Quando volto a casa à Alemanha, dou por mim muitas vezes a folhear uma edição bibliófila em cinco volumes das obras de Heinrich Heine (1797-1856).[1] Também no Natal de 2023, acabado de voltar a casa, ocorreu-me tirar essa edição da estante. Enquanto folheava os livros de Heine, lembrei-me ― associação essa que o leitor compreenderá mais adiante ― de um outro objecto que guardo em casa, um número da revista Der Spiegel de 2012. O dossiê desse número (15/2012) gira em torno da questão «Was ist Heimat?» («O que é a casa?»). O que torna este número especial é uma escolha editorial única na história do Spiegel em relação à capa. A redação da revista decidiu escolher 11 capas diferentes para representar as várias regiões da Alemanha, para além de uma capa para a Áustria e para a Suíça, respectivamente.[2] A capa da edição distribuída no meu estado federal (Renânia do Norte-Vestefália) é ocupada por uma fotografia tirada a pouca distância de minha casa, mostrando o Rio Ruhr, afluente do Rio Reno, ao pôr-do-sol em pleno Verão.

O artigo de fundo do dossiê é da autoria de Dirk Kurbjuweit (que na altura era redactor da revista, e é actualmente, desde 2023, chefe de redacção do Spiegel). O autor viajou pelo país para falar com várias pessoas sobre o que associam à Heimat. Entre estas pessoas está por exemplo uma filha de imigrantes turcos na Alemanha. O artigo procura salientar a ideia de que o conceito de Heimat é hoje muito mais individual e menos normativo do que era no passado. Kurbjuweit fala também com dois intelectuais: Andreas Altmann, autor de livros de viagens, que fala sobre a sua infância traumática na aldeia natal na Baviera; e Freddie Röckenhaus, realizador de um documentário com imagens da Alemanha vista do céu (Deutschland von oben, 2012, co-realizado com Petra Höfer). O artigo inicia-se precisamente com a evocação, por parte deste realizador, da experiência de produzir o referido documentário. Röckenhaus lembra-se de estar no helicóptero e olhar para um país bonito onde parecia que, mesmo nas cidades, toda a gente vivia no meio da natureza. Mas, diz ter-se interrogado, podia representar tudo aquilo assim? Parece que sentiu vislumbres de patriotismo e que isso o deixou desconfortável, tendo em conta todas as atrocidades cometidas na história da Alemanha. Nas montagens, ele e os seus colegas tentaram encontrar «uma forma de representar essa bonita Alemanha de maneira menos bonita» (61), através da introdução de ironia na narração. No entanto, Kurbjuweit considera que a diluição irónica não resultou: «Em Deutschland von oben, a Alemanha tem um aspecto maravilhoso, com cidades, fábricas, florestas e prados de cores intensas» (ibid.).[3]

Kurbjuweit entra a seguir na história do conceito, partindo da ideia de que se trata de um conceito muito complicado (e neste momento, em 2024, talvez ainda mais do que era em 2012). O jornalista refere a ligação entre o enaltecimento da Heimat e o processo da unificação da Alemanha no século XIX. O desejo da criação do estado-nação potenciou um sentimento de Heimat, simultaneamente romântico e agressivo, alimentando a imagem dos alemães como povo de cultura, sensibilidade e de ligação à natureza, coextensivamente ao desdém em relação ao putativo racionalismo dos franceses e ingleses. No nacional-socialismo, a celebração de uma certa ideia de uma Alemanha rural e agrícola atingiu o seu auge lamentável. Ainda no pós-guerra, quando «a Alemanha já não estava bonita, as cidades em ruínas e as famílias decimadas», o género do Heimatfilm mostra-nos cenas de «exuberância sentimental em cenários de idílio rural» (62). Do conceito colectivo de Heimat constam ainda hoje coisas como a ideia de uma «família nuclear [que vive] numa aldeia próspera no meio da natureza, ouvindo-se o sino das igrejas» (ibid.) Por isso, conclui Kurbjuweit, Heimat «é para muitos uma palavra suspeita, soa a germanismo nazi ou a pieguice e pathos» (62).

Olhando, no entanto, para as 11 capas, não deixamos de reconhecer às vezes essa ideia tradicional de Heimat, não alheia ao bucolismo pacato, que, dilema com que já se depararam os produtores de Deutschland von oben, nem o mais apurado sentido crítico parece ser capaz de ultrapassar. Talvez essas fotografias representem o desejo manifesto numa estatística citada na revista, a saber, uma sondagem segundo a qual, em 2012, 64% dos alemães responderam afirmativamente à pergunta se a Heimat ganhou importância para si no contexto da globalização, por oposição a 56% que responderam afirmativamente à mesma pergunta em 1999. Na capa para a Baviera, ocupada por uma fotografia de pessoas vestidas de traje regional, pensamos talvez em comida tradicional e farta. Em geral, notamos a relação forte que parece haver entre Heimat e corpos de água: para além da fotografia do Rio Ruhr, vemos o Mar Báltico em Mecklenburg-Vorpommern, o Rio Elba em Hamburgo, o Mar Frísio na Saxónia-Baixa, o vale do Rio Reno na Renânia-Palatinado, novamente o Rio Elba diante do panorama de Dresden, o Neckar em Heidelberg. Não deixamos de notar também que há poucos motivos propriamente feios. Na verdade, a fotografia do Rio Ruhr não é indicativa da imagem comum da minha região, pós-industrial, ligada historicamente à mineração de carvão e à indústria metalúrgica.[4]

