Em 2019, descobriu-se que cerca de cinquenta pais subornaram administradores e treinadores para que os seus filhos fossem aceites em faculdades em todo o país. Esse escândalo das admissões universitárias — «Operação Varsity Blues», tal como ficou conhecido — estendeu-se por vários ciclos de notícias. O verdadeiro escândalo não foi, de facto, que um grupo de pessoas tenha infringido a lei, como vários especialistas fizeram questão de enfatizar. Os seus crimes foram apenas a ponta do iceberg; o verdadeiro escândalo era tão enigmático, tão intrincado, tão profundamente obscuro, que mesmo depois de semanas na imprensa, os comentadores ainda se sentiam compelidos a escavar um pouco mais.
Então, qual foi o verdadeiro escândalo? Foi o problema das doações legais e o facto de serem isentas de impostos. As aulas preparatórias para os SAT.[1] O facto de as universidades perpetuarem uma elite governante. O facto de as universidades não conseguirem perpetuar uma elite governante. A inflação das notas. Os desportos universitários. Os pais ricos que mimam os filhos. Os pais de celebridades que usam as universidades para «lavar» o seu estatuto económico com um estatuto social. A corporativização da universidade. A credencialização assustadora da sociedade dos E.U.A. O racismo que as nossas universidades não conseguem combater. A desigualdade económica que as nossas universidades não conseguem combater. O facto de as universidades não serem meritocráticas. O facto de as universidades serem meritocráticas. Havia mais, mas acho que já se percebeu a ideia: ninguém ficaria satisfeito até que a análise do escândalo mostrasse que as universidades eram responsáveis por todos os males da sociedade contemporânea.
Esta coisa toda incomodou-me muito, e tive o desejo forte de repará-la da única maneira que eu sabia: com palavras. Então escrevi. Escrevi planos optimistas de melhoria. Escrevi discursos apaixonados e apologéticos onde descarregava a minha raiva e buscava vingança; oscilei entre a indignação e o optimismo.
Chorei. Perdi o sono. Na verdade, estava demasiado incomodada para escrever qualquer coisa que valesse a pena ler. A actuação da imprensa sobre o escândalo das admissões na faculdade destroçou o meu coração, porque eu amo a universidade americana. Devo-lhe a minha vida. Não a minha existência — que devo aos meus pais — mas a minha vida, a maneira como a vivo, as coisas que ela contém, as coisas com as quais me importo. Fiquei com o coração destroçado pelo ataque à universidade e com o coração destroçado pela minha própria incapacidade de defender aquilo em que eu acreditava.
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Vou deixar-me de rodeios; permitam-me dizer agora o que não tive a presença de espírito para dizer então. Vou começar com aquilo para que as universidades não servem. Primeiro, não servem para perpetuar a classe dominante ou a elite. Em segundo lugar, não servem para alcançar a justiça social. Sem dúvida, perpetuam a classe dominante; muitas instituições fazem isso. E provavelmente poderiam fazer mais para trazer justiça social. Mas essas coisas não são aquilo para que servem as universidades.
Terceiro, as universidades não servem para ganhar dinheiro — embora exijam uma administração financeira cuidadosa. Quarto, não servem para produzir cidadãos melhores. Quinto, não servem para produzir seres humanos mais felizes. Se eu tivesse de medir o valor das minhas aulas em função da virtude cívica ou da satisfação com a vida dos meus alunos, não me poderia dar ao luxo de perder contacto com a maioria deles após a sua formação. Às vezes fico triste quando perco o contacto com eles, mas isso nunca me faz questionar se a sua educação valeu a pena.
Estes cinco pontos cobrem basicamente todas as críticas feitas contra a universidade, o que significa que todos os críticos que disseram que esta não estava a fazer o seu trabalho desde logo não conseguiram identificar qual era o seu trabalho. Mas esse é o primeiro passo do processo de crítica. Não se pode estar a falhar naquilo que não se está a empreender.
Admito que a universidade é fácil de ser mal interpretada, porque as suas partes mais íntimas estão escondidas. O que fica visível é quem entra e quem é excluído; os destinos dos seus graduados; confrontos entre townies e gownies[2]; taxas de conclusão de cinco anos; catástrofes de relações públicas; formulários IRS 990. Se se fizer uma visita ao campus, vê-se os edifícios, mas não o que acontece dentro deles.
