Mas um poeta não se ilude; é o supremo ser desencantado e, por isso, cria encantamentos.
Teixeira de Pascoaes
Talvez não tenha mesmo nada de azedo [a poesia] e seja apenas um olhar desencantado sobre o mundo.
Alexandre O’Neill
A poesia é o assunto predilecto de Pascoaes e O’Neill. Aquele, poeta por «natureza» e bacharel manqué, traz consigo a bengalinha destruidora[1] e a lira da tradição pastoril, um «magro» que, por conhecer bem a enxúndia, corrige febrilmente os seus poemas. Este último, poeta «por tendência própria e por educação» (O’Neill, 2021: 23), revela um fascínio por ossos, dicionários, missais, fotografias, nomenclaturas e sinais ortográficos (cf. Ibid.: 80 e 144), uma e a mesma coisa. Um «magro» com «uma alma muito grande» (O’Neill apud Oliveira, 2024: 171), assim grafa o seu apetite voraz, a procurar o «enxuto do poema» (O’Neill, 2021: 83).
Ambos possuidores de uma sagacidade verbal e um grau de gravitas que resulta da equação entre o «optimismo da vontade» e o «pessimismo da inteligência» (O’Neill apud Oliveira, 2024: 182), a divisa com a qual O’Neill rematou o «Questionário de Proust» em 1962. Dois eruditos modestos,[2] procurando o que não há e emendando o que existe.[3] Por outras palavras, Pascoaes e O’Neill surgem como dois líricos desencantados ou dois realistas ampliados – um «realismo de grau superior» (Martins, 2018: 51), que não invalida situarem-se «criticamente perante o real» (Martinho, 2018: 26). Dois poetas que gostam de fazer coisas que os coloque em confronto com a matéria: um, desenha e pinta; o outro, desenha, pinta e faz colagens.
Na verdade, ambos têm a mesma mania concreta de reagir ao mundo: escrever, embora cada um divague e reconstrua à sua maneira. Mas existem afinidades misteriosas, como, por exemplo, uma «atenção contínua» ao rumor, que abre o «ouvido para dentro» e «leva pouco a pouco ao ritmo e do ritmo ao verso» (O’Neill, 2021: 30). Este ouvido atento ao rumor associa-se a uma atracção analítica pelo absurdo, não fora existir «minas de dadaísmo em Portugal» (Ibid.: 77). Porém, também comporta um fazer-desfazer poético, que se opera na demora, espécie de vigília constante à variabilidade dos aspectos. Este atributo acústico-agente resulta do espírito insubmisso de cada um para «apanhar o mundo de janelas fechadas» (O’Neill apud Oliveira, 2024: 46), um ir atrás da poesia, o «anjo do ócio», em que demoram uma «infinidade com qualquer brincadeira» (Ibid.: 53), admite O’Neill e anuiria, decerto, Pascoaes.
Depois deste breve retrato de família, convém esclarecer o caso da vaca de Vergílio. É este o título de uma crónica de O’Neill dedicada a um «imaginário rodeo». O’Neill tenta impingir a «vaca de Vergílio a certos amigos» seus «possessos da coisa rural (zona da não intervenção)». Note-se que estes amigos são cineastas. Mas atente‑se ao modo de fazer‑desfazer de cada um, antecipado pelo poeta: Fernando Lopes seria «o que melhor esquartejaria e mais subtilmente remontaria a vaca»; António Reis «aproveitaria a vaca até aos botões» e António‑Pedro de Vasconcelos teria a «tentação de a tornar parecida com a vaca que ri para, depois, se rir com ela, dessacralizador como é» (O’Neill, 2008: 158).
Com efeito, se o impulso para escrever o soneto «Daqui, Desta Lisboa...» de O’Neill teve como ignição uma curta‑metragem de José Fonseca e Costa sobre as fábricas de chocolate Regina (cf. Oliveira, 2024: 9), e se a composição de «Sigamos o Cherne!» foi activada pela visualização de O Mundo do Silêncio de Cousteau (cf. Ibid.: 127), como não inverter a variável e impingir as Geórgicas a amigos cineastas? Mas atenção: os poemas não devem ser lidos como epítomes dos filmes, nem estes últimos como vestíbulos daqueles. Aquilo que importa é «estar atento ao rumor» das experiências humanas. «A vaca de Vergílio» é, pois, o exemplo paradigmático da actividade predilecta destes dois poetas: «contar histórias», sendo que «contar é a maneira de contar» e «acima de tudo, o que é bem contado, isto é: a técnica da ficção» (O’Neill, 2021: 25).