Kurbjuweit refere que essa ideia de Heimat (bucolismo pacato) tem raízes no Romantismo alemão, citando uma carta de Hölderlin e uma passagem do romance incompleto Heinrich von Ofterdingen de Novalis. Este último é referido como exemplo de uma tensão característica dos românticos alemães, a saber, um autêntico fanatismo pela partida, seguido, invariavelmente, de saudades agudas de casa. De facto, Heinrich von Ofterdingen é talvez o livro que mais sofisticadamente ilustra essa tensão. É sobre a primeira viagem do seu protagonista homónimo à procura da mítica flor azul (blaue Blume). No entanto, a viagem tem para Heinrich um efeito dialéctico, que fica expresso nitidamente numa passagem do segundo capítulo. Heinrich sobe ao topo de um monte do qual a sua vista alcança de um lado «tudo quanto havia deixado para trás» e do outro lado as terras desconhecidas que sonhara conhecer há muito tempo. Fica comovido: «À sua frente desenhava-se a Flor maravilhosa», ao mesmo tempo que, olhando «para trás, para essa Turíngia que acabava de deixar, [é] tomado do estranho pressentimento que, desses lugares para onde agora se encaminhava, um dia, ao cabo de muitas peripécias, havia de regressar à sua pátria, e que, por conseguinte, para ela, na realidade, se encaminhavam agora os seus passos» (s/d: 22). A viagem é uma lição e uma experiência, descartando-se simultaneamente a hipótese de Heinrich, ao «mergulhar naquele oceano azul», adquirir uma nova pátria.

O fragmento romanesco, que foi publicado postumamente por Ludwig Tieck, data de por volta de 1800. É uma obra-prima do que habitualmente se chama o primeiro romantismo alemão. É no tempo em que Novalis escreve Heinrich von Ofterdingen que nasce o autor a que fiz referência no início, Heinrich Heine, precisamente em 1797. Podia ser filho de Novalis. E com efeito Heinrich Heine é frequentemente considerado o último romântico e, simultaneamente, aquele que superou o romantismo na literatura alemã. Heine exilou-se em 1831, a seguir à Revolução de Julho, indo para Paris, onde faleceria em 1856. Não se tratava de um desterro. Heine partiu de livre vontade para Paris, embora, à semelhança de outros intelectuais progressistas, tivesse motivos para temer represálias na Prússia. Foi em Paris que Heine escreveu o primeiro poema que gostaria de citar, atendendo à inspiração natalícia que, como referido, me levou desta vez a Heine. O poema, «Im Oktober 1849» («Em Outubro de 1849»), é sobre o clima nos estados alemães um ano depois das revoltas de 1848:

Gelegt hat sich der starke Wind,
Und wieder stille wirds daheime;
Germania, das große Kind,
Erfreut sich wieder seiner Weihnachtsbäume.

Wir treiben jetzt Familienglück —
Was höher lockt, das ist vom Übel —
Die Friedensschwalbe kehrt zurück,
Die einst genistet in des Hauses Giebel. […] (DHA 3/1, 117)

[O vento forte acalmou,
Em casa volta a reinar o sossego;
A Germânia, a criança grande,
Volta a regozijar-se com as suas árvores de Natal.

Estamos em família e felizes ―
Toda a aspiração superior é suspeita ―  
A andorinha da paz voltou,
Que outrora fazia ninho na aresta [da casa]. (…)]

Estar em casa com a família tem aqui algo de hipócrita, de fuga da realidade. Vejamos um outro poema, de 1844. Recuamos assim do rescaldo das revoltas de 1848 para os anos agitados que as precederam. «Zur Beruhigung» («Para tranquilizar») está escrito continuamente na primeira pessoa do plural e começa por afirmar que nós, alemães, não somos como os romanos, porque não mataríamos os nossos tiranos, como fez Bruto, ao assassinar César. Todo o poema assenta sobre essa contraposição:

Wir sind keine Römer, wir rauchen Tabak.
Ein jedes Volk hat seinen Geschmack,
Ein jedes Volk hat seine Größe;
In Schwaben kocht man die besten Klöße.

[…]

Wir haben sechsunddreißig Herrn
(Ist nicht zuviel!), und einen Stern
Trägt jeder schützend auf seinem Herzen,
Und er braucht nicht zu fürchten die Iden des Märzen.

Wir nennen sie Väter, und Vaterland
Benennen wir dasjenige Land,
das erbeigentümlich gehört den Fürsten;
Wir lieben auch Sauerkraut mit Würsten. […] (DHA 2, 125-6)

[Nós [alemães] não somos romanos, fumamos tabaco.
Cada povo tem assim os seus gostos,
Cada povo tem a sua grandeza;
Na Suábia fazem-se os melhores Klöße.

[…]

Temos trinta e seis soberanos
(Não é demais!), e uma estrela
Cada um tem, como protecção, ao peito,
E não precisa de temer os idos de Março.

Chamamos-lhes pais, e pátria
Chamamos àquele país
Que por herança pertence aos príncipes;
Adoramos também chucrute com salsichas.]

