Mata de arbustos cavada e mutilada em St. James’s Park. Desenhado no Inverno de 1879.

Mata de arbustos cavada e mutilada em St. James’s Park. Desenhado no Inverno de 1879.

Durante o período de Inverno, ou mesmo noutras estações, uma das coisas mais melancólicas que se vê nos nossos parques e jardins são as longas, despojadas e despidas matas de arbustos, prolongando-se em certos locais, como em Bayswater Road, para lá de um quilómetro; o solo untuoso, negro, enrugado com as raízes mutiladas dos pobre arbustos e árvores; que não ficam melhor, mas antes muito pior, com o cruel cuidado anual de arrancar os rebentos sem restituir qualquer nutriente ou benefício ao solo. Culturalmente, todo o procedimento é suicida, quer para árvores quer para plantas. O simples facto de homens terem de passar por dentro de uma dessas matas de arbustos a cada Outono e, como dizem, «podar», e de outras formas cuidar dos pobres arbustos e árvores baixas, leva a isto, e especialmente com os arbustos, que ficam com o aspecto de vassouras invertidas. Assim, comete-se um duplo erro e com grande dispêndio de mão-de-obra. Qualquer vida interessante que possa existir no solo é destruída e todo o aspecto da mata torna-se hediondo do ponto de vista da arte; qualquer bom cultivo de flores ou arbustos perenes arruinado ou tornado impossível. Este é um sistema ortodoxo, que nos chegou de outros tempos, sendo a opinião geral que o mais correcto a fazer no Outono é cavar a mata. A abolição completa deste sistema, e a adopção do que será em breve apresentado, levaria à mais feliz revolução alguma vez levada a cabo na jardinagem, e seria uma forma muito simples e prática de acabar com as vassouras invertidas, com a desordem-estrangulada da mata e com estes horrendos desperdícios de solo negro e raízes mutiladas.

Duas ideias devem estar seguras no espírito do renovador, uma sendo a de permitir que todos os belos arbustos assumam as suas formas naturais, quer isolados ou agrupados, com espaçamento suficiente para permitir o seu crescimento natural, para que a mata possa, na época da floração, ou na verdade o ano todo, ser o melhor tipo de estufa — mesmo um belo jardim de inverno, com os ramos de quase todos os arbustos a tocar no chão, sem mutilações visíveis e sem valas cavadas em torno dos arbustos. Este último melhoramento pode facilmente ser conseguido com a formação de uma margem natural, por assim dizer, rompendo com o habitual limite rígido através da boa plantação; permitindo, na realidade, que o limite seja estabelecido por arbustos bem providos que se projectam para lá da linha rígida e que avançam e recuam como o fariam num matagal de uma colina ou como fazem às vezes os buxos nas colinas do Sussex. Aqui, esmero, variedade de escolha, gosto e traquejo no agrupamento, de forma a permitir que diferentes tipos, quer isolados, em conjuntos ou em pequenas moitas, estejam numa posição em que possam crescer bem e de maneira benéfica, levaria aos resultados mais encantadores no jardim ao ar-livre. Com preparação inicial conveniente, tais matas seriam motivo de poucas arrelias posteriores.