No «impingir a vaca a certos amigos», gesto que traduz o que se possa entender por um certo tipo de poesia, encontro a descrição de modos de fazer‑desfazer «a vaca de Vergílio» que, na crónica, é a única coisa que falta, concede O’Neill. Depois de apontar os modos, o poeta oferece generosamente aos leitores as duas versões possíveis da experiência. Apõe, assim, as versões de Ruy Mayer e Leonel da Costa Lusitano, dois tradutores do poeta latino. O primeiro, «agrónomo que dava nome às coisas» (O’Neill, 2008: 158), traduziu em prosa os três primeiros livros das Geórgicas, tendo O’Neill colado na sua crónica o fragmento traduzido de Vergílio dedicado aos atributos da vaca ideal (cf. Mayer, 1948: 101-102); o segundo, traduziu em verso solto Vergílio, tendo O’Neill destacado na crónica o mesmo fragmento (cf. Lusitano, 1761: 150-151).
As duas versões escolhidas, uma em prosa, outra em verso solto, não são fruto de uma escolha casual. Trata-se de dar atenção a uma descrição que apresenta variações no modo de contar um mesmo fragmento da III Geórgica (III.51‑59), aquele em que Vergílio, com detalhe (desde o olhar «carrancudo» da vaca, a cabeça «tosca», o pescoço «muito grosso», «os cornos retorcidos», «as orelhas mui crespas, e sedeúdas», até ao carácter da vaca «rebelde à canga» ou «áspera co’corno»), desenharia a vaca ideal. Este «imaginário rodeo» começa, então, por ser uma justaposição de modos de contar ou cantar, como se se tratasse de uma colagem, técnica acarinhada por O’Neill, surrealista por motu proprio, ou de uma montagem, que resgata a coisa «ainda mais excitante que escrever» (O’Neill, 2008: 39). Aliás, O’Neill, ao referir que a poesia nada tem a ver com a emoção, tal como defendido por Pascoaes, antes com a acumulação de experiências humanas, considera as Geórgicas, «praticamente um tratado de agricultura», «uma maravilha feita à base de experiências humanas» (O’Neill, 2021: 136).
Ora, acrescento a este imaginário‑rodeo‑colagem-montagem poéticos, a versão da «vaca» em prosa poética de Pascoaes e mais duas versões de O’Neill, uma em soneto inglês, a outra em verso solto. Note-se, igualmente, que neste «imaginário rodeo», uma prática desportiva que implica montar um animal selvagem e manter-se sobre ele o máximo de tempo possível, o adjectivo «imaginário», também um nome, precede o nome. Trata-se de uma inversão intencional, que activa os processos de tensão de que vive a poesia (cf. Ibid.: 134), pois para se aprender e/ou ensinar o que é um poema «se deve chamar a atenção para aquilo que quem o fez estava a tentar fazer» (Tamen, 2018: 165).