Saliente-se aquela que é certamente uma das rimas mais engraçadas da história da língua alemã. Príncipes rima com salsichas, graças ao acusativo, caso gramatical que os alemães têm aliás em comum com a língua oficial do Império Romano. A correspondência vocálica não será gratuita, denotando alguma correlação entre o amor aos príncipes e o gosto por Klöße.

Heine estava bem instalado e integrado em Paris. Escreveu também uma série de obras em que, na senda de Madame de Stäel (que aliás detestava), procurou familiarizar o público francês com a cultura alemã. Mesmo assim, não deixava de sentir saudades da Alemanha. Dessas saudades dá conta o seu poema em 27 cantos (caputa), Deutschland: Ein Wintermärchen, de 1844 (Alemanha: um conto de fadas de inverno), uma das obras mais ilustres da literatura alemã. É o resultado da primeira viagem de Heine à Alemanha desde que se instalara em Paris, 13 anos antes; o percurso descrito no poema não corresponde porém ao trajecto da viagem do escritor. No poema, o poeta viaja da fronteira franco-alemã até Hamburgo, onde se reuniria com o seu editor Julius Campe. Estamos em Novembro, o tempo é escuro e ventoso (Caput I). Ao aproximar-se da fronteira, os olhos do poeta enchem-se de lágrimas. Mas não haverá muito tempo para sentimentalidades. Pouco depois, um senhor aborda-o, enaltecendo a Aliança Aduaneira que os passageiros estão prestes a penetrar (Caput II). Essa aliança, fundada em 1834, juntava dezenas de estados alemães, sob liderança da Prússia. Constitui um passo importante na história da unificação da Alemanha, que seria concretizada em 1871, após a vitória militar contra a França, com a proclamação do Império Alemão. O conterrâneo de Heine é na realidade um profeta. Proclama que a Aliança dará a unidade externa à pátria fragmentária, acrescentando que a censura lhe dará a unidade mental e ideal. Ou seja, a unificação política da Alemanha precisaria de um momento alfandegário e de um momento em que se põem entraves à liberdade de expressão. Esta passagem anuncia-nos também dois temas que serão importantes ao longo do livro. Por um lado, Heine criticará ferozmente a censura na Prússia, que condicionava a sua actividade literária; por outro, discorrerá sobre objectos, quer materiais quer imateriais, que se tornam assunto de disputa ideológica no quadro do processo de unificação da Alemanha.

A viagem de Heine passa primeiro por Aachen (ou Aquisgrana), Düsseldorf, onde Heine nasceu, e Colónia. Nesta cidade, em Colónia, Heine pára para saudar o Rio Reno (que percorre também a sua cidade natal de Düsseldorf), a que chama pai, numa alusão à entidade divina, documentada na antiguidade romana, associada a este rio (e que se tornou um motivo importante na poesia alemã oitocentista; Caput V). Heine pergunta-lhe como tem passado os últimos 13 anos. O Reno responde que não está bem, referindo como uma das causas um poema ultra-romântico, nacionalista e francófobo de Niklas Becker («Sie sollen ihn nicht haben, // Den freien deutschen Rhein»; [Eles [os franceses] não o terão, // O Reno livre e alemão]):

Er [Becker] hat mich besungen, als ob ich noch
Die reinste Jungfer wäre,
Die sich von niemand rauben läßt
Das Kränzlein ihrer Ehre.

[[Becker] Cantou-me como se eu fosse
A donzela mais pura de todas,
Que não se deixa roubar por ninguém
A sua coroazinha de honra.]

O Reno dá a entender que, apesar de tudo, prefere os franceses. Ainda em relação a Niklas Becker, faz saber:

Das dumme Lied und der dumme Kerl!
Er hat mich schließlich blamieret,
Gewissermaßen hat er mich auch
Politisch kompromittieret.

[Que canção bronca, que fulano bronco!
Não só me envergonhou,
Mas também, por assim dizer,
Politicamente me comprometeu.]

Ao longo da viagem, Heine faz várias paragens para comer, matando as suas saudades da «cozinha germânica à antiga» («altgermanische Küche»). No entanto, mesmo quando a comida é saborosa, não o isenta de criticar o estado das coisas na Prússia. Como em Hagen, onde os tordos assados dão, chilrando, as boas-vindas ao poeta mas não sem censurá-lo por ter andado tanto tempo com pássaros forasteiros no estrangeiro (Caput IX). Se o Reno levanta a sua voz para se defender das apropriações nacionalistas, os passarinhos assados reiteram antes que salsichas e príncipes rimam na língua alemã.

Em Hamburgo, Heine volta a abraçar a mãe, que não via desde 1831. A estas saudades maternais dá também expressão no poema coevo «Nachtgedanken» («Pensamentos à noite», 1844), um dos mais conhecidos da literatura alemã. Para celebrar o regresso do seu filho, a mãe, como não podia deixar de ser, cozinha os pratos de que o filho gostava (Caput XX). Durante o jantar, a mãe fica muito alegre e pergunta por isto e por aquilo, fazendo por vezes «perguntas capciosas» («verfängliche Fragen»). Deseja saber se o filho é bem tratado em França ou se a sua mulher sabe arranjar meias e camisas, mas também se continua a defender as mesmas opiniões políticas. Heine só responde que o peixe está saboroso, mas que não pode falar muito, porque precisa de ter cuidado com as espinhas, para não se engasgar («Der Fisch ist gut, lieb Mütterlein, // Doch muß man ihn schweigend verzehren; // Man kriegt so leicht eine Grät' in den Hals, // Du darfst mich jetzt nicht stören.»). O peixe em molho de manteiga e a chucrute com salsichas são de todos, como o rio Reno. Mas ambos perderam, já em 1844, a sua inocência, que nunca, até hoje, seria recuperada por completo.[5]

