o homem assume maioritariamente a posição de «objecto de recordação», ou seja, aquele cujos feitos são lembrados (Assmann 2006, 30 e ss). Não interessa, pois, perguntar apenas «quem recorda?», mas igualmente «quem é recordado?». Interessa questionar a partir de que perspectiva e em que contexto a narrativa é construída porque, como argumenta Assmann (2006, 41), a memória não se desenvolve em isolamento, sendo antes um arquivo poroso, permeável ao presente, às políticas culturais e de género e, acrescente-se, à inovação tecnológica.
É partindo justamente das transformações sociais e culturais introduzidas pelas novas tecnologias que Anna Reading (2016) propõe, em Gender and Memory in the Globital Age, uma nova perspectiva e epistemologia dos estudos de memória, que integre a digitalização e a globalização, as suas projecções nas questões de género e memória e a trajectória das memórias mediadas e dos artefactos mnemónicos. A intensa mobilidade, o uso extremo das tecnologias de informação e comunicação, e a omnipresença e omnipotência de arquivos digitais tornaram porosas as dicotomias há muito instaladas, amplificando a transmissão dos conteúdos mnemónicos e a diluição das fronteiras entre o individual e o colectivo, o privado e o público, o local e o global, o real e o virtual (Reading 2016, 42). A digitalização e a intensa comunicação através de dispositivos móveis, da internet e do acesso à banda larga de uma parte significativa da população mundial significa que as práticas ou gestos quotidianos, dramáticos ou violentos, são gravados e partilhados, transmitidos e retransmitidos em múltiplos canais ou media. Esta nova realidade tem o potencial de criar um novo paradigma em que os arquivos que antes estavam fechados e inacessíveis se abrem àqueles que estão digitalmente ligados; em que o testemunho público é também o domínio de todas e todos que tenham acesso a um telemóvel. Significa ainda que a investigação em torno do feminismo tem agora ao seu dispor novos instrumentos, novas tecnologias de memória e perspectivas para aceder, interpretar ou reinterpretar a mediação da experiência das mulheres — e essa recepção crítica ou criativa das memórias, vividas ou imaginadas, é também em si um trabalho de memória de orientação feminista, como o realiza Christa Wolf em Cassandra.
[1] Excerto da tradução portuguesa de Cassandra de Christa Wolf. No original alemão, de 1983, a obra intitula-se Kassandra: Voraussetzungen einer Erzählung (Cassandra: pressupostos de uma narrativa).
[2] E digo «ainda hoje», porque aparentemente o feminismo está a ser desconstruído («undone») ou desmantelado (McRobbie 2009, Gill e Scharff 2011) para ceder lugar ao pós-feminismo; também o activismo político colectivo está a ser substituído por discursos individualistas e neo-liberais (Giddens 1991, Beck 2002). Contudo, esta reflexão a partir de Cassandra resulta da convicção de que a «estética da resistência» (Wolf 1983, 236) é ainda hoje de total pertinência.
[3] Recupero aqui o conceito de memória cultural cunhado por Jan e Aleida Assmann: «The concept of cultural memory compromises that body of reusable texts, images, and rituals specific to each society in each epoch, whose «cultivation» serves to stabilize and covey that society’s self-image» (Assmann 1995, 130); ou ainda Astrid Erll, que sublinha a importância das narrativas (míticas) como modelos orientadores no presente e no futuro; «Cultural Memory is founded on myths, stories about the past, which offer orientation in the present and hope for the future» (Erll 2011, 34).
[4] É hoje inalcançálvel a recepção crítica e literária do mito de Cassandra desde a Oresteia, de Ésquilo, cuja leitura terá desencadeado a narrativa de Christa Wolf. Destaco apenas o estudo exaustivo de Isabel Capeloa Gil (2007) Mitografias. Figurações de Antígona, Cassandra e Medeia no Drama de Expressão Alemã do século XX.
[5] «I see through her» escreve Christa Wolf a 16 de Junho de 1981 no seu diário (Wolf, 1984, 265)
[6] No original francês, «écriture feminine» é um termo cunhado por Hélène Cixous, que se tornou uma noção-chave do feminismo francês nos anos 70, sendo igualmente aplicado por autoras tais como Luce Irigaray e Julia Kristeva.
[7] O Maio de 68 traduziu-se também num aumento muito significativo da produção literária no feminino ao longo da década seguinte. Por sua vez, o colapso dos impérios coloniais europeus gerou outros sistemas de representação e outros processos identitários e permitiu que outros «discursos das minorias» (Bhabha 1994) ou dos «subalternos» (Spivak 1994) (em questões de género, classe, religião, etnia) se fizessem ouvir, também no género feminino.
[8] Refiro como exemplo a antologia de textos teóricos publicada em 2007 por Michael Rossington e Anne Whitehead, Theories of Memory. A Reader, que inclui já um capítulo sobre identidades, no qual se incluem os formantes género, raça e religião. Contudo, o longo estudo sobre Estudos de Memória numa perspectiva social e cultural, publicado por Artrid Erll e Ansgar Nünning em 2008, entre os 41 autores apenas Aleida Assmann faz referência aos mecanismos estruturais de exclusão na constituição do arquivo, referindo como exemplo as categorias modeladoras classe, raça e género (2008, 106).
[9] Como referem as editoras, este número especial da revista assinala um ponto de viragem no diálogo interdisciplinar e internacional entre as teorias feministas e as teorias da memória social e cultural (Hirsch e Smith 2002).
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