Ora, esta beleza poderia ser alcançada sem ajuda adicional de outras plantas; e em muitos casos poderá ser desejável considerar as árvores e os arbustos e somente o seu efeito, e deixar a erva espalhar-se entre estes; mas temos o privilégio de adicionar a este belo ambiente de árvores e arbustos um outro mundo de beleza — os bolbos e as herbáceas, e inúmeras coisas belas que compõem a flora do solo, digamos assim, dos países temperados e do Norte e que na época de floração iluminam o mundo com graça em prados, matagais ou pastos rurais ou alpinos. A superfície que é cavada e desperdiçada em todos os nossos parques, e em incontáveis jardins, deveria ser ocupada por esta vida; não à deplorável maneira antiga do canteiro misto, com cada planta presa a um pau, mas com as plantas em grupos e colónias entre os arbustos. Nos espaços onde a erva não crescesse ou onde fosse problemático mantê-la regada teríamos lírios, narcisos, tremoceiros, salgueiros franceses, anémonas-do-japão ou qualquer uma das dezenas de coisas amorosas para as quais não conseguimos hoje encontrar lugar nos nossos austeros jardins. O solo que hoje pouco trabalha, e ao qual todos os anos se arrancam sem misericórdia as raízes de árvores, aguentaria um sem-número de plantas encantadoras. A necessidade de permitir espaço abundante para arbustos e árvores, quer jovens ou desenvolvidos, permite-nos algum espaço de manobra, que pode ser ocupado com daninhas se não cuidarmos dele. A solução, então, é substituir as daninhas por flores bonitas e permitir que algumas belas plantas resistentes do hemisfério norte ocupem cada pequeno espaço, mantendo-o limpo por nós e, ao mesmo tempo, retribuindo-nos com floração abundante, boa folhagem ou hábito. Este sistema permite em primeiro lugar que os próprios arbustos cubram o solo numa extensão maior. Hoje, nos parques de Londres, todas as matas de arbustos estão podadas por baixo para permitir que o cavador as possa alcançar; e isto leva às mais cómicas e infames formas algumas vez vistas nas matas. Mesmo os lilaseiros, que vemos tão rígidos, cobrirão o chão com os seus ramos se lhes for dado espaço; assim sendo, em grande medida, deveríamos ter os próprios ramos a cobrir o chão em vez do que agora observamos. Mas espaços abertos, pequenas clareiras e carreiros por entre as matas são absolutamente cruciais se queremos apreciar por inteiro o que deveriam ser os encantadores habitantes das nossas matas de jardim. Estas aberturas oferecem excelentes abrigos para flores resistentes, muitas das quais florescem melhor em locais sombrios do que em espaços abertos, enquanto o efeito das flores é incomensuravelmente intensificado pela folhagem das árvores em redor. Para executar com eficiência este plano, deveríamos ter desde logo, se possível, uma boa selecção de arbustos, embora a mais singela mata, que não esteja demasiado coberta de vegetação ou sobrelotada, possa ser embelezada com plantas de solo resistentes. O plano pode ser adoptado para as novas matas que se estão a formar ou para as mais antigas; embora as mais antigas estejam frequentemente tão secas e sobrelotadas que se teriam de fazer grandes alterações aqui e ali. No caso das matas novas é necessário, naturalmente, começar por manter superfície em aberto durante algum tempo até os arbustos tomarem conta do chão; depois as colónias interessantes a que aludi podem ser plantadas.

Colónia de anémonas-do-japão numa mata de arbustos não cavada. Anémonas a ocuparem o espaço das daninhas e da terra deserta.

Colónia de anémonas-do-japão numa mata de arbustos não cavada. Anémonas a ocuparem o espaço das daninhas e da terra deserta.

Algo essencial será abolir por completo o antigo princípio do pontilhado do canteiro misto, como sendo sempre feio e pérfido de um ponto de vista cultural. Em vez de enfiar uma série de coisas num local, com muitas etiquetas, e a distribuí-las de trás para a frente, de forma a garantir o tipo de arranjo o mais rígido possível, a maneira correcta é ter em cada espaço vastas colónias ou grupos de um ou mais tipos. Aqui fica uma pequena clareira, por exemplo, com a erva a entrar por ela, um belo azevinho emplumado pela erva formando um promontório e um bérberis perene a estender-se, com as suas folhas finas também a tocar o chão, formando outro. A erva que passa entre estes dois começa a ser colonizada por pequenos grupos de narcisos-dos-poetas e depressa a erva transforma-se num prado ondulante destas belas flores e das suas compridas folhas acinzentadas. Chamam a atenção entre os outros arbustos e talvez dirijam o olhar para uma outra colónia de flores completamente distintas mais atrás — uma borragem precoce e encantadora, digamos, com as suas belas flores azul-claras, também numa colónia que alastra. Alguns podem dizer: «As suas flores de narciso só duram algum tempo; como as substituímos?» A resposta é que ocupam, e embelezam de forma graciosa, um local que estava completamente despido, e pior do que despido, e assim sendo defendemos que os nossos narcisos deveriam ser vistos em todos os estágios de germinação, floração e decomposição sem serem apressados para fora do mundo assim que as belas flores acabam, como acontece quando estão num canteiro ou numa estufa. Vale a pena plantá-los nem que seja só por assegurarmos esta bela característica da vegetação onde antes tudo estava mais do que perdido. Também asseguramos muitas flores de corte sem perturbar os recursos naturais do jardim.