Ainda não referimos um facto crucial, a saber, que Heine era judeu, condição sem a qual não se alcança por completo a sua posição de outsider. A sua idolatria por Napoleão relaciona-se também com a diminuição da discriminação dos judeus durante o domínio francês da Renânia, no princípio do século. Na Prússia, aos judeus estava vedado o acesso à função pública. Também por pressão familiar, Heine converteu-se em 1825 ao cristianismo. Num dos últimos cantos (XXII) de Deutschland: Ein Wintermärchen, Heine explica a situação da comunidade judaica de Hamburgo, que se divide em duas classes: os «Velhos», frequentadores da sinagoga, e os «Novos», frequentadores do templo, que são ainda democratas e comem carne de porco. No referido almoço em Hagen (Caput IX), Heine pede também cabeça de porco, não nos deixando saber porém se a provou ou não. Limita-se a reparar que na Alemanha se continua a enfeitar a cabeça de porco com uma coroa de louro no focinho.

A conversão de Heine ao cristianismo é um tema no seu relato de viagem Die Harzreise (Viagem ao Harz), de 1824, geralmente considerada na história da literatura alemã como um marco no nascimento da prosa moderna, subjectiva e crítica, superando a tradição classicista-romântica (cf. Liedtke, 159). No Heine que nesse relato viaja na sua terra se antevê, pela forma como concilia escárnio e pitoresco, o Heine que 20 anos depois irá novamente viajar na sua terra. A Harzreise descreve uma viagem de Göttingen, onde Heine estava a tentar ― em vão ― concluir os seus estudos de Direito,[6] até Weimar, onde terá uma entrevista com Goethe (de que quase nada se sabe). No centro da narrativa se encontra o episódio passado na montanha mais alta da Alemanha central, o Brocken, onde Heine, para não cair, se agarra à cruz, numa alusão evidente ao seu baptismo, consumado no ano seguinte. Não é, porém, este episódio que aqui nos interessa, mas a visita anterior do escritor a uma mina de aço na cidade de Clausthal. O guia do escritor é, segundo Heine, uma pessoa honesta e profundamente alemã. O cicerone recorda uma visita do príncipe de Cambridge, que teria confraternizado com os mineiros. Por isso, muitos mineiros, e ele (o guia) acima de todos, não se importariam de morrer em combate pela Casa de Hannover e pelo seu príncipe gordo e simpático. Heine afirma «ficar sempre comovido perante tanto sentimento de obediência, especialmente quando este se expressa em tons tão genuínos. É um sentimento verdadeiramente belo! E é um sentimento tão propriamente germânico!» (DHA 6, 95). Acredita que não há povo mais fiel do que o alemão: «Se eu não soubesse que a lealdade é tão antiga quanto o mundo, estaria em crer que ela, a lealdade, seria a invenção de um coração alemão» (ibid.).

Heine é o grande escritor irónico na Alemanha oitocentista. Houve várias accões de confiscação e de proibição contra as Neue Gedichte, integrando Deutschland: Ein Wintermärchen;[7] e no final de 1844, seria emitido um mandado de detenção para Heine e outros colaboradores, entre os quais Karl Marx (outro exilado), da revista Vorwärts, caso voltassem a atravessar a fronteira prussiana. Heine é hoje um ícone de uma certa burguesia liberal, aquela que vimos também no artigo citado do Spiegel. Ainda que já não exista o estado autoritário prussiano, voltar a casa, comer salsichas e enaltecer o povo continuam a ser coisas potencialmente divisivas, até porque há, na Alemanha dos nossos dias, descendentes de Niklas Becker.

Em 1831, Heine foi convidado a escrever a introdução a um livro de um amigo, Kahldorf über den Adel, de Robert Wesselhöft. No final deste texto, Heine diz, com a ironia acutilante a que nos habitou, que não desconfia genericamente dos monarcas: «antes muito pelo contrário, sabemos que são pessoas charmosas, e ainda que de vez em quando haja um ou outro que desonre o seu estado, como Sua Majestade El-Rei D. Miguel, é uma excepção que confirma a regra» (DHA 11, 144). A má fama de D. Miguel espalhara-se por toda a Europa. Um dos mais ilustres exilados das Guerras Civis em Portugal é João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, que passou também um período na capital de França. Garrett nasceu em 1799, sendo portanto dois anos mais novo do que Heine. Tendo aderido à causa liberal, fez parte da vaga de emigração desencadeada pela Vilafrancada de 1823, assinalando a vitória provisória dos absolutistas, para se instalar primeiro em Londres. Nesta cidade iria também passar o primeiro Natal no exílio, eternizado num poema com o título austero «O Natal em Londres», datado precisamente de 1823:

