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God made the bulk; surfaces were invented by the devil.
Wolfgang Pauli

In The Republic, the program for an ideal polis, Plato attacks Homer and defends that only hymns to the gods and praises of good men should be allowed within the city (The Republic, 607a).

In 1985, Habermas wrote a long text on Derrida’s work. The French philosopher suggests, in 1988, in Limited Inc.’s reedition, that Habermas has not even read his texts, never quoting him. In that 1985 essay, Habermas says: “Since Derrida does not belong to those philosophers who like to argue, it is expedient to take a closer look at his disciples in literary criticism (…)” (Habermas, The Philosophical Discourse of Modernity: Twelve Lectures (trad.) Frederick Lawrence, p. 193).

In 1992, Rorty, in the French Journal Les lettres françaises, says: “(…) they resist my books because they want what Habermas promises: a philosophical means of defense against the fascists. I offer no such thing” (translated from the Portuguese quote in Cometti, Filosofia Sem Privilégios, 1995, pp. 107-108).

For different reasons, some more praiseworthy than others, we expect from philosophy the order, the bulk mentioned in the epigraph. The taste for wisdom is grounded in exclusion: epistemological, political, social, ethnic, religious, of gender, and others.

And Briseis, the outcast, what does she say: “Great Achilles. Brilliant Achilles, shining Achilles, godlike Achilles . . . How the epithets pile up. We never called him any of those things; we called him ‘the butcher’” (Barker, he Silence of the Girls, 2019).

But suddenly Briseis, and others, also take the path of wisdom. In the University of Manchester, the recent guidelines for inclusive language include these changes: “Parent or guardian, rather than mother or father, Partner, rather than husband or wife.”

To finish: Nietzsche, in Thus Spoke Zarathustra, says that it is the poet, “riddle-reader, and redeemer of chance,” who, laboring in the future, redeems “every ‘It was’” (trans. by Thomas Common). He redeems the never-ending cycle by being, himself, ineluctably seized by the motion he undrapes.


PT


Deus criou o volume, o diabo fez as superfícies.
Wolfgang Pauli

Platão, em A República, o programa de uma polis ideal, ataca Homero e defende que apenas hinos aos deuses ou encómios aos varões honestos são poemas admissíveis na cidade (A República, 607a).

Em 1985, Habermas escreveu um longo texto acerca da obra de Derrida. O filósofo francês sugere, em 1988, na reedição de Limited Inc., que Habermas nem leu os seus textos, nunca o tendo citado. Nesse ensaio de 1985, diz Habermas: «Uma vez que Derrida não pertence ao número dos filósofos que gosta de argumentar, é aconselhável seguir os seus discípulos de crítica literária (…)» (Habermas, O Discurso Filosófico da Modernidade, 1985, p. 185).

Em 1992, Rorty, na publicação literária Les lettres françaises, diz o seguinte: «(…) a resistência aos meus livros assenta principalmente no facto de que toda a gente quer o que quer Habermas: os meios filosóficos de defesa contra os fascistas. Não possuo tal coisa.» (Cometti, Filosofia Sem Privilégios, 1995, pp. 107-108).

Por diferentes razões, mais louváveis umas do que outras, espera-se da filosofia a ordem, o volume de que fala a epígrafe. O gosto pela sabedoria funda-se na exclusão: epistemológica, política, social, étnica, religiosa, de género e outras.

E Briseida, a excluída, o que diz: «O GLORIOSO AQUILES. O fogoso Aquiles, o valente Aquiles, o divino Aquiles…Ah, como se acumulam os epítetos! Nós nunca lhe chamávamos essas coisas; para nós, ele era “o carniceiro”» (Barker, O Silêncio das Mulheres, 2020, p. 15).

Mas eis que Briseida, e outros e outras, também tomam o caminho da sabedoria. Na Universidade de Manchester, o recente guião de linguagem inclusiva impõe estas alterações: «Parent or guardian, rather than mother or father, Partner, rather than husband or wife.»

Para terminar: Nietzsche, em Assim falava Zaratustra, diz que é o poeta, «decifrador de enigmas e redentor do ocaso», que, trabalhando no futuro, resgata «tudo o que foi» (Nietzsche, 1996, p. 231). Resgata o interminável ciclo sendo, ele próprio, inelutavelmente capturado pelo movimento que desvela.