Setúbal — Uma nova cidade na alvorada do século XXI e alguns dos seus desafios

 

As memórias de uma outra Setúbal, uma que contrasta com a actual, são bastante simples de relembrar para quem, como eu, nasceu no início de década da 90 do século XX. Esta outra cidade era marcada por uma decadência do ponto de vista urbanístico, existindo de forma mais ou menos transversal uma evidente degradação das infraestruturas. Do mesmo modo, sentia-se o início do impacto da derradeira queda da secular indústria conserveira e do encerramento das suas fábricas, mantendo-se as chaminés no horizonte paisagístico em zonas como a das Fontainhas.

Com a ascensão política da coligação da CDU (Partido Comunista Português / Partido Ecologista «Os Verdes») e a crescente acção das «forças vivas» locais no início do presente século, a transição para a modernidade tem decorrido lentamente, mas de forma clara até para o olho mais destreinado. A obtenção de financiamento dos fundos estruturais europeus possibilitou a renovação e reabilitação de ruas, estradas, edifícios, monumentos e espaços verdes, surgindo uma Setúbal aberta ao seu rio Sado, à sua serra da Arrábida e, principalmente, convidativa aos milhares de turistas que por aqui têm passado nas mais recentes épocas balneares. Hoje, enquanto setubalense que vive intensamente a história e a evolução da sua terra, sinto-me cada vez mais preenchido com as condições ambientais, infraestruturais e culturais que nestes últimos anos têm sido proporcionadas ao que aqui vivem. Como exemplo, devo salientar projectos de cariz ecológico, os renovados e melhorados espaços museológicos, ou locais para a divulgação das diferentes artes. A vida quotidiana em Setúbal oferece contacto com a Natureza, cultura, óptima gastronomia, lazer e oportunidades diversificadas para quem a visita.

Não obstante estes aspectos, abordados superficialmente e cujo principal propósito é cortar com a imagem de uma Setúbal decadente e salientar a sua modernidade, é preciso reflectir sobre as duas principais lógicas que considero que contribuem seriamente para o envelhecimento da população sadina e a «desertificação» para meios urbanos maiores: os transportes e o emprego. Os transportes públicos locais, monopolizados pela T.S.T. (Transportes Sul do Tejo) e pela Fertagus, são caracterizados, primeiramente, pelos elevados preços apresentados aos clientes e, simultaneamente, pela reduzida oferta de viagens a partir das 20h00 um pouco por todas as freguesias. Ainda que entre 2005 e 2008 tenha ocorrido uma renovação da frota nos autocarros, estes continuam sem o conforto suficiente para os utentes e as carreiras não ligam verdadeiramente a cidade às zonas rurais. Como estudante universitário e trabalhador em Lisboa, os transportes para a capital são altamente deficitários, caros e demorados. Milhares de setubalenses percorrem diariamente cerca de 90 km pela A2 com destino a Lisboa, e o cuidado com o valor acrescentado que dão à cidade deveria ser reconsiderado.

No plano do emprego, a história não é nova. Depois de cerca de noventa anos (1880-1970) como um dos epicentros nacionais da migração interna, a crise industrial e a terciarização do sistema económico têm dificultado a fixação territorial das populações. Apesar de o concelho ter crescido dos 113.934 (Censo 2001) para os 121.185 habitantes (Censo 2011), Setúbal tem envelhecido e milhares de jovens da mesma geração que a minha têm procurado a sorte em Lisboa ou Porto e noutros países, nomeadamente França, Inglaterra, Suíça ou Alemanha. A fraca capacidade de absorção de licenciados ou mestres nas diversas áreas, bem como a reduzida oferta de emprego que não seja considerado «precário» são de capital importância para entender este problema que, em grande medida, se passa noutras regiões do país.

Na «Era da Globalização», o que quer que isso signifique, é urgente recuperar a ligação umbilical ao território a que pertencemos e repensar que Setúbal estas gerações de 90 e os millennials desejam para os seus filhos. O futuro aproxima-se a passos largos e, mesmo que tenhamos chegado tarde ao século XXI, os setubalenses e os que aqui residem têm de reflectir sobre conceitos como cidadania e a sua relação com o local onde habitam.

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