Havia um homem chamado Þórarinn, que vivia em Sunnudalr, um homem velho e de visão fraca. Tinha sido um grande viking na sua juventude. Não era um homem dócil, apesar de ser velho. Tinha apenas um filho, chamado Þorsteinn, que era um homem grande e forte, muito sereno. Trabalhava de tal forma na quinta do seu pai que fazia tanto como três outros homens juntos. Þórarinn era um homem de relativamente pouca riqueza, mas tinha muitas armas. Pai e filho também tinham cavalos, e era da sua venda que obtinham a maior parte do seu rendimento, pois nenhum dos cavalos desapontava nem ao cavalgar, nem em temperamento.

Havia um homem chamado Þórðr. Era servo[2] de Bjarni de Hof. Cuidava dos cavalos de montar[3] de Bjarni, pois era conhecido como um entendido em cavalos. Þórðr era um homem muito injusto e conflituoso, e fazia ainda questão de que se soubesse que servia um homem poderoso. No entanto, ele próprio não era considerado de maior valor, nem se tornou mais estimado por isso. Outros homens faziam também parte da casa de Bjarni: um chamava-se Þórhallr, e o outro, Þorvaldr. Eram muito coscuvilheiros sobre tudo aquilo que ouviam no distrito.

Þorsteinn e Þórðr concordaram em realizar uma luta de jovens cavalos. Quando fizeram os cavalos lutar, sucedeu que o cavalo de Þórðr estava a ser mais gravememente mordido. Assim que lhe parece que o seu cavalo está a perder, Þórðr desfere então um grande golpe no focinho do cavalo de Þorsteinn. Mas Þorsteinn vê isto e retribui com um golpe ainda maior no cavalo de Þórðr. O cavalo de Þórðr fugiu e, então, as pessoas gritaram exaltadas. De seguida, Þórðr desferiu um golpe em Þorsteinn com a vara do cavalo, e atingiu-o na sobrancelha, que se rasgou e ficou pendurada sobre o olho. Então, Þorsteinn corta uma parte da sua camisa, liga o sobrolho e deixa-se estar como se nada tivesse acontecido, pedindo que as pessoas escondam o sucedido do seu pai. E o assunto ficou por aqui. Þorvaldr e Þórhallr acharam que isto era motivo de troça e chamaram stangarhǫgg[4] a Þorsteinn.

No Inverno, pouco antes do Yule, as mulheres levantaram-se para trabalhar em Sunnudalr. Ao mesmo tempo, Þorsteinn também se levantou e trouxe feno para dentro, deitando-se depois num banco. Então, o seu pai, o velho Þórarinn, entrou e perguntou quem é que estava ali deitado. Þorsteinn identificou-se.

— Porque estás tu de pé tão cedo, filho? — perguntou o velho Þórarinn.

Þorsteinn respondeu:

— Parece-me que há poucos que possa encarregar das tarefas que há aqui para fazer.

— Não estás com dores de cabeça, filho? — perguntou o velho Þórarinn.

— Não sinto nada disso — disse Þorsteinn.

— Que me dizes tu, filho, sobre a luta de cavalos que aconteceu no Verão passado? Não ficaste tonto com a pancada, como um cão?

— Não me parece haver nenhuma honra — disse Þorsteinn, — em chamar-lhe um golpe intencional em vez de um acidente.

Þórarinn disse:

— Nunca pensei que iria ter um filho maricas.[5]

— Diz apenas agora, pai, aquilo que não te pareça excessivo depois — disse Þorsteinn.

— Não direi agora tanto como me apetece — retorquiu Þórarinn.

Þorsteinn levantou-se, pegou na sua arma, saiu de casa e foi até aos estábulos onde Þórðr guardava os cavalos de Bjarni. Þórðr estava diante do estábulo. Então, Þorsteinn foi ter com Þórðr e disse-lhe:

— Eu quero saber, meu caro Þórðr, se o teu golpe na luta de cavalos do Verão passado foi um acidente, ou se o fizeste de propósito, e se tu queres compensar-me por isso.