Assente que está que um certo tipo de poesia não é um comentário da vida ou da realidade, mas um universo próprio que contém vida e realidade através de um sistema verbal de relações (cf. Frye, 1971: 122), talvez não tenha escapado a O’Neill, atento leitor de Pascoaes, a ruça de Albino.[4] Recupere-se, assim, o episódio da «vaca» em Pascoaes, extraído de O Empecido:
Mas a vaca é a Ninfa, a semideusa tutelar da casa. Está na sua corte como Aretusa na fonte siracusana. O padre reserva-lhe algum vinho embebido em nacos de boroa. Finda a ceia, leva as sopas, numa tigela, à sua querida ruça, a minha ruça, como ele lhe chama, pondo, em voz humana, um mugido carinhoso. A vaca espera-o, àquela hora, e talvez o confunda com um animal da sua espécie, mas de mãos no ar, raquítico, descornado por deficiência autocriadora… […]. O espírito do Albino avulta, diante da ruça, como um boi exótico, falhado… […] A ruça, mal o descobre, alonga o pescoço para ele, abre as narinas sensuais, e solta um mugido surdo intraduzível, ou apenas traduzível em latim virgiliano... Uma declaração de amor? Muge, mete o focinho na tigela, e saboreia eucaristicamente o pão e o vinho. Se o Albino é padre zoólatra, a vaca, além de Ninfa, é sacerdotiza faraónica, com todos os bóis Ápis na aristocrática ascendência. [...] Isolado da mulher e do filho, todo o seu pensamento está na vaca, a acariciar-lhe o pêlo, a beijá-la desde os cascos, rescendentes a bosta, à boca cheirosa a erva ruminada e evolada em místicos mugidos, porque são misteriosos. Uma declaração de platónico amor, em sons inarticulados, seria um enigma para os próprios discípulos de Platão. (Pascoaes, 1975: 27 e 64)
Seguindo o exemplo de O’Neill, e em jeito de colagem-montagem, justaponha-se à «ruça de Albino» os poemas «As vacas tresmalhadas» (1969) e «Lego» (1979), ambos da lavra de O’Neill:
AS VACAS TRESMALHADAS
As vacas tresmalhadas pelo asfalto
da cidade, fazem fugir quem passa.
Amarelo... Vermelho! Uma atravessa.
É apanhada, seco, dá um salto,desentranha um mugido e, abatida,
põe nos olhos mansíssimos a vida.
Que pascigo escolheste, amável bicho?
Se não fora o olhar, já eras lixo.Vaca malhada tresmalhada, vaca
de leite em sangue, atormentado nó
pulsando no asfalto, agora saca
dos misérrimos bofes o seu muuuuderradeiro. Já sem dor ou protesto,
é da cidade a vaca mais um resto.(O’Neill, 2000: 275)
LEGO
Está tudo conformado
ao triste proprietário.
Mecânicas ovelhas,
na erva de plástico,
têm pastor de pilhas
e cão pré-fabricado.
Flores marginam esse
às peças-soltas prado.
Eléctricas abelhas,
obreiras sem contrato,
daquele herbário extraem
um mel supermercado.
A malhada, no estábulo,
quase manga de alpaca
(é A VACA, sabias?),
dá leite engarrafado.
No céu (para colorir)
a nuvem, pontual,
aguarda a vez de ser
chovida no nabal,
enquanto o Sol dardeja
na eira proverbial.
Já tudo afeiçoado
ao bom do proprietário
(ervas, bichos, moral),
ele conta com os seus
e espera sempre em Deus.(«– Deste corda ao pardal?»).
10-IV-74(O’Neill, 2000: 343)
O’Neill, a propósito da poesia de Antonio Machado, afirma que lhe agrada o acto de «demora», isto é, uma «forma lenta, minuciosa, de acumular e enumerar» (O’Neill, 2021: 141), até porque para O’Neill o «verso é muito trabalhado, é um processo lento de dizer uma coisa» e «mesmo quando parece desataviado, é um desatavio voluntário» (Ibid.: 163). Ora, a demora em Pascoaes encontra-se no modo analítico com que o poeta esculpe a figura que percorre toda a sua obra, o Homem. A partir da «ruça», Pascoaes desenha Albino como um zoólatra, «um boi exótico, falhado». A adoração pela «sua ruça» é uma possessão literalmente patológica, que o torna num ser de uma espécie estranha: um «boi humanizado» ou «falsificado», que se encontra «descornado por deficiência autocriadora». Defendo, pois, que esta versão da «ruça», com os seus atributos especiais (e.g.: o pescoço alongado, as narinas sensuais, os cascos rescendentes a bosta, a boca cheirosa até ao mugido enigmático para os discípulos de Platão), é uma versão ou falsificação das Geórgicas de Vergílio, poeta que Pascoaes legitima como o seu «“divino antepassado”» (Feijó, 2020: 483).