Se se tentar entender os museus sentando-se do lado de fora e estudando a demografia de quem entra e sai, poder-se-ia concluir que estes existiam para perpetuar a elite e que deviam fazer mais para alcançar maior justiça social. Porventura os museus fazem, de facto, muito da primeira coisa e deveriam fazer mais da segunda. No entanto, faltaria a esta investigação algo muito importante relativamente àquilo para que servem os museus, algo que requer entrar no museu e olhar para a arte.
Isto realmente não safa os comentadores, porque eles tendem a ter formação universitária. O verdadeiro escândalo, se me for permitido, é o facto de tantas pessoas que frequentaram uma universidade aparentemente não terem ideia de para que é que ela serve. Então permitam-me revelar a minha opinião e dizer para que serve uma universidade: uma universidade é um lugar onde as pessoas se ajudam umas às outras a aceder aos mais altos bens intelectuais. A universidade é um lugar de heterodidactismo.
Um autodidacta é alguém que aprende melhor por conta própria, ensinando coisas a si mesmo. «Heterodidacta» é uma palavra que inventei para descrever o resto de nós, para quem aprender e conhecer é uma actividade social.
Enquanto o escândalo das admissões universitárias acontecia, eu estava a dar um seminário sobre o sistema científico de Aristóteles. Que loucura ensinar ou estudar tal coisa, poder-se-ia pensar. Não foi tudo isso superado pela ciência moderna? Não. Mas mesmo que tivesse sido, é realmente fascinante testemunhar o nascimento do pensamento científico. Aristóteles foi o primeiro a conceber que o mundo empírico, sensível e mutável ao nosso redor poderia ser racionalmente sistematizado, e fez isso em oposição a uma tradição – começando com Parménides e culminando em Platão – que insistia que tal projecto seria em princípio incoerente. Aristóteles provou que a ciência era possível. As suas obras — a Física, as Partes dos Animais, Sobre a Alma, Sobre a Geração e a Corrupção, etc. — em conjunto, constituem o projecto intelectual mais ambicioso que um ser humano já empreendeu. E ele teve sucesso num grau surpreendente — os seus movimentos mais radicais contra os seus interlocutores contemporâneos são os que internalizámos com mais tenacidade.
Vou fazer uma confissão sobre esse seminário: não conhecia muito bem a matéria que estava a ensinar. A filosofia natural de Aristóteles não é a minha especialização, e intencionalmente escolhi leituras com as quais me sentia menos confortável. Minutos antes de entrar na sala de aula todas as terças ou quintas-feiras à tarde, estava embrenhada em comentários e confusão. Havia tanta coisa que não entendia sobre os argumentos de Aristóteles contra o atomismo! Mas o tempo acabou, e tinha de entrar e dizer alguma coisa. Quem estava nessa aula, provavelmente pensou que o que eu disse soava muito bem, que era bastante coerente. Na verdade, assim foi. Mas não foi tudo por minha causa. Olhava para os rostos dos alunos e notava como eles prestavam atenção quando o que eu dizia estava a fazer sentido, e notava quando eles não me seguiam. O interesse deles encorajou-me. Escutei as perguntas e reformulei o argumento no momento; às vezes uma objecção era tão devastadora que eu tinha de reorganizar toda uma palestra na hora. Às vezes, quando simplesmente não sabia a resposta, fazia a pergunta na sala de aula.
Ensinar envolve uma prestidigitação em que a parte do aluno é apagada, e o professor acaba por ficar com o crédito todo. Na verdade, este é um ponto do Livro 3 da Física de Aristóteles: diz que o professor não está a ensinar se o aluno não está a aprender, porque ensinar e aprender são uma actividade só.