Þórðr responde: — Se tens duas bocas, então move a língua nas duas e, numa, se quiseres chama-lhe acidente e, na outra, chama-lhe golpe intencional. E aí tens as compensações que querias de mim.

— Nesse caso, prepara-te — disse Þorsteinn — pois pode dar-se que eu não peça mais vezes.

De seguida, Þorsteinn corre para Þórðr e desfere-lhe um golpe mortal. Depois, foi para a casa de Bjarni em Hof e, do lado de fora, encontrou uma mulher, a quem disse:

— Diz a Bjarni que um boi deu uma marrada em Þórðr, o seu moço de estábulo, que ficará à espera de que Bjarni vá ao estábulo.

— Vai para casa, homem — retorquiu ela — que eu logo lhe conto quando achar bem.

Então, Þorsteinn foi para casa, e a mulher, para o seu trabalho. Bjarni levantou-se durante a manhã e, quando ele estava sentado à mesa, perguntou onde andava Þórðr, e os homens responderam que ele devia ter ido para os cavalos.

— Pensei que ele já estivesse de volta a casa — afirmou Bjarni — se estivesse bem de saúde.

Nesse momento, a mulher que Þorsteinn tinha encontrado tomou a palavra:

— É bem verdade aquilo que a nós, mulheres, frequentemente é dito: que não temos grande coisa que se aproveite, no que diz respeito a juízo. O Þorsteinn stangarhǫgg veio aqui esta manhã e disse que um boi tinha dado uma marrada ao Þórðr de tal forma que ele não conseguiria escapar-se sem ajuda. Mas eu não quis acordar-te na altura e depois desvaneceu-se-me da mente.

Então, Bjarni levantou-se da mesa, foi até ao estábulo e encontrou lá Þórðr morto, que depois foi enterrado. Bjarni convoca depois um processo legal contra Þorsteinn e pronuncia-o culpado de homicídio. Mas Þorsteinn permaneceu em casa, em Sunnudalr, a trabalhar para o pai, e Bjarni deixou o assunto em paz.

No Outono, em Hof, os homens estavam sentados junto ao fogo onde se cozinhava cabeças de ovelha,[6] mas Bjarni estava lá fora, por cima da parede da cozinha,[7] e ouvia daí o que diziam. Então, os irmãos Þórhallr e Þorvaldr tomam a palavra:

— Quando nos juntámos à casa de Víga-Bjarni,[8] nunca pensámos que iríamos aqui cozinhar cabeças de cordeiros, enquanto o Þorsteinn, fora-da-lei de Bjarni,[9] iria cozinhar cabeças de carneiros capados.[10] Se Bjarni tivesse cedido mais aos seus parentes em Bǫðvarsdalr,[11] não teria sido pior do que ter de aturar agora o fora-da-lei a comportar-se como seu igual em Sunnudalr. Mas os que são atingidos, quando feridos, perdem a coragem e desistem,[12] e não sabemos quão cedo quererá ele apagar esta mancha da sua honra.

Um homem respondeu:

— Tal coisa é pior dita do que silenciada, e é provável que um troll vos tenha puxado a língua para fora da cabeça.[13] Nós achamos que ele não tem vontade de tirar o sustento ao pai cego de Þorsteinn e às outras pessoas que dependem dele em Sunnudalr. E vai-me parecer estranho se vocês ficarem por aqui muito tempo a cozinhar as cabeças de carneiro ou a vangloriarem-se do que aconteceu em Bǫðvarsdalr.

De seguida, os homens foram para a mesa e depois foram dormir, e Bjarni não deu nenhum sinal de ter ouvido o que tinha sido dito. De manhã, Bjarni acordou Þórhallr e Þorvaldr e pediu-lhes para irem de cavalo até Sunnudalr e lhe trazerem, pelo meio da manhã, a cabeça de Þorsteinn separada do corpo.

