Por Nuno Amado
A resposta à inusitada pergunta que serve de título ao livro de Jerónimo Pizarro dá-a o autor no final do capítulo nono, em cujo título a mesma pergunta se repete: «Pensar Pessoa, editar Pessoa – actividades intimamente ligadas – não resgatam Pessoa, não nos devolvem uma imagem única e mágica, senão muitos Pessoas, também eles múltiplos, cuja multiplicidade já se encontrava, ou já se podia intuir, na materialidade das fontes e na forma dos textos. (p.192)» Tal resposta evidencia, a meu ver, duas coisas: a posição crítica geral de Pizarro face à obra pessoana, sobre a qual versará quase tudo o que tenho a dizer, e uma pequena explicação das razões dessa posição.
Por Gustavo Rubim
Seria tudo muito fácil se das opções filosóficas ou ideológicas de uma pessoa pudéssemos deduzir o sentido dos poemas que essa pessoa escreve. Com Manuel Gusmão, para mais ensaísta e crítico, já se notam sinais dessa vontade de simplificar. E não surpreende que possam tornar-se mais evidentes justamente a propósito de um livro tão distante de asserções teóricas ou de preocupações ideológicas como é este Pequeno Tratado das Figuras.
Por Maria Sequeira Mendes
É possível argumentar que, em A Tempestade, Shakespeare procurou descrever uma ilha em que as virtudes e os defeitos das personagens fossem ampliados. Este é o motivo pelo qual, como alguns críticos notaram, o local difere de figura para figura consoante o seu passado, carácter e intenções. Cada náufrago percepciona na ilha a sua personalidade, tendo alguns sonhos bons e outros maus, sentindo cheiros agradáveis ou pestilentos, vendo imagens de usurpação ou encontrando um lugar paradisíaco...
Por Carlos A. Pereira
O novo livro de Joshua Landy intervém na discussão académica sobre teorias da ficção, e, embora não se deixe arrastar para as discussões filosóficas nos termos das quais as dificuldades por resolver a respeito de ficção se resumem, paradigmaticamente, a problemas técnicos no âmbito da ontologia ou relacionados com putativos paradoxos mentais e semânticos, parte do princípio filosófico de que a ficção se justifica do ponto de vista da sua utilidade.
Por Pedro Sepúlveda
Ao longo de um dia de sexta-feira santa, personagens de uma família burguesa alentejana dedicam-se a afazeres diários, enumerados com minúcia: “de madrugada ainda levantar-se, descer para a cozinha e enregar o trabalho reacendendo lume no fogão, lavar a louça que ficou da véspera (...)” (p. 23). A descrição destes afazeres, que acontece preferencialmente através de monólogos interiores, é intercalada, de um modo propositadamente aleatório, com reflexões que misturam o quotidiano e o metafísico.
Por Ana Isabel Soares
Irei por partes. Começo pelo título: talvez o passo mais audaz neste livro tenha sido a sua escolha. Nele, não hesitou a autora em reconhecer a dívida a Harold Bloom (a quem refere, na utilíssima e muito extensa bibliografia, só excedida em serventia, interesse e pertinência de manuseio pelo quantas-irritantes-vezes esquecido índice onomástico), e, com isso, em inscrever-se a si mesma numa tradição de registo académico que, por sua vez, e tal como se propõe em O Cinema da Poesia, trata a própria tradição poética. A própria de Portugal. É um bom passo...
Por Paulo Barcelos
A União Europeia é uma besta estranha, um experimento impuro. Foi montada a partir dos escombros das duas guerras mundiais, proposta como uma estrutura que pudesse tentar uma paz duradoura desativando a animosidade franco-alemã e, de caminho, convidando os outros Estados europeus a integrarem um foedus pacificum continental...
Por Sebastião Belfort Cerqueira
Logo no título, Django Unchained (2012) insere-se na tradição longa e desarrumada de filmes que se tentaram relacionar, de alguma maneira, com Django, um western realizado em 1966 por Sergio Corbucci, com Franco Nero como o protagonista epónimo. O sucesso do filme de Corbucci, que é tido, a par da trilogia dos dólares realizada por Sergio Leone, como fundador do género do spaghetti western, suscitou muitas imitações e sequelas não oficiais e a alteração de muitos títulos de filmes sem qualquer relação com Django para passarem a incluir o nome do herói...