Agora, não se pense que este foi um tipo de curso medíocre e descuidado. Esta foi uma das melhores aulas que já dei. Os bons cursos têm toda a confusão da cooperação humana embutida neles. Isto é o que eu gostaria de ter comunicado àqueles envolvidos na balbúrdia do escândalo das admissões; eu queria derrubar as paredes da minha sala de aula, colocar um holofote sobre ela e dizer a todos para parar de falar, olhar e ouvir: «Está a acontecer aqui mesmo – é para isto que servem as universidades: ler Aristóteles em conjunto.» Todos os argumentos sobre elitismo, corporativização e doações eram tão irrelevantes quanto a hera que crescia nas paredes.
Eu poderia dar mais cem exemplos, mas vou restringir-me a um. No trimestre anterior, dei um seminário sobre coragem e lemos a Ilíada de Homero. Acho que a Ilíada é uma das maiores coisas já feitas por seres humanos, mas não a lia há pelo menos sete anos. Por que não? O que me estava a impedir de pegar nela? Aliás, por que não a estou a ler agora? A resposta é que é difícil ler a Ilíada. Já tentaram fazê-lo alguma vez? É preciso tanta energia. Todos os epítetos. Tantos tendões a ser desfiados por pontas de lança. Não sou um tipo especial de ser humano que fica sentado a ler a Ilíada por diversão. Não sou assim tão diferente dos alunos a quem ensino. Eles recebem a sua energia de mim, eu recebo a minha energia deles. É assim que funciona uma universidade.
E é absolutamente incrível que os seres humanos possam fazer isto, que possamos formar comunidades intelectuais. Duvidaríamos que isto fosse possível se não o víssemos a acontecer, seres humanos a colaborar com base num interesse intelectual partilhado sem nada que os ligue para além disso. Estas comunidades estão longe de ser perfeitas, facto que herdam das criaturas que as compõem. Mas são maravilhosas.
Mais maravilhosa é a maneira como o interesse é partilhado — como o todo da energia e do entusiasmo se tornam mais do que a soma das suas partes, tornando-se fortes o suficiente para derrotar um inimigo tão formidável quanto as complexidades entediantes e confusas do argumento de Aristóteles contra o atomismo em Sobre a Geração e a Corrupção.
Uma universidade é um mundo dentro do mundo, um paraíso, uma bolha, e os que reagiram ao escândalo das admissões universitárias tentaram rebentar essa bolha. O meu impulso inicial foi ver isso como um acto de agressão e hostilidade: estão a tentar culpar-nos por tudo! Mas, em retrospectiva, comecei a imaginar a possibilidade de uma interpretação diferente. Talvez o sentimento que impulsionava o escândalo fosse marcado tanto pela inveja quanto pela indignação. Afinal de contas, uma razão pela qual se pode tentar rebentar uma bolha é porque se quer entrar nela.
Como já mencionei, os jornalistas e comentadores que lideraram o ataque não tinham falta de experiência no mundo académico. Todos tinham frequentado faculdades, a maioria deles boas faculdades. Um deles — o colunista do New York Times, Bret Stephens — andou na faculdade comigo. Estávamos juntos nas aulas. Lembro-me de uma aula em particular, com Leon Kass, sobre a Ética a Nicómaco de Aristóteles. Foi uma das melhores experiências intelectuais da minha vida. No princípio, pensei, com indignação, que pessoas como Bret Stephens deveriam perceber melhor. Mas então dei-me conta: pessoas como Bret Stephens percebem melhor. Talvez esse seja verdadeiramente o problema. Talvez percebam o que estão a perder. Sob o pretexto de canalizar os sentimentos de exclusão dos outros, podem estar a exteriorizar os seus próprios sentimentos.
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No seu ensaio brilhante «Persecution and the Art of Writing», Leo Strauss atribui a seguinte perspectiva aos autores da Antiguidade, especialmente a Platão:
Eles acreditavam que o abismo que separava «os sábios» e «os vulgares» era um facto básico da natureza humana que não podia ser influenciado por nenhum progresso da educação popular: a filosofia, ou a ciência, era essencialmente um privilégio de «poucos». Estavam convencidos de que a filosofia como tal era suspeitada e odiada pela maioria dos homens.