— E vocês dois parecem-me os mais prováveis de remover esta mancha da minha honra, se eu próprio não tiver coragem — disse ele.

Então, pensaram que deviam certamente ter falado demais, mas, ainda assim, seguiram caminho até chegarem a Sunnudalr. Þorsteinn estava à entrada a afiar uma espada curta.[14] Quando eles lá chegaram, Þorsteinn perguntou-lhes ao que vinham, mas eles declararam que tinham de procurar uns cavalos. Þorsteinn disse que não teriam de procurar muito por eles:

— Aqui onde estão, junto ao recinto.

— Não é certo que encontremos os cavalos, se não nos mostrares melhor onde.

Þorsteinn sai então de casa. Quando eles chegam ao recinto, Þorvaldr levanta o machado e arremete contra Þorsteinn, mas este empurra Þorvaldr de tal forma que ele cai para a frente. Þorsteinn brande a espada contra ele. Þórhallr quis investir também contra Þorsteinn e teve uma sorte semelhante à de Þorvaldr. De seguida, Þorsteinn ata ambos às costas dos cavalos, deixa as rédeas sobre os seus pescoços e indica-lhes o caminho. Os cavalos dirigiram-se para casa, em Hof. Lá, os servos estavam no exterior e entraram para dizer a Bjarni que Þorvaldr e Þórhallr tinham regressado e que a viagem não fora em vão. Bjarni saiu de casa e viu de que forma as coisas tinham acabado. Sem dizer mais nada sobre o assunto, mandou enterrá-los. Tudo permanece então calmo, até o Yule passar.

Certa noite, Rannveig tomou a palavra quando ela e Bjarni se deitaram na cama:

— O que julgas tu que é agora mais frequentemente falado no distrito? — perguntou ela.

— Não sei — disse Bjarni. — Pouco me parece digno de nota nas conversas dos outros.

— Aquilo de que mais se fala é que as pessoas não sabem o que Þorsteinn stangarhǫgg teria de fazer para que tu pensasses em vingar-te. Até agora, ele já matou três dos teus servos. Se isto não for vingado, os teus homens da assembleia vão pensar que não podem contar com o teu apoio. Só ficas de mãos pousadas nos joelhos quando não deves.[15]

Bjarni responde:

— Agora aplica-se bem o ditado: ninguém aprende com o castigo de outrem. Apesar disso, eu vou dar ouvidos àquilo que dizes, embora Þorsteinn tenha matado poucos inocentes.

Acabam a conversa e dormem a noite toda. De manhã, Rannveig acordou quando Bjarni tirou o seu escudo de onde estava pendurado, e perguntou-lhe aonde ele tencionava ir. Ele responde:

— Agora eu e o Þorsteinn de Sunnudalr vamos tratar desta questão de reputação — disse ele.

— Quão numeroso é o grupo que vai contigo? — disse ela.

— Não vou arrastar uma multidão contra o Þorsteinn, mas sim viajar sozinho — retorquiu ele.

— Não faças isso — disse ela — não te arrisques sozinho contra a arma daquele brutamontes.

Bjarni disse:

— Será que vais agora seguir o exemplo das mulheres que tão depressa incitam uma coisa, como choram sobre ela? Mas eu sofro com frequência provocações tanto de ti como de outros, por isso não serve de nada tentar dissuadir-me agora que quero partir.

Bjarni viaja então para Sunnudalr. Þorsteinn está à entrada, e os dois trocam algumas palavras. Bjarni disse:

— Terás de me enfrentar em duelo hoje, Þorsteinn, neste pequeno monte que fica aqui no terreno.

— Falta-me tudo aquilo de que preciso para lutar contigo — declarou Þorsteinn — mas sairei da Islândia assim que algum navio partir. É que eu conheço a tua nobreza de carácter e sei que, se eu me for embora, assegurarás trabalhadores para a quinta do meu pai.

— De nada te serve agora desculpares-te — disse Bjarni.

— Deixa-me então primeiro ir ter com o meu pai — disse Þorsteinn.

