COMO CITAR:

Abecasis, Rodrigo. «T. S. Eliot e Ezra Pound: Uma tentativa de aproximação às suas vidas e às suas obras». Forma de Vida, 2015. https://doi.org/10.51427/ptl.fdv.2015.0021.



DOI:

https://doi.org/10.51427/ptl.fdv.2015.0021

Rodrigo Abecasis

A última obra de Fernando Guedes é composta por quatro conferências que foram apresentadas à Academia de Ciências de Lisboa. O livro divide-se em quatro ensaios, os dois primeiros dedicados a Eliot e os restantes dois dedicados a Pound. A estrutura do livro é concisa e económica, e os quatro ensaios, demonstrando confiança na familiaridade do autor com estes dois poetas norte-americanos, demonstram também a sua erudição sem no entanto serem ensaios maçadores, técnicos, ou de difícil leitura.

Começo pelo fim. Sobre Ezra Pound o autor faz um retrato em larga medida positivo e, contra a expectativa, não se mostra minimamente apologético. Esta característica é uma virtude demonstrada pelo autor, que se sente mais compelido pela honestidade intelectual do que pelo senso comum. Como nota Fernando Guedes, “É um lugar-comum considerar Ezra Pound um fascista”, e logo de seguida acrescenta que “a primeira obrigação de quem hoje pretenda aproximar-se da sua obra é procurar desfazer o enorme equívoco subjacente a esta «catalogação»” [pp. 61-62].  É precisamente neste exercício que o autor prossegue para a biografia de Pound, colocando a ênfase da sua leitura nas filiações políticas e económicas de Pound ao longo de várias décadas. Tal filiação Fernando Guedes situa entre o semanário socialistaNew Age, que propunha uma “síntese de socialismo político e sindicalismo industrial” [p. 63]; o “douglismo”, vindo do major Clifford Hugh Douglas e a sua teoria do crédito social; e por último o “gesselismo”, vindo do teórico político e económico Silvio Gesell, frequentemente associado a ideologias anarquistas (Fernando Guedes cita o título em alemão daquela que diz ser a obra principal de Gesell e tradu-lo da seguinte maneira: “A Ordem Económica Natural: «por terra livre e dinheiro livre»”). Em termos gerais, a posição política de Pound é descrita como a de um homem cujo principal interesse é económico, pelo que se insere nesse contexto a famosa diatribe poundiana contra a usura e o sistema banqueiro, acrescentando-se ainda, no final do segundo ensaio sobre Pound, o problema da avareza.

O autor faz uma descrição da vida de Ezra Pound em que este poeta, longe de ser alguém sobre quem não recai a devida culpa, é no entanto uma personagem que apela ao nosso sentido de compaixão e de piedade. Sentimentos esses que não se devem apenas ao arrependimento tardio de Pound, como expresso por este numa entrevista a Allen Ginsberg da qual Fernando Guedes cita uma afirmação repleta do pathos do arrependimento, mas sobretudo devido ao monumento poético que a vida excêntrica, atribulada e longeva de Pound deixou para a posteridade, os seus Cantos. Eis um caso em que a obra “desculpa” a vida.

É a esta obra complexa, difícil e fragmentária que Fernando Guedes dedica o segundo ensaio sobre Pound, onde demonstra uma invejável capacidade de síntese ao conseguir transmitir uma visão do conjunto deste colosso poético. A tarefa é de facto Hercúlea, mas Fernando Guedes mostra-se à altura. Saliento que, ao fazê-lo, o autor é capaz de deixar ambígua a possibilidade ou impossibilidade de estabelecer uma unidade maior dos Cantos, o que, pelo menos para este leitor, é muito bem-vindo.

Enquanto Ezra Pound era excêntrico e provocatório, T.S. Eliot era um homem aparentemente calmo, reservado, tímido e introvertido. É este o retrato que o autor faz de Eliot. Em termos gerais, o primeiro ensaio deste livro é uma tentativa de descrição do ambiente em que The Waste Land foi gerado. Creio que o seu ponto mais original é o facto de o seu autor colocar grande ênfase no contacto de Eliot com o famoso Bloomsbury Group de Litton Strachey e Virginia Woolf, notando o impacto que a promiscuidade e preferências sexuais que dominavam em Bloomsbury tiveram sobre a sensibilidade de um jovem americano do Missouri de origens puritanas. De se notar, também, o facto de chamar a atenção para o importante papel que Vivienne Haigh-Wood desempenhou no desenvolvimento de Eliot enquanto poeta. De resto, ainda neste ensaio, o autor questiona-se sobre o significado do enigmático poema, notando as tendências críticas que o consideram uma peça de crítica social, tal como os comentários em que Eliot deflaciona essa posição e afirma que o poema apenas se trata de uma resmunguice pessoal. Mostrando-se cauteloso, Fernando Guedes adopta uma posição neutra, lembrando as palavras de um Eliot maduro segundo as quais a expressão de uma experiência individual, por parte de um grande poeta, transformam-se também numa expressão que engloba a generalidade da sociedade em que se insere.

No ensaio que se segue o autor debruça-se sobre a poesia de Eliot posterior a The Waste Land. Deste modo, apresenta-nos uma descrição da progressão da obra deste poeta como uma espécie de progressiva apoteose, uma poesia que não só acompanha um movimento de ascese religiosa, como também o expressa na sua plenitude. O autor afirma que Four Quartets é “indiscutivelmente o zénite admirável da sua poesia posterior” [p. 47], acrescentando, poucas linhas depois, uma tentativa de descrição de Four Quartets semelhante à que Eliot havia feito do Paradiso de Dante, “o ponto mais alto jamais atingido em poesia”. Não deixando de ser verdade que Fernando Guedes se mostra um pouco relutante em relação a tamanho louvor, dizendo “Quase me atreveria a aplicar esta afirmação”, é inegável que a sua leitura vê a obra de Eliot como uma espécie de subida da escada de Clímaco.

É neste ensaio que me encontro em maior desacordo com o autor. Este género de descrição parece-me, no seu âmago, demasiado pacífica, aceitando o que certa geração de críticos fez da obra de Eliot de um modo em larga medida tácito. Talvez tenha chegado a altura de apreciar a poesia de Eliot com outros olhos, reconhecendo que ao mesmo tempo que a sua mente crítica se foi mostrando mais perspicaz e arguta, a sua qualidade poética foi perdendo mérito, tornando-se num exercício altamente retórico, demasiado verboso e, especialmente, merecedora do epíteto ‘recalcada’.

REFERÊNCIA:

Guedes, Fernando. T.S. Eliot e Ezra Pound: uma tentativa de aproximação às suas visas e às suas obras. Lisboa: Verbo, 2014.