Reconhecendo que um «relance pela literatura do passado é sempre um salutar exercício de modéstia» (O’Neill apud Oliveira, 2024: 312), O’Neill acrescenta ao seu bestiário a vaca, mas não uma vaca qualquer. Assim, e a favor do argumento, defendo que o termo «vaca» é uma metonímia para as Geórgicas. O soneto inglês de O’Neill, extraído de De Ombro na Ombreira, livro saído a lume em 1969, cujo título embrionário seria Sonetos de Vestíbulo (O’Neill, 2021: 37), comporta um certo grau de lirismo desencantado, não por descrever uma vaca tresmalhada duplamente, isto é, a perder as malhas e a fugir em debandada, mas porque o leitor antecipa a morte das Geórgicas no terceiro verso da primeira quadra, com aquele impressivo «Vermelho!», rematado lírica e violentamente no «atormentado nó» da «vaca/ de leite em sangue», que inunda visualmente a terceira quadra. O dístico desfaz o nó e fixa o epitáfio «é da cidade a vaca mais um resto.»
Partindo de uma descrição controlada, contida no verso «É apanhada, seco, / dá um salto», o acto demorado da escrita implica não só o desenvolvimento de um protesto, daqueles que «embarcam na primeira nuvem / para um reino sem pressa e sem dever» (O’Neill, 2000: 165), mas também torna saliente o modo de desfazer o fazer de Vergílio. Neste sentido, a leitura da pretensa dicotomia cidade-campo, que o poema parece condensar, é um outro despiste-aviso ao leitor para acreditar na seriedade do que está a ser desfeito. A dicotomia real é, na verdade, uma contradição latente no poema entre o gesto intencional do poeta, que parte do real ampliado, e a desgraça da vaca, que é um «bocado amarga», porque fruto do desencanto, pois «tudo é feio à nossa volta» (O’Neill, 2021: 117).
Passados dez anos, no poema-enumeração que abre A Saca de Orelhas, imagem «antropomórfica», que se poderia ter chamado As Valetas Cantantes ou «“Oliveira-Nacional-Ernesto-Itália-Luís-Luís”, o que significa apenas O’Neill» (O’Neill, 2021: 81), obra coeva da recriação de Jesus Cristo em Lisboa, O’Neill mostra, de modo ostensivo, porque maiusculizado, a palavra com o artigo definido: «A VACA». Ao lembrar a técnica surrealista do inventário, o poeta elenca as peças do brinquedo-composição (mecânicas ovelhas, erva de plástico, pastor de pilhas, cão pré-fabricado, peças‑soltas prado, eléctricas abelhas, mel supermercado), outrora marcas pastoris, que não é senão o jogo sério que preside à construção do próprio poema.
Este poema em verso livre, lentamente maturado, a destoar por isso da lista mecânica que se vai acumulando na sua mancha gráfica, provoca um curto‑circuito, que se suspende no uso de parentéticas que guarda a pergunta‑olhadela de O’Neill ao leitor: «(é A VACA, sabias?)». Esta interpelação directa surge a meio da mancha gráfica do poema, sítio privilegiado, para que a revisitação ao passado não escape ao leitor. O verso final do poema, ao prolongar o tom da pergunta-olhadela de O’Neill, estabelece com esta última uma parelha irónica que convém sublinhar: se a vaca maiusculizada de O’Neill é já uma transgressão da vaca vergiliana, então a figura do pardal mecânico surge como uma espécie de inflexão do poeta sobre si mesmo, um exercício salutar de auto‑ironia e, por isso, de modéstia.
O poema «LEGO» de O’Neill, uma nova versão ou falsificação das Geórgicas de Vergílio, lembra o leitor que «lego», além do nome do brinquedo com peças de construção de plástico, também pode ser lido como a primeira pessoa singular do verbo «legar». «A VACA», por um processo legítimo de transmigração ou legado poéticos, cuja origem se encontra em Vergílio, encontra‑se agora em O’Neill confinada ao «estábulo», espécie de funcionária zelosa, que «dá leite engarrafado». No poema «LEGO», uma transgressão do legado de Vergílio, tudo «(ervas, bichos, moral)» se conforma ao «bom do proprietário». Por oposição, O’Neill não se conforma e também não esquece a técnica da ficção, que a título de exemplo se encontra na hipálage «nuvem, pontual». Há, pois, uma continuidade feita por desvios e falsificações violentos, que não deixa de lembrar que o não‑lirismo calculado é, ainda, uma forma de lirismo.