— Com certeza — disse Bjarni.

Þorsteinn entrou em casa e disse ao pai que Bjarni viera desafiá-lo para um duelo. O velho Þórarinn respondeu:

— Se uma pessoa altercar com um homem mais poderoso, caso resida no mesmo distrito que ele e lhe tiver feito ainda alguma desonra, pode esperar não vir a gastar muitas mais camisas. Por isso, eu sei que não te devo lamentar de todo, pois pareces-me ter feito bastante para que isto acontecesse. Leva agora as tuas armas e defende-te com a maior bravura, porque, se isto tivesse sido no meu tempo, eu não me teria curvado perante um homem como Bjarni. E no entanto, Bjarni é um homem de grande valor. Ainda assim, parece-me melhor perder-te do que ter um filho maricas.

Então, Þorsteinn sai e vai com Bjarni para o monte, onde eles se começam a bater valorosamente. Danificaram bastante os escudos um do outro. E quando já tinham combatido longamente, Bjarni disse a Þorsteinn:

— Agora tenho sede, porque não estou tão habituado à labuta como tu.

— Então vai ao ribeiro beber — disse Þorsteinn.

Bjarni assim fez e pousou a espada junto a si. Þorsteinn pegou-lhe, examinou-a e disse:

— Não poderias ter esta espada contigo em Bǫðvarsdalr.

Bjarni nada respondeu. Sobem ao monte e combatem durante um bocado, e o homem parece a Bjarni ser um bom guerreiro, mais forte do que pensara.

— Muito me acontece hoje — disse Bjarni. — Agora o meu atacador está solto.

— Então aperta-o — retorquiu Þorsteinn.

Nesse momento, Bjarni inclina-se e Þorsteinn vai para dentro de casa. Traz de lá dois escudos e uma espada, volta para junto de Bjarni, no monte, e diz-lhe:

— Aqui estão um escudo e uma espada que o meu pai te mandou, e ela não vai ficar tão romba com os golpes como a que tinhas antes. Também não me apetece continuar a sofrer os teus golpes sem protecção. E de bom grado pararia agora com este jogo, porque tenho medo de que a tua boa sorte te possa servir muito mais do que o meu azar a mim. Qualquer um está disposto a sobreviver a todas as dificuldades, se puder fazer algo em relação a isso.

— Não te vais safar desta a implorar — disse Bjarni — vamos continuar a lutar.

— Não vou atacar com entusiasmo — disse Þorsteinn.

Então Bjarni retalha o escudo de Þorsteinn, e este faz o mesmo ao escudo de Bjarni.

— Esse golpe foi poderoso — declarou Bjarni.

— Não golpeaste com menor força — respondeu Þorsteinn.

— A mesma arma que tinhas morde agora melhor do que antes — disse Bjarni.

— Poupar-me-ia um azar, se o pudesse fazer. Luto contigo a medo. Gostaria de deixar todo o assunto ao teu julgamento[16] — disse Þorsteinn

Nessa altura era a vez de Bjarni atacar, e estavam ambos sem protecções. Então, Bjarni disse:

— Seria um mau negócio escolher um crime em vez de uma grande sorte. Eu julgar-me-ei plenamente compensado pelos meus três servos, se tu passares a ser-me leal.

Þorsteinn disse:

— Surgiram-me hoje oportunidades em que eu te poderia ter traído facilmente, se o meu azar tivesse sido mais poderoso do que a tua sorte. Não te trairei.

— Vejo que és um homem extraordinário — disse Bjarni. — Permite-me que entre, me encontre com o teu pai e lhe diga aquilo que entender.       

— No que me diz respeito, faz como queiras — retorquiu Þorsteinn — mas vai com cuidado.

De seguida, Bjarni aproximou-se da divisória da cama[17] onde o velho Þórarinn estava deitado. Quando Þórarinn perguntou quem lá vinha, Bjarni identificou-se.

— Que notícias me trazes, meu caro Bjarni? — perguntou Þórarinn.

