O nome desta banda é Talking Heads, anunciavam eles, mas o que é ao certo esta banda, ou «agrupamento musical», como os musicólogos preferem? Punk, talvez, mas apenas no sentido em que uma faca sem cabo nem lâmina é uma faca. Sou insuspeito: prefiro os Ramones. Acho admirável uma pessoa fazer alguma coisa que não sabe fazer apenas porque sabe aquilo que a leva a fazer isso. Mas o punk americano era art school punk, no caso dos Talking Heads a Rhode Island School of Design. No começo, ainda parecia rock (em versão minimalista, enérgico-quietista, inteligente e sem emoções), mas cedo começou a incorporar tudo, Steve Reich e África, o funk e Brian Eno, o CBGB e o BCBG. Outros companheiros de geração encontraram fórmulas diferentes, os «ganchos» dos Television, o Rimbaud para as massas de Patti Smith, mas afastando-se sempre do punk-enquanto-cartoon (como aconteceu, no caso inglês, em geral mais estereotipado, com os The Fall, que eram um Arthur Scargill que lesse Albert Camus). Sabemos que «talking heads» é o nome de um plano e de uma função, a pessoa que fala enquadrada pelos ombros, a dizer coisas em telejornais e documentários, o contrário de «action footage». Nesse sentido, aqueles quatro eram, além de estudantes e músicos, comentadores, essa profissão televisiva. Antropólogos da banalidade, críticos não-marxistas do capitalismo, podiam discutir o sentido da existência e proclamar de seguida «stop making sense». Numa entrevista já antiga a João Lisboa, David Byrne admitiu: «A minha geração goza com os subúrbios e os centros comerciais e os anúncios televisivos e as sitcoms com que crescemos ― mas tudo isso faz parte de nós. Por isso, a nossa perspectiva irónica é suavizada com qualquer coisa parecida com amor. Embora mal pudéssemos esperar para sair desses sítios, eles funcionam como comfort food. Tendo vindo desses sítios complemente não cool, não somos e nunca seremos (…) citadinos sofisticados». Não importa muito que não acreditemos neste aviso. A realidade, dizia Byrne na entrevista, num ameaço budista ou berkeleyesco, é de existência duvidosa. E a música uma «fonte de sensações, ideias e conceitos, factor e meio de expressão», ou seja, não uma verdade, mas uma estética. E também uma perspectiva, a perspectiva do ciclista, que é, explica Byrne nos Bicycle Diaries, «mais rápida do que andar a pé, mais lenta do que ir de comboio. e ligeiramente mais alta de que a de uma pessoa». Se somarmos a isso a arbitrariedade do signo, a colagem, uma escrita automática depois desmontada em peças, um humor de geek ou de génio, temos os Talking Heads. Mas serão eles bons guias para o porquê das coisas? Não faço ideia. O que gosto mesmo é de ouvir uma multidão anglófona perguntar «qu’est-ce que c’est?» e dar de imediato a adequada resposta dadaísta: «fa-fa-fa-fa-fa, fa-fa-fa-fa-fa».

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