Strauss observa que um autor que mantém tal visão pode-se dirigir ao seu leitor pretendido — a pessoa que é congenitamente sábia e filosófica — por meio de uma prática a que chama «escrever nas entrelinhas». Essa prática envolve dizer coisas cujo conteúdo explícito pode não ser verdade:
Ele frustraria o seu propósito se indicasse claramente quais das suas declarações expressavam uma mentira nobre e quais expressavam a verdade ainda mais nobre. Para os leitores filosóficos, ele quase faria mais do que suficiente ao chamar a atenção para o facto de que não se opunha a contar mentiras que fossem nobres, ou contos que fossem meramente semelhantes à verdade.
A frase «mentira nobre» é retirada da República de Platão, na qual Sócrates constrói uma cidade ideal, expõe os detalhes de um programa educacional para os seus governantes — que mais tarde serão conhecidos como «reis-filósofos» — e propõe que se conte uma mentira aos seus cidadãos. A mentira é que a educação que os governantes receberam foi um sonho, e que esses governantes estão equipados para governar porque têm ouro misturado nas suas almas. (Os outros cidadãos menores têm prata ou bronze misturados nas suas almas.)
Observem-se duas coisas sobre a nobre mentira de Platão: primeiro, o leitor é explicitamente informado de que não é a verdade. Platão não esconde essa informação «nas entrelinhas». Em segundo lugar, a sua função política é naturalizar a cultura, ou seja, fazer parecer que as diferenças causadas pela educação se inscrevem nas pessoas desde o início na forma de capacidades inatas cuja existência está subjacente às diferenças externas de classe social.
Acredito que a expressão «nobre mentira» de Platão é uma tentativa de descrever algo a que hoje podemos chamar «a ideologia da elite» — a história que as pessoas da elite contam a si mesmas e umas às outras para justificar sua posição social elevada. No caso de Platão, os privilégios que se justificam dessa maneira não são a riqueza (os governantes da sua cidade são mantidos pobres e até impedidos de possuir propriedades) nem a governação (que Platão vê como um fardo e uma tarefa), mas a dádiva de educação em si e a da vida filosófica que, aprenderemos mais tarde, ocupará a maior parte da vida dos governantes. Quando Strauss atribui a Platão a visão de que há um «facto básico da natureza humana» que exclui muitos e dá direito a poucos ao tipo de vida mais elevado, esse parece ser o conteúdo do relato que Platão apresentou na República como uma mentira.
Se Platão não subscreveu a ideia de que apenas uns poucos seleccionados têm talento para a filosofia, será que se segue que ele achava que todos o tinham? Longe disso. Por um lado, Platão organiza concursos e competições elaborados para ver se os destinatários do seu programa educacional aprenderam realmente o que lhes foi ensinado. Isso sugere um reconhecimento de factores não educacionais no resultado. O que Platão nega (ou melhor, o que afirma enganosamente através do mito) é que esses factores desempenham o papel de talentos ou potencial humano inato.
Strauss está certo em querer distanciar Platão da presunção de que cada um tem, dentro de nós, uma fonte igualmente poderosa de potencial intelectual, apenas à espera de ser libertada ou desacorrentada. A ideia central do Iluminismo liberal é que os seres humanos são, por natureza, iguais. Platão teria descartado isso como um mito. E, no entanto, Strauss erra ao atribuir a Platão a ideia de que os seres humanos são, por natureza, desiguais. Platão também achava que isso era um mito.
Como é que alguém pode acreditar que tanto a igualdade natural quanto a desigualdade natural são mitos? Ao atribuir a maior parte do trabalho explicativo ao acaso.
Considere-se: se a única aula de cuneiforme for às sete da manhã, uma «pessoa madrugadora» terá mais probabilidade de aprender cuneiforme. Se assumirmos que ser uma pessoa madrugadora é uma propriedade biologicamente inata, seguir-se-ia que, nesse cenário, as pessoas não são naturalmente iguais em relação a onde vão acabar, relativamente ao cuneiforme. Mas isso não significa que ser uma pessoa madrugadora constitua um talento para o cuneiforme ou um potencial inato para se destacar no cuneiforme. Agora imagine-se que a maioria das diferenças intelectuais interage com os acidentes do ambiente apenas desta maneira bruta e contingente. Ninguém «mereceria» as suas oportunidades intelectuais, assim como ser uma pessoa madrugadora não habilita a aprender cuneiforme.