— Matei o teu filho Þorsteinn — declarou Bjarni.

— Que tal se defendeu ele? — perguntou Þórarinn.

— Julgo que nenhum homem foi alguma vez mais encarniçado em combate do que o teu filho Þorsteinn.

— Então não é estranho que tenham tido dificuldades contra ti em Bǫðvarsdalr, dado que agora bateste o meu filho — declarou o velho.

Então Bjarni disse:

— Quero convidar-te a vir para Hof. Sentar-te-ás lá no assento de honra oposto ao meu,[18] enquanto viveres, e eu serei para ti como um filho.

— Estou na mesma posição daqueles que nada têm sob seu nome — respondeu o velho. — Só um tolo fica alegre com promessas. Além disso, assim são as promessas de chefes como tu, quando querem acalmar um homem após um acontecimento destes: não duram mais do que um mês. Passado esse tempo, somos considerados iguais a quaisquer outros pobretanas, o que faz com que demoremos a esquecer as nossas mágoas. No entanto, uma pessoa que aperte a mão de um homem como tu pode bem contentar-se com a sua parte do acordo, seja ela qual for. Portanto vou aceitar este teu acordo. Vem agora aqui para junto de mim na cama. Tens de te chegar perto, porque este velho já treme das pernas devido à velhice e à invalidez, e não é verdade que a morte do meu filho não me tenha afectado.

Então, Bjarni aproximou-se da divisão da cama e pegou na mão do velho Þórarinn. Apercebeu-se então que este tacteava por uma espada curta e queria assim apunhalá-lo. Bjarni recolheu repentinamente a sua mão e disse:

— Seu velhadas miserável! Agora resolverei as coisas entre nós como é devido. Þorsteinn, o teu filho, vive, e ele virá para casa comigo, em Hof. Mas tu receberás escravos para o trabalho da quinta e nada te faltará enquanto viveres.

Þorsteinn viajou com Bjarni para a casa dele, em Hof, e seguiu-o sempre até ao dia da sua morte. Nenhum homem se julgava próximo de ser seu igual em nobreza de carácter e valor. Bjarni preservou bem a sua honra e, por conseguinte, foi-se tornando uma pessoa cada vez mais popular e tranquila com a idade. Foi o mais laborioso de todos os homens e tornou-se um grande crente[19] na última parte da sua vida. Viajou para o estrangeiro e foi para sul, acabando por morrer nessa viagem. Jaz naquela grande cidade chamada Vateri, que fica perto de Roma. Bjarni foi abençoado com uma descendência notável. O filho dele foi Skegg-Broddi,[20] que aparece em muitas sagas e foi o mais extraordinário homem do seu tempo. A filha de Bjarni chamava-se Halla, mãe de Guðríðr, que o homem de leis[21] Kolbeinn desposou. Yngvildr foi outra filha de Bjarni, que Þorsteinn Síðu-Hallsson desposou, e o filho deles foi Magnús, pai de Einarr, pai do bispo Magnús. Ámundi era também filho de Þorsteinn e Yngvildr. Desposou Sigríðr, filha de Þorgrímr blindi.[22] Hallfríðr era outra filha de Ámundi, mãe de Ámundi, pai de Guðmundr, pai de Magnús goði[23] e Þóra, que Þorvaldr Gizurarson desposou, e de outra Þóra, mãe de Ormr de Svínafell. Guðrún era outra filha de Ámundi, mãe de Þórdís, mãe de Helga, mãe de Guðný Bǫðvarsdóttir, mãe dos filhos de Sturla: Þórðr, Sighvatr e Snorri. Rannveig foi outra filha de Ámundi, mãe de Steinn, pai de Guðrún, mãe de Arnfríðr, que Digr-Helgi[24] desposou. Þorkatla era outra filha de Ámundi, mãe de Arnbjǫrg, mãe de Finnr, o padre, de Þorgeirr e de Þuríðr. E muitos chefes descenderam deles. Acaba aqui o que há para contar de Þorsteinn stangarhǫgg.


