O último idílio

 

O espaço agora é sombreado.
Importa reduzir-lhe a transparência.
Depois a afobação, que evidencia o pânico
que fica agarrado no rastro.
Então com uma pincelada lavo o pincel,
Quando o pincel repousa limpo,
Dou o espaço por renovado:
«Agora suporto mais transparência.» 
Ânimo movente & a todos os pulmões um basta.


Poço

 

ele diz: a dor é um poço.
eu digo: sim, a dor é um poço.
porque a dor perpassada por peixes
jaz num vale 
e tem mau cheiro.
ele diz: e a culpa é um poço.
eu digo: sim, culpa é também poço.
porque a culpa se espalha por uma depressão
e me encontra com o braço já erguido
para esticar a axila.
ele diz: a mentira é um poço.
eu digo: sim, a mentira igualmente poço.
porque no verão à noite
pode-se piqueniquear à margem da mentira
e lá sempre se esquece algo.


Da ausência do abraço

 

não queriam de novo morrer,
desencontrar-se era sua única chance.
dado que tinham a cidade, a terra, seu nome,
sob os quais se subsumiam e onde algo os unia.
um véu se ampliava ao alto, seus olhos
cegos cerrados sabiam, decerto seria véu.

tudo ouviram, queriam estourar. quase
morreram já daquilo pela quarta vez. ficou por elas
e por isso mesmo. assim entraram em extinção.
anos a fio foi preciso acampar por ali. o canteiro sem terra.
a banheira hedionda, a malha sem lã. a coisa
sem graça. dentro, o casaco. no lago, nada.
a arrebentação das ondas. sempre o compasso seco. 

como se nada houvesse senão contingência da morte,
condenados a conviver com a fatalidade.
love call us to the things of this world, o que contudo nos chama
afora? longínquo o sentido do horizonte,
sim, mantiveram-se à distância a qual, logo, virou condição. 

como um amor por traço fino, cheirosa linha
de nuca afilada, não mais, necas neres.
a própria condição teve seu tempo. e no decurso
somente a demora da distância, estendendo-se.
essa foi a razão, outra nunca houve. 

essa foi a razão, outra jamais haverá.
e então eles a perderam e a perderam novamente.
ela era doravante diversa. ficaram,
para outra vez se perder, com isso ali moravam. Nada mais lhes
valia aquilo, mas valia ao humano, ao aprimoramento humano.

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