Por Rui Estrada
Deus disse a Abraão: “Leva contigo o teu único filho Isaac, a quem tanto queres, vai à região do monte Mória e oferece-o lá em sacrifício (…)”. “Ó pai — perguntou Isaac — levamos aqui o fogo e a lenha, mas onde é que está a vítima para o sacrifício?” “Chegaram ao lugar de que Deus lhe tinha falado. Abraão construiu ali um altar (…) atou o seu filho, Isaac, e colocou-o em cima do altar, por cima da lenha. Abraão estendeu a mão e agarrou a faca, para sacrificar o seu filho.” (Génesis, 22). Imaginemos por momentos que deus fazia esta provação a uma mulher. David Grossman responde: “If God came to Sarah and told her, ‘Give me your son, your only one, your beloved, Isaac,’ she will tell him, ‘Give me a break,’ not to say ‘Fuck off.”
Por Sara Eckerson
Uma coisa que sempre me interessou em particular acerca de Fidelio, a única ópera de Beethoven, é este ter passado muitos anos a adicionar elementos e a fazer anotações a esta obra específica, que era para si, obviamente, muito especial. Em todo o caso, Fidelio não é, de entre as obras de Beethoven, uma das melhores ou mais particularmente elegantes. Contudo, poderia afirmar-se que está entre as três obras cujo processo de composição, até à sua versão final, levou a Beethoven mais tempo. O “falhanço” de Fidelio nas suas primeira e segunda estreias, em 1805 e 1806, respectivamente, deveu-se a um conjunto de circunstâncias complicado e não necessariamente a uma composição desinteressante...
Por Ana Isabel Soares
O fulcro temático de Os Intervalos do Cinema (título tão ambíguo quanto preciso) é a ideia de intervalo — dos espaços que se constituem entre uma coisa e outra, preenchidos ou preenchíveis com sucessivas tentativas de entendimento do que rodeia esses interstícios. É neles, nesses intervalos, que o autor se coloca, talvez não tanto para conhecer o espaço entre um lugar e outro, mas para ficar de fora de ambos; para, estando de fora, desconhecer e poder, a partir daí, investigar. É um modo de auto-pedagogia: sair do campo, seguir em sentidos diferentes e olhar sempre para o sentido por onde não se vai. Rancière pretende ser o ignorante cuja mestria está em apanhar o conhecimento quando este baixa a guarda; ou seja, nos espaços e nos momentos intervalares.
Por Telmo Rodriges
Livros que tentam abordar a música enquanto arte tendem a dividir-se em dois tipos. Num lado do espectro estão os livros em que a prosa tenta, de alguma forma, emular aquilo que os autores sentem ao ouvir música, como se uma descrição das sensações que se tem ao ouvir música constituísse a melhor maneira de explicar a arte; no outro lado do espectro estão os livros que pretendem exactamente o oposto, explicar a música enquanto um conjunto de regras e relações que não dependem de factores emotivos, livros técnicos que parecem obrigar os leitores a anos de estudo de conservatório para os poderem perceber. O novo livro de David Byrne, How Music Works (Como Funciona a Música), parece situar-se entre estas duas posições embora, e a favor do autor, se declare explicitamente pelo lado técnico.
Por Maria Sequeira Mendes
Todos adiamos tarefas, mas os procrastinadores fazem-no de modo crónico, procurando distracções que os levem a protelar o trabalho que têm em mãos. A capacidade de se adiar indefinidamente uma obrigação pode, todavia, ser produtiva se considerarmos, como John Perry, que no acto de se evitar uma tarefa se realizam muitas outras igualmente importantes. A esta particularidade chama o filósofo "procrastinação estruturada", um conceito descrito no seu mais recente livro, cujo título parece conter um programa de adiamento da leitura: The Art of Procrastination: A Guide to Effective Dawdling, Lollygagging and Postponing... Or, Getting Things Done by Putting Them Off.
Por Nuno Amado
Sempre que, com o objectivo de descrever a escrita de Kafka, se utilizam adjectivos como “pessimista”, “melancólica” ou “neurótica”, fico com a impressão de que nunca se leu o conto sobre o celibatário Blumfeld e se devia dormitar enquanto se liam alguns episódios d’O Processo, como aquele em que Joseph K. surpreende um algoz com roupas de couro a açoitar, numa arrecadação, os dois homens que, no início do romance, lhe tinham aparecido no quarto a anunciar a prisão. Ora, é precisamente em não ser esse o caso deste pequeno livrinho que reside um dos méritos — talvez o mais saliente — da apreciação kafkiana que nele se desvela.
Por Gustavo Rubim
Ninguém parece formar uma ideia de conjunto particularmente nítida acerca da prosa literária que se escreve agora em português. Talvez nem faça falta. Uma hipótese simples é a de que, salvo alguma obra de maior alcance público, parte dessa prosa esteja a renovar-se por via de experiências discretas. Experiências, naquele sentido em que a palavra se consagrou para designar a atitude que prefere avançar por tentativas do que pelo traçar de projetos.