Que Natal este! ― sempre sois hereges,
Meus amigos Ingleses.
Bem haja o santo padre e a sua bula
De fulminante anátema,
Que excomungou estes ilhéus descridos!
Oh! nunca a mão lhe doa.
Ver na minha católica Lisboa
As festas de tal noite!
Sinos a repicar, moças aos bandos
Coa bem-trajada capa,
E o alvo teso lenço em coca airosa,
Donde um par de olhos negros
Dão as boas-festas ao vivaz desejo
Do tafulo devoto
Que embuçado acudiu no seu capote
À pactuada igreja!
Natal da minha terra, que lembranças
Saudosas e devotas
Tenho de tuas festas tão gulosas,
E de teus dias santos
Tão folgados e alegres! Como vinhas
Nos frios de Dezembro
De regalados fartes coroado
Aquecer corpo e alma
Co vinho quente, cos mexidos ovos,
E farta comezana!
E estes excomungados protestantes,
(Olhem que bruta gente)
Sempre casmurros, sempre enregelados,
Bebendo no seu ale,
E tasquinhando na carnal montanha
Do beaf cru e insípido!
Pois os Christmas-pyes, gabado esmero
De sármatas manjares!... […] (Garrett 1981, 224-5)

Felizmente, no ano seguinte Garrett mudar-se-á para Paris. É na capital francesa que irá publicar, em 1825, a sua primeira obra de fôlego, o poema em dez cantos Camões. A obra começa com o regresso de Camões a Lisboa por via marítima, terminando com a partida de D. Sebastião. Mas na verdade o poema é tanto sobre o regresso de Camões, da Índia, como sobre o regresso antecipado do próprio Garrett, de Londres ou de Paris (Garrett regressaria a Portugal em 1826, vendo-se forçado, depois da proclamação de D. Miguel como rei absoluto, em 1828, a emigrar novamente, para regressar definitivamente em 1832). Camões principia com a célebre definição da palavra saudade, «gosto amargo de infelizes, / Delicioso pungir de acerbo espinho», enfim, «dor que tem prazeres» (Garrett 2018, 53). Este sentimento «não [é] sabido / Das orgulhosas bocas dos Sicambros / Destas alheias terras» (ibid.). A saudade é o «mágico númen» que «até ao triste ao infeliz proscrito / ― Dos entes o misérrimo da terra ― / Ao regaço da pátria em sonhos» leva (ibid.). No caso de Garrett, a saudade leva o seu pensamento «[à] foz do Tejo» enquanto anda «entre os olmedos / Que as pobres águas deste Sena regam» (idem, 54). Segue-se pouco depois a descrição da chegada de Camões à sua pátria, onde ninguém espera por ele. Pátria ingrata, mas esplêndida. Ao pisar à terra evoca-se «[o] sentimento / Quase devoto com que beija o nauta / As areias da pátria, [que] é porventura, / Na peregrinação da nossa vida, / ― Se excetuas a morte ― o mais solene» (69). Se n’Os Lusíadas a viagem à Índia é o tema principal, sendo a vinda um tema secundário, o Camões de Garrett interessa-se exclusivamente pelo retorno do vate a Lisboa. Com esta inversão, Garrett anuncia o programa de uma corrente principal da literatura portuguesa oitocentista que versa precisamente o regresso a casa. Na obra ficcional do escritor portuense, os regressados são uma categoria de personagens crucial. Em Adozinda (e aliás em várias peças do Romanceiro) e em Frei Luís de Sousa (1843), são guerreiros desaparecidos que, como ressuscitados dos mortos, voltam a Portugal para assolar a sua família, que já se conformara na certeza da sua morte.

Também Viagens na Minha Terra, publicado entre 1843 e 1846, é um livro sobre alguém, Carlos, que no seu regresso a Portugal já não é a mesma pessoa nem encontra a realidade que deixara.[8] Por isso é incapaz de amar a sua prima Joaninha, célebre pelos seus cândidos olhos verdes. A segunda parte das Viagens começa significativamente com uma meditação sobre a leitura de obras literárias no lugar onde elas foram concebidas: «Nunca tinha intendido Shakespeare enquanto o não li em Warwick, ao pé do Avon, debaixo de um carvalho secular, à luz daquele sol baço e branco do nublado céu d’Albion […]» (Garrett 2010, 303). Esta reflexão precede a «longa-via sacra» pelos monumentos religiosos de Santarém, abandonados ou até em ruínas. É através das ruínas de Santarém que se entende o conto à volta de Francisca, Frei Dinis, Carlos e Joaninha. O património monástico de Santarém foi em grande parte secularizado na sequência da extinção das ordens religiosas de 1834. No final da «via-sacra» se dirá que a morte de Santarém é análoga à própria morte de Portugal. Santarém é Portugal porque é o exemplo máximo da antiga identificação entre cristianismo e nação. Por isso, a relação entre a visita a Santarém e o conto, onde surgem figuras anacrónicas, não poderia ser mais íntima. O conto é também a história dessa morte e da transformação de Portugal, que «foi sempre uma nação de milagre, de poesia», em país «que vive em prosa» (333-4).