[1] Título original: Þorsteins þáttr stangarhǫggs, como constante da edição em islandês medieval utilizada (in Austfirðinga sögur, ed. Jón Jóhannesson, Íslenzk fornrit X, Reykjavík: Hið íslenzka fornritafélag, 1950, 68-79). A composição deste texto foi datada do século XIII, embora só nos chegue em manuscritos posteriores. O texto da edição utiliza principalmente o manuscrito AM 156 fol., do séc. XVII, com leituras iluminadas pelos manuscritos AM 496 4to. e AM 162 C fol. — este último é fragmentário, contendo apenas o final da história, mas é o mais antigo manuscrito onde o episódio sobrevive, do séc. XIV. Como apoio à tradução, recorri ocasionalmente à consulta de traduções inglesas existentes, para iluminar passagens de interpretação críptica, nomeadamente a de William Ian Miller (in Bloodtaking and Peacemaking — Feud, Law, and Society in Saga Iceland, Chicago and London: Chicago University Press, 1990, 52-58) e de Anthony Maxwell (in The Sagas of the Icelanders, ed. Örnólfur Thorsson, New York: Penguin Books, 2001, 677-684).

Na tradução, optei por manter a grafia islandesa medieval dos nomes das personagens e dos topónimos, com a sua inflexão no caso nominativo, de modo a que o leitor entre em contacto com os nomes da língua original — diferentemente da prática mais comum no mundo anglo-saxónico onde, por exemplo, se elidem frequentemente acentos e marcas do nominativo (Þorsteinn>Þorstein). Os epítetos das personagens foram também mantidos em islandês, acompanhando os seus nomes, com tradução em rodapé (exceptuando no título, para que o sentido literal da alcunha seja apreendido no imediato). As letras do alfabeto islandês Þ/þ («thorn») e Ð/ð («eth») foram mantidas no texto. Devem ser lidas, geralmente, como os sons representados por «th» respectivamente, nas palavras inglesas «three» (Þ/þ) e «that» (Ð/ð), fricativas dentais surda e sonora. Em islandês moderno, a letra Æ/æ lê-se como o som «ai» em português; e a letra medieval Ǫ/ǫ, grafada na língua moderna por Ö/ö, assemelha-se ao som representado por «œu» na palavra francesa «œuf».

Tentei que esta tradução, no espírito da maioria dos esforços mais recentes de tradução de sagas para línguas latinas, transmitisse uma boa imagem do estilo original. Assim, no que diz respeito à construção frásica, optei por conservar o mais possível a simplicidade do texto, tentando não alterar a sintaxe em demasia quando a compreensão da leitura não ficasse seriamente comprometida por isso; nem evitar por demais as repetições vocabulares existentes ou a rudeza do diálogo entre personagens. A saga islandesa possui um estilo directo e acessível, e o seu carácter idiossincrático seria diluído, a meu ver, numa tradução que embelezasse demasiado o texto, como já foi costume nas traduções anglo-saxónicas do séc. XIX. Pelo mesmo motivo, manteve-se o uso muito frequente do presente narrativo: o texto alterna, sem restrições, entre o uso do pretérito e do presente, não por falta de cuidado do seu autor, mas como ferramenta narrativa que transmite imediatismo à acção. Trata-se de um indício, possivelmente, da utilização performativa destes textos, escritos para serem lidos em voz alta perante uma audiência. Embora tenha elidido esta alternância dentro dos mesmos períodos, achei que enriqueceria o estilo do texto incluí-la na tradução.

[2] O termo islandês húskarl, literalmente «homem de casa», implica alguém que estava ao serviço de outrem voluntariamente, por oposto à servidão forçada ou a um escravo, denotado pelo termo þræll. O mesmo se aplica às personagens introduzidas de seguida no parágrafo, Þórhallr e Þorvaldr.

[3] No original reiðhestar, por oposto a cavalos de tracção ou trabalho, verkhestar.

[4] Em português, «fustigado».