Pois bem: nascido em Gatão, um aumentativo felino para quem, afinal, sempre preferiu cães, Pascoaes ficou conhecido pelo seu lirismo desorbitado. O’Neill, que viveu a primeira infância na Rua da Alegria e teve aí as suas primeiras visitações da tristeza (cf. O’Neill, 2021: 159), ad contrario, foi apelidado de poeta satírico. No entanto, estou convicta de que o caso da «vaca», no encalce das Geórgicas, aponta para dois modos idiossincráticos de desfazer o fazer de Vergílio, aspecto que permite também reforçar o grau de desencanto com o mundo em Pascoaes ou com o marasmo da vidinha em O’Neill. O final deste «imaginário rodeo» é o poema e o seu legado, que tem tanto de lúdico, como de lúcido.
A fonte do desencanto, sendo a mesma, comporta um caminho que me levou a ler O’Neill como um oximoro de Pascoaes, e ambos, à sa façon, tradutores de Vergílio. E assim, recuando, avanço para a reunião de dois poetas, «segundo o método de Lagrange» (O’Neill, 2002: 12), isto é, dois extremos afins de uma função variável, o mesmo é dizer duas boas companhias a pontuar o romance universal da Poesia: Pascoaes e O’Neill.
[1] O’Neill admite ter acompanhado Pascoaes, algumas vezes, na volta do fim da tarde, em Amarante, afirmando que o poeta, de passo rápido e seco, abria com a bengalinha o caminho à bicada, murmurando coisas «possivelmente pedras, fragas, restos do Marão, por digerir...» (O’Neill, 2008: 19).
[2] Lembra Meirim que o projecto poético de O’Neill, «contido e deflacionado» na «atitude e no estilo» e encarado de forma austera no combate à hybris dos poetas, é reforçado pelo adjectivo «modesto», cuja designação ético-estética se pode encontrar na expressão «“minilupa poética máxima”», extraída da dedicatória patente na Obra Poética de Vinicius de Moraes (Meirim, 2018: 105).
[3] Se em Pascoaes existem «almas naturalistas», que «desejam/ a concordância pura com as coisas», e «almas poéticas» que «pretendem corrigi-las,/ Amoldá-las às formas irreais/ Dum sonho incompatível com o mundo» (Pascoaes, 1950: 43), também O’Neill vive «de acrescentar às coisas/ o que elas não são. Mas é por cálculo,/ não por ilusão.» (O’Neill, 2000: 270) Este último verso resgata a leitura de Amado sobre «prosaico» em O’Neill ser sinónimo de «matemático» (Amado, 2018: 191).
[4] Pascoaes teria sido «um dos seus primeiros poetas» (O’Neill, 2008: 18). Note-se que não só a mãe de O’Neill era amarantina, como também o Marão e o café do Belchior, «lugares» de Pascoaes, fizeram parte da vida do poeta e, por isso, ir para casa da bisavó materna, em Amarante, era para O’Neill «ir-à-terra» (Oliveira, 2024: 35). Porém, Pascoaes não surge mencionado nas preferências de leituras do Autor em 1944 (cf. O’Neill, 2021: 25), embora a ausência possa ser sinónimo de integração. Passados dez anos da morte de Pascoaes (1962), O’Neill, em colaboração com Francisco da Cunha Leão, edita Teixeira de Pascoaes. Antologia Poética, que abrange as obras iniciais e não suplanta o ano de 1925, sendo Vida Etérea e Regresso ao Paraíso as obras com maior incidência na antologia. Em 1978, por encomenda de Carlos Wallenstein, director da Companhia Nacional I – Teatro Popular, O’Neill e o poeta Armindo Mendes de Carvalho são convidados a recriar Jesus Cristo em Lisboa, obra escrita por Raul Brandão e Teixeira de Pascoaes. A peça estreou a 23 de Junho no Teatro de São Luiz e, poucas horas antes da subida do pano, O’Neill exclama gracilmente: «Ó Jesus Cristo, vem cá abaixo ver isto...» (O’Neill apud Oliveira, 2024: 280). No entanto, a depreciação crítica do espectáculo prendeu-se com a insubmissão dos autores face à «clave marxista da luta de classes, predominante no fazer teatral de então» (Nogueira, 2018: 100).