No final da peregrinação soturna pelas ruínas de Santarém, Garrett deposita as suas últimas esperanças no povo, o mesmo povo que colaborou na destruição de Santarém, mas mais por obediência aos Governos do que por vontade íntima: «Mais dez anos de barões e de regímen da matéria, e infalivelmente nos foge deste corpo agonizante de Portugal o derradeiro suspiro do espírito. Creio isto firmemente. Mas ainda espero melhor todavia, porque o povo, o povo povo, está são: os corruptos somos nós os que cuidamos saber e ignoramos tudo. Nós, que somos a prosa vil da nação, nós não intendemos a poesia do povo […]. [O] senso-íntimo do povo, vem da Razão divina, e procede da síntese transcendente, superior, e inspirada pelas grandes e eternas verdades que se não demonstram porque se sentem» (410). Carlos e o próprio Garrett pertencem malgré eux a essa prosa. A rectificação «povo povo» denota que Garrett admite que não é todo o povo que está são, que há uma parte do povo que já está corrompida. Talvez se refira a alguns elementos da administração liberal. Mas parece que a noção da inocência do povo, de resto absurda, é sintomática. A crítica de Garrett (como aliás a do seu contemporâneo Alexandre Herculano) em momento algum incide sobre os alicerces, que estavam perfeitamente consolidados, da nação portuguesa. O Portugal oitocentista, em que se gozou, de modo geral, uma grande liberdade de expressão, não produziu um crítico tão incisivo como Heine, porque nunca se criaram divisões tão profundas. Nunca nenhum poema nacional poluiu por força das suas rimas as águas do Rio Tejo. Por isso não existe nenhum relato de um regresso a Portugal igualmente ambivalente ao descrito em Deutschland: Ein Wintermärchen.

É preciso dizer que em Portugal não existe o «povo», proto-proletariado, da Harzreise em 1825 nem em 1846. Ainda em 1880 ou 1890, Portugal continua a ser um país essencialmente rural. Em algumas obras tardias de Eça de Queiroz, por exemplo em A Cidade e as Serras e em A Correspondência de Fradique Mendes, encontramos um povo povo que é bom justamente porque aguenta, porque é passivo. De Fradique ficamos a saber que tem um «amor do pitoresco», que decorre do seu «ódio a esta universal modernização que reduz todos os costumes, crenças, ideias, gostos, modos, os mais ingénitos e mais originalmente próprios, a um tipo uniforme» (Queiroz 2014, 162). Por essa razão, Fradique «em Portugal amava sobretudo o povo ― o povo que não mudou, como não muda a Natureza que o envolve e lhe comunica os seus caracteres graves e doces. Amava-o pelas suas qualidades, e também pelos seus defeitos: ― pela sua morosa paciência de boi manso; pela alegria idílica que lhe poetiza o trabalho; pela calma aquiescência à vassalagem com que depois do “Senhor Rei” venera o “Senhor Governo”» (163). Em A Cidade e as Serras, o povo de Tormes é ignorante e, por conseguinte, bom e inocente. E é também por isso que a comida que faz, «os pitéus vernáculos do velho Portugal» nas palavras de Zé Fernandes, é tão saborosa. E mesmo havendo miséria, o que Eça não nega, vemos, ao longo do romance, o Rio Douro a correr lenta e harmoniosamente aos pés de Tormes, o cenário do regresso feliz, apesar de tudo, de Jacinto a Portugal.

Datam mais ou menos da mesma altura que A Cidade e as Serras os poemas mais conhecidos de António Nobre. Estes poemas foram escritos no exílio voluntário em Paris, onde Nobre iria concluir com sucesso o curso de direito, que não conseguira terminar em Coimbra. Nos versos parisienses, Nobre volta frequentemente à sua infância passada entre Douro e Minho (que é aliás o título de uma das secções do seu livro ). Num destes poemas, «Lusitânia no Bairro Latino», procede como se quisesse mostrar esta província a um amigo francês (aqui chamado «Georges»). A província portuguesa é exótica, vista à luz de Paris. Mas, o mais tardar na terceira parte do poema, percebemos que o povo já não tem poesia íntima. É-nos descrita uma procissão em que desfila «[o] bom povinho de fato novo, // Nas violas de arame soluça, romântico, // Fadinhos chorosos da su’alma beata». O elenco destas figuras é tudo menos idílico:

Tísicos! Doidos! Nus! Velhos a ler a sina!
Etnas de carne! Jobes! Flores! Lázaros! Cristos!
Mártires! Cães! Dálias de pus! Olhos-fechados!
Reumáticos! Anões! Delíriuns-tremens! Quistos!
Monstros, fenómenos, aflitos, aleijados,
Talvez lá dentro com perfeitos corações:
Todos, à uma, mugem roucas ladainhas,
Trágicos, uivam «uma esmolinha plas alminhas
Das suas obrigações!»
Pelo nariz corre-lhes pus, gangrena, ranho!
E, coitadinhos! fedem tanto: é de arrasar…

Qu’é dos Pintores do meu país estranho,
Onde estão eles que não vêm pintar? (Nobre 1974, 39)

Talvez no dístico final Nobre chame a atenção para a ignorância, deliberada, dos seus colegas poetas e escritores que se focam nos perfeitos corações em vez de na miséria.