[5] No original ragr, uma palavra que para além de denotar cobardia, implica também que alguém é efeminado. A implicação de feminilidade ou homossexualidade relativamente a um homem trata-se de um dos mais graves insultos na Islândia medieval. Insultar alguém com esta palavra está definido como punível por morte no Grágás («Ganso Cinzento»), código legal islandês do século XIII.

[6] No original svíðueldr, o fogo onde, especificamente, chamuscavam o pêlo da cabeça de ovelhas para as cozinhar.

[7] Expressão algo críptica no original. No entanto, nas casas de turfa islandesas, por vezes, a cozinha ficava num edifício ou divisão separada da zona habitacional, ligada por um corredor fechado. Adicionalmente, as paredes eram frequentemente muito grossas, e seria hipoteticamente possível que alguém se posicionasse sobre ela.

[8] Lit. «Bjarni-da-matança», alcunha que ganhou após matar os assassinos do seu pai. Este episódio é contado na Vápnfirðinga saga, que o autor parece presumir ser conhecida dos leitores.

[9] Þorsteinn é fora-da-lei de Bjarni por ter sido este a declará-lo culpado, tendo o crime ocorrido no seu distrito.

[10] A ideia subjacente é de que os carneiros capados seriam mais valiosos que os simples cordeiros e de que Þorsteinn, um fora-da-lei, se encontra assim numa posição privilegiada em relação aos membros da casa de Bjarni.

[11] Episódio narrado na Vápnfirðinga saga («Saga da Gente de Vápnafjǫrðr»), em que Bjarni vinga a morte do seu pai Brodd-Helgi às mãos do seu cunhado Geitir (tio materno de Bjarni), após uma prolongada contenda de múltiplos episódios. O autor do þáttr parece supor que os seus leitores conhecem a Vápnfirðinga saga.

[12] Expressão idiomática algo críptica no original: lagðir verða forlagðir.

[13] Expressão idiomática, baseada na crença de que trolls (palavra para o «sobrenatural», de significado amplo na era medieval, usada para qualquer tipo de ser monstruoso ou espírito maléfico) poderiam possuir pessoas e fazê-las dizer coisas que não diriam de outra forma.

[14] No original sax, arma de dimensão variável, entre uma faca e uma espada curta, por vezes apenas com um gume, de uso generalizado entre os povos germânicos.

[15] Expressão idiomática para alguém que faz a coisa errada e deixa a certa por fazer.

[16] Na Islândia medieval, uma das opções para a resolução pacífica de um conflito envolvia uma das partes ceder à outra o estabelecimento dos termos — sjálfdæmi, ou auto-julgamento, por oposto ao caso ser arbitrado por um terceiro ou resolvido em tribunal. Geralmente isto acontecia quando uma das partes era mais poderosa que a outra e podia impor-se, ou quando havia razão para esperar moderação e razoabilidade nas decisões. Sobre a resolução de conflitos neste período, ver Jesse Byock, Viking Age Iceland (Penguin: London, 2001), 183.

[17] No original lokhvíla, «cama-trancada». Na Islândia medieval, as camas podiam ser resguardadas por uma estrutura semelhante a um armário, que podia ser trancada para protecção adicional de ataques insuspeitos.

[18] Os dois lugares de honra (no original ǫnðvegi) nos salões de madeira medievais, posicionados ao centro, um em frente ao outro, enquanto os restantes lugares estavam disposto em longos bancos ao longo da mesa.

[19] Isto é, cristão.

[20] Em português, «Broddi, o barbudo».

[21] No original lǫgsǫgumaðr, lit. «homem-que-diz-as-leis», cargo de três anos, por eleição, desempenhado no Alþing ou Assembleia Nacional. O homem-de-leis era principalmente responsável por memorizar e declamar no Alþing a lei islandesa na sua integridade, dividida em três partes, ao longo dos três anos em que cumpria funções.

[22] Em português, «o cego».

[23] Em português, «o chefe».

[24] Em português, «Helgi, o largo».

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