O facto de que o programa de educação estabelecido na República acaba por envolver mais de cinquenta anos de provas e testes é um reconhecimento de quão pouco conhecimento Platão pensava que poderíamos presumir, mesmo numa utopia, sobre como «fazer de alguém um filósofo». No mundo real, a visão de Platão parecia ser a de que os filósofos surgem porque ocasionalmente um ser humano — sem motivo, sem seguir nenhum plano, e certamente não porque foi secretamente marcado como Um dos Especiais desde o nascimento — consegue, por pura sorte, encontrar o caminho para a vida solitária que vale a pena. Assim, as deficiências de Sócrates em relação aos «talentos» intelectuais mais valorizados na sua época — memória e inteligência retórica — são frequentemente tematizadas por Platão.
A explicação de Platão para o facto de a maioria das pessoas não ter acesso às melhores coisas é insatisfatória para aqueles que esperam tanto um conto de justiça, como a mentira nobre do triunfo dos talentosos, quanto um conto de injustiça, como a concepção liberal de como o potencial igual em todos nós é desperdiçado quando os poderosos oprimem os fracos. Mas não é preciso oprimir as pessoas para impedi-las de aceder a tesouros intelectuais se simplesmente não houver razão para que elas os encontrem em primeiro lugar. Os bens intelectuais estão escondidos à vista de todos.
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As coisas pelas quais as pessoas anseiam são: segurança e protecção; férias extravagantes e artigos de luxo; honra, poder e aclamação; o calor da vida familiar e a conexão humana. As pessoas querem estas coisas mesmo quando não as têm — muitas vezes, quanto menos as têm, mais as querem. As pessoas não anseiam por bens intelectuais. Conhecemos as alegrias do envolvimento intelectual experimentando-as e, à medida que nos afastamos delas, elas desaparecem de vista. Existem pessoas estranhas que de alguma forma, por meio de uma série de acidentes, ficam e permanecem ligadas aos bens intelectuais por conta própria — os autodidactas que mencionei anteriormente — mas o resto de nós precisa de ajuda constante para se reorientar, porque quase todas as tentações mundanas nos puxam para a direcção oposta.
No final de contas, esta é a explicação para as partes mais íntimas da universidade estarem escondidas — e não apenas para as pessoas de fora. Confio nos meus alunos e colegas — inclusive os meus colegas mortos, como Aristóteles, Platão e Leo Strauss — para me redireccionarem quando me perder. Se eu tivesse deixado a universidade depois de me licenciar, acredito que a vida intelectual que ocasionalmente vislumbrei como estudante de licenciatura ter-se-ia desvanecido numa memória nostálgica.
Não há nada no nosso ADN que faça de nós filósofos, nem há nenhum regime que possamos seguir para nos transformarmos num. O mais próximo que chegamos de conceber um sistema para sintonizar uma pessoa com a vida intelectual é cercá-la de outras que visam a mesma coisa enquanto as partes relevantes puderem continuar a sustentá-la e esperar pelo melhor.
A ideia de que alguém precisa de estar fisicamente localizado dentro de uma universidade para se envolver num pensamento profundo é, pode-se pensar, demasiado absurda para dignificar uma refutação — não fosse pela veemência e regularidade com que é refutada. Ninguém está impedido de chegar à vida intelectual por conta própria, nem há algum obstáculo que impeça que as comunidades intelectuais surjam em qualquer lugar e tempo. Mas isso não significa que haja alguma razão para que o primeiro realmente aconteça, ou que o último, quando acontecer, tenha alguma estabilidade para eles.
As universidades, especialmente as universidades de elite, são os nossos símbolos da ideia de comunidade intelectual estável. Por esta razão, também simbolizam o problema da distribuição legítima de bens intelectuais — ao longo das nossas vidas, bem como através de uma sociedade — e a sua intratabilidade. A nossa sociedade tem muitas dúvidas e incertezas sobre a maneira justa e correcta de distribuir riqueza, ou assistência médica, ou honra, ou poder político; mas essas dificuldades parecem insignificantes em comparação com o abismo da total falta de noção que temos quando se trata do problema de distribuir os bens mais elevados de todos — os intelectuais.