Há vários poemas de Nobre que aludem a Garrett, dos quais mais explicitamente «Saudade» e «Viagens na minha terra» (ambos do ciclo referido «Entre-Douro-e-Minho»). Neste último, recorda-se uma jornada pitoresca ao velho Douro na infância de Nobre; o propósito da excursão era visitar os avós do poeta. O que mais impressionara o miúdo são os aldeões que, à berma da estrada, seguiam o rolar da diligência:

Olham pasmados, boca aberta …
A gente segue e deixa-os sós

Que pena faz ver os que ficam!
Pobres, humildes, não implicam,
Tiram com respeito o chapéu:
Outros, passando, a nosso lado
Diziam: «Deus seja louvado!»
«Louvado seja!» dizia eu. (74-5) 

A pobreza, mesmo tendo os seus encantos pitorescos, não deixa de inspirar compaixão e melancolia. Nobre e o pai pernoitam, «cansados da viagem», numa estalagem em Casais. A estalajadeira, Ana das Dores, oferece pão e carne assada aos viajantes, que serão servidos nas «ingénuas mesas» do albergue, cobertas de «Toalhas brancas, marmeladas, / Vinho virgem no copo a rir» (76). Também as «místicas […] fontes» em que corre a «água fria de Trás-os-Montes / Que faz sede só de se ouvir» (75) resistem aos gritos dos tísicos e doidos. Se chucrute com salsichas, em alemão, rima com príncipes, carne assada, em português, rima com nada. E as águas de Trás-os-Montes são, até hoje, mais inocentemente místicas e mais frescas do que as do Reno e mesmo as do Ruhr.

Os rios deixaram entretanto de ser um tema predilecto para versos; e felizmente o tempo dos poemas nacionalistas sobre corpos de água acabou. António Guerreiro, na sua pequena revista de imprensa no Público de 1 de Março de 2024, comenta uma notícia sobre a inundação prevista da Aldeia de Pisão na sequência da construção de uma barragem. O jornalista evoca um livro que lhe foi oferecido por um amigo falecido recentemente, O Declínio do Ocidente (Der Untergang des Abendlandes; 1918/1922), de Oswald Spengler. Este, «reaccionário de uma espécie que já não há, definiu assim o homem da era técnica: “Não pode ver um rio sem pensar logo numa barragem.” É uma versão erudita de uma injunção popular: “Construa-se, porra!”» Guerreiro refere a influência da obra de Spengler sobre o pensamento de Heidegger, para quem «o Reno era indissociável do hino que este rio inspirou a Hölderlin». Se «quisesse ser um pouco reaccionário», em jeito de homenagem ao seu amigo perecido, Guerreiro «diria que no nosso tempo, sobre os rios, já não é possível escrever hinos. Apenas elegias» (ibid.). O triunfo do garrettiano «regímen da matéria» consumou-se. Ninguém faria poemas sobre um tema tão pouco poético quanto os conflitos bilaterais entre Portugal e Espanha acerca da gestão das águas do rio Tejo. Mas o bom senso obriga a não lamentar essa nova sobriedade com a franqueza de 1850. O Reno é hoje em primeiro lugar uma fronteira natural, transponível sem dificuldades consulares. Dificilmente Heine poderia antever um convívio tão pacífico entre a França e a Alemanha.

Apesar de tudo, a distância geográfica em si é insuperável. E continua a haver, por este mundo fora, muitos rios que são fronteiras de ferro, com «aflitos, aleijados» de ambos os lados dela. Também por isso há hoje o maior número de sempre de deslocados forçados. Feliz é assim quem tem o privilégio de poder voltar a casa, tenha ou não ganhado pelo meio uma segunda casa. Como Heine, que nos ensina que o ar francês, embora tão leve, de vez em quando pode ser opressivo e despertar saudades do cheiro a turfa e do fumo de tabaco, também Garrett, Eça e Nobre associam a Heimat à simplicidade das coisas boas, por oposição a Paris, o ponto geográfico a partir do qual muitos literatos do século XIX reevocam a sua terra. Mas nenhum dos três portugueses adquiriu, seja em França seja em outro lado, uma segunda Heimat no sentido heiniano: Garrett não passa do enaltecimento do pôr-do-sol inglês, proporcionando «horas de saudosos pensamentos / Sobre os campos boreais: ― hora tão triste, / Mas de tal suavidade melancólica», mais sublimes do que os crepúsculos lusitanos, porque «rápidos se esvaem / Em nossos doces climas os momentos / Que entre a treva e a luz vacilam curtos» (Garrett 2018, 66); Paris é na obra de Eça de Queiroz (que nos mais de dez anos que ali viveu não teve um único amigo próximo de nacionalidade francesa) no mais das vezes um ponto de partida, mas raramente o destino final; a «desgraça» que é «nascer em Portugal» não faz nenhum dos poemas de Nobre referir-se a Paris com mais entusiasmo do que o de quem mora «neste país de França» («Na estrada da Beira»).

O poema «Nachtgedanken», de Heine, é sobre quem, à noite, cisma no seu quarto em França sobre aqueles, a começar pela mãe, que não vê há muitos anos e provavelmente não voltará a ver. Mas na quadra final evoca-se o alvorecer e entram, pela janela, raios de sol alegres e, presumivelmente pela porta, a mulher francesa do poeta. Esta, bela como o próprio alvorecer, afasta, com o seu sorriso, as «preocupações alemãs» («die deutschen Sorgen»). O desfecho do poema é indicativo do carácter prospectivo da obra de Heine, que não perderia a esperança de um alvorecer político na Alemanha, tornando-se um país tão livre quanto a França. Nas Viagens, Carlos estabelece, através de uma generalização que hoje jamais se recomendaria, e bem, que «[h]á três espécies de mulheres no mundo». As três mulheres, todas irmãs, que namora na Inglaterra, inspiram-lhe ora admiração ora desejo. Nenhuma, porém, lhe desperta o mais misterioso dos sentimentos, o amor, que não se sabe por que é produzido, sendo que «é tudo isto às vezes, é mais do que isto, não é nada disto» (Garrett 2010: 424). Certa vez, tendo «[o]s sentidos todos embriagados daquele perfume de luxo e de civilização que me cercava, ― era o nosso vale rústico e selvagem o que eu tinha no coração» (441). Ao mesmo tempo, «[o]s raios verdes» dos olhos de Joaninha «atravessaram o espaço, e foram luzir no meio daqueloutros lumes que me cegavam» (440). Carlos não regressa, nem poderia regressar ao Vale de Santarém, porque já não mora lá ninguém, só os rouxinóis. Nos rios portugueses «andam e desandam» agora «caranguejos de vapor» (302). A multiplicação desta espécie, entre 1843 e 1890, alinhando Portugal com o resto da Europa, está na origem das descrições algo melancólicas, por Eça e Nobre, do Douro e dos seus afluentes, ainda assim iluminados por um sol menos nublado do que aquele que se reflecte nos rios alemães.