Bibliografia
Amado, Nuno (2018). «Enquanto os grilos periclitam, o poeta que se desenrasque». In E a minha festa de homenagem? Ensaios para Alexandre O’Neill. Organização de Joana Meirim. Lisboa: Tinta-da-China. 185-202.
Feijó, António M. (2020). «Teixeira de Pascoaes». In O Cânone. António M. Feijó, João R. Figueiredo, Miguel Tamen (eds.). Lisboa: Fundação Cupertino de Miranda. Edições Tinta-da-China. 479-488.
Frye, Northrop (1971). Anatomy of Criticism. Four Essays. New Jersey: Princeton University Press.
Lusitano, Leonel da Costa (1761). As Eclogas, e Georgicas de Vergilio, Primeira parte das duas obras, traduzidas de Latim em verso solto Portuguez, com a explicação de todos os lugares escuros, historias, fabulas, que o Poeta tocou, e outras curiosidades muito dignas de se saberem. Lisboa: Oficina de Miguel Menescal da Costa, Impressor do S. Oficio.
Martinho, Fernando J. B. (2018). «Alexandre O’Neill e Pessoa». In E a minha festa de homenagem? Ensaios para Alexandre O’Neill. Organização de Joana Meirim. Lisboa: Tinta-da-China. 23-35.
Martins, Fernando Cabral (2018). «À luz da ampola miraculosa». In E a minha festa de homenagem? Ensaios para Alexandre O’Neill. Organização de Joana Meirim. Lisboa: Tinta-da-China. 49-58.
Mayer, Ruy (1948). As Georgicas de Vergilio. Versão em prosa dos tres primeiros livros e comentarios de um agronomo. Colecção de livros agrícolas “A Terra e o Homem”. 10.ª Secção. A vida rural na arte e na literatura. N.º I. Lisboa: Livraria Sá da Costa.
Meirim, Joana (2018). «Animais modestos». In E a minha festa de homenagem? Ensaios para Alexandre O’Neill. Organização de Joana Meirim. Lisboa: Tinta‑da‑China, pp. 103-119.
Nogueira, Carlos (2018). «Alexandre O’Neill, poeta satírico?». In E a minha festa de homenagem? Ensaios para Alexandre O’Neill. Organização de Joana Meirim. Lisboa: Tinta-da-China. 59-74.
Oliveira, Maria Antónia (2024). Alexandre O’Neill. Uma biografia literária. 2.ª edição revista e aumentada. Porto: Assírio & Alvim.
O’Neill, Alexandre (2002). A Ampola Miraculosa. Romance [edição fac‑similada], posfácio de Pedro Proença. Lisboa: Assírio & Alvim.
________ (2000). Poesias Completas. Introdução de Miguel Tamen. Lisboa: Assírio & Alvim.
________ 2008). Já cá não está quem falou. Edição de Maria Antónia Oliveira e Fernando Cabral Martins. Lisboa: Assírio & Alvim.
________ (2021). «Diz-lhe que estás ocupado». Conversas com Alexandre O’Neill. Edição, organização e introdução de Joana Meirim. Lisboa: Tinta-da-China.
Pascoaes, Teixeira de (1975). O Empecido. Obras Completas de Teixeira de Pascoaes. Introdução e aparato crítico por Jacinto do Prado Coelho. XI Vol. V da Prosa. Amadora: Livraria Bertrand.
________ (1950). Versos brancos [VI]. F.R. 133; D3/4870. 53 f. Dact. S. João de Gatão.
________ (1962). Teixeira de Pascoaes. Antologia Poética. Selecção de Francisco da Cunha Leão e Alexandre O’Neill. Colecção Poesia e Verdade. Lisboa: Guimarães Editores.
Tamen, Miguel (2018). «A publicidade». In E a minha festa de homenagem? Ensaios para Alexandre O’Neill. Organização de Joana Meirim. Lisboa: Tinta-da-China, pp. 157-167.