8. David Grossman, Até ao Fim da Terra

8. David Grossman, Até ao Fim da Terra

Por Rui Estrada

Deus disse a Abraão: “Leva contigo o teu único filho Isaac, a quem tanto queres, vai à região do monte Mória e oferece-o lá em sacrifício (…)”. “Ó pai — perguntou Isaac — levamos aqui o fogo e a lenha, mas onde é que está a vítima para o sacrifício?” “Chegaram ao lugar de que Deus lhe tinha falado. Abraão construiu ali um altar (…) atou o seu filho, Isaac, e colocou-o em cima do altar, por cima da lenha. Abraão estendeu a mão e agarrou a faca, para sacrificar o seu filho.” (Génesis, 22). Imaginemos por momentos que deus fazia esta provação a uma mulher. David Grossman responde: “If God came to Sarah and told her, ‘Give me your son, your only one, your beloved, Isaac,’ she will tell him, ‘Give me a break,’ not to say ‘Fuck off.”

7. Beethoven, Fidelio

7. Beethoven, Fidelio

Por Sara Eckerson

Uma coisa que sempre me interessou em particular acerca de Fidelio, a única ópera de Beethoven, é este ter passado muitos anos a adicionar elementos e a fazer anotações a esta obra específica, que era para si, obviamente, muito especial. Em todo o caso, Fidelio não é, de entre as obras de Beethoven, uma das melhores ou mais particularmente elegantes. Contudo, poderia afirmar-se que está entre as três obras cujo processo de composição, até à sua versão final, levou a Beethoven mais tempo. O “falhanço” de Fidelio nas suas primeira e segunda estreias, em 1805 e 1806, respectivamente, deveu-se a um conjunto de circunstâncias complicado e não necessariamente a uma composição desinteressante...

6. Jacques Rancière, Os Intervalos do Cinema

6. Jacques Rancière, Os Intervalos do Cinema

Por Ana Isabel Soares

O fulcro temático de Os Intervalos do Cinema (título tão ambíguo quanto preciso) é a ideia de intervalo — dos espaços que se constituem entre uma coisa e outra, preenchidos ou preenchíveis com sucessivas tentativas de entendimento do que rodeia esses interstícios. É neles, nesses intervalos, que o autor se coloca, talvez não tanto para conhecer o espaço entre um lugar e outro, mas para ficar de fora de ambos; para, estando de fora, desconhecer e poder, a partir daí, investigar. É um modo de auto-pedagogia: sair do campo, seguir em sentidos diferentes e olhar sempre para o sentido por onde não se vai. Rancière pretende ser o ignorante cuja mestria está em apanhar o conhecimento quando este baixa a guarda; ou seja, nos espaços e nos momentos intervalares.

5. David Byrne, How Music Works

5. David Byrne, How Music Works

Por Telmo Rodriges

Livros que tentam abordar a música enquanto arte tendem a dividir-se em dois tipos. Num lado do espectro estão os livros em que a prosa tenta, de alguma forma, emular aquilo que os autores sentem ao ouvir música, como se uma descrição das sensações que se tem ao ouvir música constituísse a melhor maneira de explicar a arte; no outro lado do espectro estão os livros que pretendem exactamente o oposto, explicar a música enquanto um conjunto de regras e relações que não dependem de factores emotivos, livros técnicos que parecem obrigar os leitores a anos de estudo de conservatório para os poderem perceber. O novo livro de David Byrne, How Music Works (Como Funciona a Música), parece situar-se entre estas duas posições embora, e a favor do autor, se declare explicitamente pelo lado técnico.

3. John Perry, The Art of Procrastination

3. John Perry, The Art of Procrastination

Por Maria Sequeira Mendes

Todos adiamos tarefas, mas os procrastinadores fazem-no de modo crónico, procurando distracções que os levem a protelar o trabalho que têm em mãos. A capacidade de se adiar indefinidamente uma obrigação pode, todavia, ser produtiva se considerarmos, como John Perry, que no acto de se evitar uma tarefa se realizam muitas outras igualmente importantes. A esta particularidade chama o filósofo "procrastinação estruturada", um conceito descrito no seu mais recente livro, cujo título parece conter um programa de adiamento da leitura: The Art of Procrastination: A Guide to Effective Dawdling, Lollygagging and Postponing... Or, Getting Things Done by Putting Them Off. 

2. Agustina Bessa-Luís, Kafkiana

2. Agustina Bessa-Luís, Kafkiana

Por Nuno Amado

Sempre que, com o objectivo de descrever a escrita de Kafka, se utilizam adjectivos como “pessimista”, “melancólica” ou “neurótica”, fico com a impressão de que nunca se leu o conto sobre o celibatário Blumfeld e se devia dormitar enquanto se liam alguns episódios d’O Processo, como aquele em que Joseph K. surpreende um algoz com roupas de couro a açoitar, numa arrecadação, os dois homens que, no início do romance, lhe tinham aparecido no quarto a anunciar a prisão. Ora, é precisamente em não ser esse o caso deste pequeno livrinho que reside um dos méritos — talvez o mais saliente — da apreciação kafkiana que nele se desvela.

1. Manoel Ricardo de Lima, As Mãos

1. Manoel Ricardo de Lima, As Mãos

Por Gustavo Rubim

Ninguém parece formar uma ideia de conjunto particularmente nítida acerca da prosa literária que se escreve agora em português. Talvez nem faça falta. Uma hipótese simples é a de que, salvo alguma obra de maior alcance público, parte dessa prosa esteja a renovar-se por via de experiências discretas. Experiências, naquele sentido em que a palavra se consagrou para designar a atitude que prefere avançar por tentativas do que pelo traçar de projetos.