[1] A edição é da editora Aufbau, Berlin/Weimar (colecção Bibliothek Deutscher Klassiker), saída na República Democrática da Alemanha.

[2] As 13 capas podem ser vistas neste link: https://www.spiegel.de/politik/titel-a-9cce0636-0002-0001-0000-000084789629#fotostrecke-99e69bad-0002-0002-0000-847896290002.

[3] Todas as traduções do alemão, excepto as de Heinrich von Ofterdingen, são do autor deste artigo.

[4] Freddie Röckenhaus, natural de Dortmund, cidade que também fica no Vale do Ruhr, já viveu em cidades que são consideradas mais bonitas do que Dortmund, nomeadamente Münster e Hamburgo. No entanto, não parava de sentir que essas duas cidades não eram Dortmund, apesar das opiniões condescendentes de várias pessoas que encontrava em Münster e Hamburgo, incutindo-lhe a impressão de que não tinha o direito de amar a sua Heimat com o fervor com que a amava (cf. Kurbjuweit 2012, 64-5).

[5] Em Janeiro de 2024, o primeiro-ministro da Baviera, Markus Söder (CSU), comentando a diminuição recente dos criadores de porcos e criticando a reposição do IVA sobre a restauração, afirmou, aplaudido pela imprensa tabloide, que uma vida sem salsicha grelhada não tinha sentido (Anda, Jonathan: „Söder schlägt Bratwurst-Alarm“. In Bild.de, 12/01/2024; https://www.bild.de/politik/inland/politik-inland/soeder-schlaegt-bratwurst-alarm-ohne-ist-das-leben-nicht-sinnvoll-86732904.bild.html). O alvo principal desta crítica era o Ministério Federal da Agricultura, liderado pelo partido Die Grünen (Os Verdes), frequentemente acusado de prejudicar os produtores de carne. Heine mostra-nos a politização da salsicha, em curso no século XIX. Dado que muita água correu os rios alemães entre 1844 e 2024, seria interessante acompanhar, de forma extensa, a história dessa politização.

[6] Confira-se um artigo jocoso de Jochen Leffers, também no Spiegel, sobre escritores (incluindo Heinrich Heine) que não concluíram o curso de Direito, https://www.spiegel.de/karriere/alte-jura-hasser-ich-scheisse-auf-die-rechtswissenschaften-a-754626.html.

[7] Na altura os livros a partir de 21 folhas (o equivalente a 320 páginas) não eram alvo de censura. Por isso, Heine e o seu editor decidiram publicar Deutschland: Ein Wintermärchen como parte das referidas Neue Gedichte, para além de uma edição separada, pré-censurada.

[8] A minha leitura das Viagens é devedora da análise de Victor Mendes: Almeida Garrett: Crise na Representação nas «Viagens na Minha Terra». Lisboa: Cosmos, 1999.

  

Bibliografia:

Garrett, Almeida: Lírica. Porto: Lello & Irmão, 1981.
Garrett, Almeida: Viagens na Minha Terra. Edição de Ofélia Paiva Monteiro. Lisboa: IN-CM, 2010.
Garrett, Almeida: Camões. Introdução e nota bibliográfica de Helena Carvalhão Buescu. Lisboa: IN-CM, 2018.
[Guerreiro, António]: [Comentário sobre «“Aldeia de Pisão vai ficar submersa com nova barragem” Notícia da Lusa, in Expresso, 27/02/2024»; da crónica «Livro de recitações»], Público (Ípsilon), 01/03/2024, p. 30.
Heine, Heinrich. Sämtliche Werke. Düsseldorfer Ausgabe (DHA). Edição digital disponível em http://www.hhp.uni-trier.de/Projekte/HHP/werke.
Kurbjuweit, Dirk: «“Mein Herz hüpft”». In Der Spiegel, 15 (07/04/2012), pp. 60-9.
Liedtke, Christian: “Nachwort”. In Heine, Heinrich: Die Harzreise. Hamburg: Hoffmann und Campe, 2008, pp. 159-172.
Nobre, António: . Porto: Livraria Tavares Martins, 1974.
Novalis: Heinrich d’Ofterdingen. Trad. Luiza Neto Jorge. Torres Vedras: Tertúlia do Livro, s/d.
Queiroz, Eça de: A Correspondência de Fradique Mendes (Memórias e Notas). Edição de Carlos Reis, Irene Fialho e Maria João Simões. Lisboa: IN-CM, 2013.

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