COMO CITAR:
Mendes, Maria Sequeira. «Adam Phillips, Missing Out: In Praise of the Unlived Life». Forma de Vida, 2015. https://doi.org/10.51427/ptl.fdv.2015.0029.
DOI:
https://doi.org/10.51427/ptl.fdv.2015.0029
Maria Sequeira Mendes
Em Missing Out – In Praise of the Unlived Life, Adam Phillips, autor, psiquiatra e crítico literário nos tempos livres, examina as vidas que não vivemos, ou seja, a forma como tornamos o nosso dia-a-dia mais aprazível e, como refere, suportável, ao imaginarmos outros modos de existência.
Um dos conceitos mais relevantes desta obra de Adam Phillips relaciona-se com a experiência de missing out, que caracteriza a relação existente entre as vidas que temos e os nossos sonhos acordados. O livro consiste numa tentativa de escrutínio desses universos que idealizamos e que ocupam uma parte tão importante dos nossos dias, mas sobre os quais não costumamos reflectir. Perceber em que mundo encontraríamos a satisfação absoluta, o que separa o que somos do que queremos ser, permite, como Adam Phillips observa, compreender aquilo de que sentimos falta e o modo como nas vidas que não vivemos somos sempre versões mais contentes e menos frustradas de nós próprios. Quando o autor afirma que esses ideais ajudam a perceber melhor algumas vidas, certas tragédias literárias e modos de acção política, parece estar a afirmar que a consciência de uma ausência nos pode levar a agir.
Um dos pontos importantes de Missing Out é a descrição de como evitar fazer escolhas constitui o modo de acção habitual da maior parte das pessoas. Ou seja, a experiência de missing out adquire relevância por habitualmente preferirmos o universo que conhecemos, i.e. por termos alguma incapacidade de nos expormos à mudança, ou de nos deixarmos surpreender. Note-se que, no primeiro capítulo, Adam Phillips se socorre do dicionário de Cawdey, de 1604, para definir “frustração”, relacionando o termo com “to make voyde” e “to deceive”. O autor descreve assim a relação entre fantasia e frustração, diferenciando quatro tipos de desapontamento e salientando o modo como não somos capazes de desejar algo sem que isso inclua algum grau de descontentamento (por exemplo, alcançar o que se deseja leva-nos a perceber quão aquém fica a realidade do que se imaginou). Se Adam Phillips estiver certo, a tendência para evitar situações de indeterminação leva-nos a fabricar certezas e a agir de acordo com elas (um ponto em que se percepciona como, na sua vida fantasiada, Adam Phillips gostaria de filosofar como Stanley Cavell). Afirma o autor:
Parafraseando o autor no capítulo “On Getting Out of It”, a experiência de se querer sair de algo, que pode ser uma relação ou um compromisso, associa-se a alguma omnisciência relativamente àquilo de que queremos sair, como se soubéssemos mais sobre a vida feliz ou infeliz que teríamos do que sobre a que presentemente temos. Esta omnisciência relaciona-se com o facto de, para o autor, pensarmos sempre que sabemos mais sobre experiências que não tivemos. Refere Adam Phillips que a ausência de punição origina a noção de “pulling something off”, “carrying it successfully or with impunity” (Kindle book: 1093). Esse é motivo pelo qual uma criança que fez algo errado sem ser apanhada sabe, segundo o autor, mais sobre a natureza do castigo do que a que foi punida. Como afirma Adam Phillips: “there is certainly a kind of triumphalism, a beating of the system, a getting-ahead in whatever way possible, which the slang seems to promote” (Kindle Book: loc. 1130).
Uma crítica importante ao conceito de “getting away with something” é o facto de Adam Phillips o associar a um herói que não se preocupa com as consequências das suas acções: “the hero is not the person who plays by the rules but the person who doesn’t; that courage means whatever you have to do to win [...]; and the only thing that matters about a wish is that you are successful in realizing it” (Kindle book, 1133). Esta ideia, que Phillips associa à crítica literária (não deixar o autor “get away with it”) e a alguns modos de governo, relaciona sucesso com a possibilidade de não se ser apanhado, por assim dizer, a fazer batota. Deste ponto de vista, o autor defende o surgimento de uma nova moralidade a partir do século XIX na América e que consiste na ideia de que as regras são importantes para nós por existir satisfação na possibilidade de as infringir. O que Adam Phillips não parece contemplar é a possibilidade de alguma nobreza no conceito de “get away with it”, ou seja, na hipótese de se poder estar numa situação difícil, com uma solução eventualmente penosa, mas da qual se poderá sair impune (i.e. com valores intactos)com algum esforço.
Simultaneamente, compreender com que tipo de vida fantasiam algumas pessoas permite redescrever a obra de Adam Phillips. Note-se que, em Missing Out, a força motriz do argumento se perde na enumeração de escritores como Shakespeare ou Larkin, filósofos como Stanley Cavell, Richard Rorty, ou Zizek, e críticos como Stanley Fish. As seis partes correspondem a capítulos de vidas imaginados, a modos de produção eventual de frustração e fantasia, intitulados “On Frustration”, “On Not Getting It”, “On Getting Away with It”, “On Getting Out of It”, “On Satisfaction”, e o apenso, “On Acting Madness”. Em Missing Out, Adam Phillips repete estratégias que no passado usara com sucesso, misturando crítica literária e psicanálise, procurando a origem de expressões no Oxford English Dictionary, e usando essas definições para caracterizar pontos de vista sobre cada problema tratado no texto. No elogio de Adam Phillips a essa vida não-vivida caracteriza-se uma das existências perdidas do autor, a do jovem que estudou Inglês no St John’s College, em Oxford, e que ambicionou ser crítico literário. O melhor de Missing Out não se encontra, no entanto, na enumeração de obras literárias ou de crítica, mas sim na ideia que motiva o livro. Uma prova, talvez, de que nalguns casos a vida vivida nos trata melhor que a desejada
REFERÊNCIA:
Phillips, Adam. Missing Out: In Praise of the Unlived Life. Londres: Penguin, 2013.