Podemos avançar para outro, o do lírio-roxo, ocupando não só um canteiro, mas um talhão inteiro; pois estes nossos enormes parques de Londres têm hectares e hectares entre esta oleosa terra cavada que devia brilhar com flores; e, assim sendo, uma bela planta pode ser vista numa vasta extensão. E como é mais simples para o jardineiro ou cultivador ter de lidar com uma num local em vez de se atormentar com centenas de pequenos «pontos» de flores — plantas alpinas, rupícolas, lenhosas, de matagal ou de prado — todas misturadas nessa maldita sopa habitualmente chamada «canteiro misto»! No que propomos, não devem ser usadas plantas que precisem de estacas. Os lírios-amarelos, por exemplo, são boas plantas. Numa ousada clareira que belo efeito poderíamos obter plantando uma colónia destes no seu interior; podíamos nomear dezenas de plantas, que não precisam de estacas, para estes locais. Tendo cada planta o espaço suficiente e formando a sua própria colónia, haverá muito menos dúvidas no caso de alterações ao que deve ser feito. Na realidade, no caso de um cultivador inteligente, não haverá qualquer dúvida. Observem-se as vantagens deste plano. Em vez de se verem as mesmas plantas por todo o lado, passamos dos narcisos para os lírios, dos lírios para os jacintos e assim encontramos diferentes tipos de vegetação em cada parte do parque ou do jardim, ao invés da monotonia incessante de alfena e das longas fileiras soturnas de «malmequeres» por todo o lado. O mesmo tipo de variedade do sugerido para as flores deveria ser observável entre os arbustos. A mistura do cultivador triste — alfena, loureiro, etc. — que retira toda a cor, vida e charme da mata, deve ser evitada; da mesma forma, também, os assuntos botânicos opressivos, com tudo etiquetado e as plantas no exterior classificadas como se estivessem num herbário. Devem ser colocadas onde fiquem melhor e possam crescer bem. Bem executado, este sistema começaria por exigir trabalho e, acima de tudo, gosto; mas acabaria por compensar pela criteriosa remoção de daninhas intrusas. O trabalho que se consome agora a cavar e a mutilar uma vez por ano, e a limpar noutras alturas do ano, seria facilmente, segundo o plano proposto, suficiente para uma área muito mais extensa. Seria decerto requerida mais inteligência. Qualquer homem ignorante pode cavar e mutilar um arbusto e arrancar um lírio branco se se cruzar com ele! Mas uma pessoa ensinada a distinguir entre as nossas rústicas daninhas nativas e as belas plantas que queremos plantar, com passagens ocasionais, manteria tudo a salvo.

A uma escala maior, nos parques de Londres, este plano seria impossível de implementar sem um viveiro; isto é, aquilo de que necessitamos deveria existir em tal abundância que concretizar o tipo de características que sugerimos deveria ser fácil para o superintendente. Os hectares e mais hectares de solo negro deveriam eles próprios permitir aqui e acolá um pouco de espaço onde as muitas plantas perenes adaptadas a este tipo de jardinagem pudessem ser colocadas e reproduzidas. Isto, supondo que uma necessidade real dos jardins públicos de Londres — um amplo e bem-gerido viveiro ao ar livre — nunca será concretizada: o desperdício de ter de se comprar tudo o que é preciso — mesmo as coisas mais básicas — é um obstáculo dispendioso para os nossos jardins públicos de Londres. Deveria haver pelo menos 40 hectares de viveiros para o plantio e replantação dos parques de Londres. Da mesma maneira, também, deveria haver mão-de-obra inteligente para concretizar este plantio inteligente; e com o agora despertado gosto por alguma variedade no jardim, temos a certeza de que em poucos anos haverá uma casta de jovens inteligentes que sabem um pouco sobre as plantas que crescem nos países do Norte e cuja visão intelectual não começa e termina no canteiro debruado.

O tratamento da margem da mata é um ponto muito importante aqui. Actualmente é rígido — os arbustos e as árvores podadas e um canteiro desagradável a percorrê-la a direito, talvez mesmo com um rebordo em tijolo. Bem, a forma correcta é ter uma margem fragmentada, deixar os arbustos entrarem e saírem por si e permitir que formem eles a margem; deixem-nos chegar de facto ao chão, não retesados, e aqui e ali expandirem-se para lá da fronteira comum, num pequeno aglomerado. Acabe-se de vez com os montes de alfena atrofiada e de loureiro podado e deixe-se que a erva cresça entre um grupo de boas árvores onde estas estejam. Esta mesma erva pode ser salpicada na Primavera por campânulas e flores primaveris; na verdade, nada seria mais fácil para uma pessoa inteligente, que conhecesse e se preocupasse com as árvores e com os arbustos, do que mudar a monótona parede da mata no mais encantador jardim ao ar-livre; abundante de vida encantadora, dos pendões vermelhos dos bordos mais altos às flores na erva para as crianças.

Colónia de flocos de neve de Verão na margem de uma mata de arbustos.

Colónia de flocos de neve de Verão na margem de uma mata de arbustos.

* Tradução de Telmo Rodrigues do Capítulo XIII de The Wild Garden (William Robinson, 1883).

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