Elisa Fauth*

O livro Mulheres e Associativismo em Portugal, 1914-1974, organizado por Anne Cova, Vanda Gorjão, Ana Isabel Freire, Ana Costa Lopes e Natividade Monteiro é resultado do projeto de investigação homónimo, financiado pela Fundação de Ciência e Tecnologia (FCT). Este compêndio reúne as comunicações apresentadas pela equipa do projeto em sua conferência final. Tendo como contributo inovador a interdisciplinaridade, apresenta análises históricas e sociológicas do associativismo feminino em Portugal ao longo do século XX, examinando minuciosamente o funcionamento das organizações femininas e explorando aspetos biográficos de várias das suas dirigentes. A obra está dividida em três partes: as «Associações fundadas entre 1914-1919», com cinco capítulos; as «Associações de oposição ao Estado Novo criadas entre 1935 e 1973», com dois capítulos; e as «Associações nascidas na década de 1960 e em atividade no 25 de Abril de 1974», com dois capítulos.

Ao aprofundar investigações sobre associações femininas e feministas que não haviam recebido a devida atenção da academia, este trabalho preenche uma lacuna historiográfica e amplia os estudos já consolidados sobre o associativismo feminino, como os de Irene Pimentel (2000) e Vanda Gorjão (2002). Mais do que isso, contribui para diminuir o fosso existente entre a história política e as análises a partir da perspetiva de género. Ao longo da obra, emergem temas transversais, como a análise das redes de colaboração e atuação femininas, os processos de sociabilidade e o papel do associativismo no acesso das mulheres aos espaços públicos e à inserção social. O estudo do associativismo também se reflete na escrita conjunta de alguns de seus capítulos, evidenciando o trabalho desenvolvido no projeto.

A obra inicia com três contributos que se debruçam sobre o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP), destacando sua história e seu papel preponderante no desenvolvimento do associativismo feminino na primeira metade do século XX. O capítulo «Mulheres e associativismo: algumas agremiações federadas no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1914-1947)», de Anne Cova, João Esteves e Ana Isabel Freire, apresenta a história do CNMP e sua estratégia federativa inspirada no International Council of Women (ICW). Apesar dos diagnósticos das dirigentes da falta de cooperação entre as mulheres portuguesas, os autores abordam o desenvolvimento do Conselho e como ele apoiou e incentivou a criação de associações femininas e mistas durante seus 33 anos de funcionamento. A partir da análise da Tuna das Costureiras de Lisboa, do Grémio dos Professores Primários Oficiais, d’Os Recreatórios Post-Escolares, da Caixa de Auxílio a Estudantes do Sexo Feminino, da Associação das Mulheres Universitárias em Portugal e do Ginásio Feminino de Portugal, os autores identificam os distintos campos de atuação destas entidades, que abrangiam desde a educação, a filantropia, a saúde e o desenvolvimento profissional. Devido à pluraridade de associações vinculadas ao CNMP, os investigadores elucidam os principais desafios enfrentados pelas mulheres na busca pela emancipação durante o período em questão, bem como as estratégias delineadas pelas integrantes para superá-los.

Posteriormente, a «Análise exploratória de redes e perfis de dirigentes do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1914-1947)», conduzida por Raquel Rego, Anne Cova, João Esteves e Ana Isabel Freire, adota uma abordagem metodológica inovadora, valendo-se da Análise das Redes Sociais (ARS), com o auxílio do software UNICET, e da Análise das Correspondências Múltiplas (ACM) por meio do software SPSS. Através destas ferramentas analíticas, os investigadores identificam uma densa rede social que fomentou um elevado grau de cooperação entre as dirigentes do CNMP, evidenciando o papel fundamental dessa associação como uma rede efetiva de interações eficazes. Além disso, a investigação dessas redes permitiu a identificação dos perfis das dirigentes, como o grupo de mulheres maçónicas presentes na primeira fase do CNMP, e apresentar novos horizontes de pesquisa sobre as associações femininas portuguesas ao revelar os contatos e conexões estabelecidos por essas mulheres.

A análise do órgão de propaganda do CNMP é empreendida por Célia Costa no capítulo «O Conselho Nacional da Mulheres Portuguesas: uma organização feminista». A autora propõe uma nova interpretação para o encerramento do Conselho após 33 anos de atividade. Para a autora, a longevidade da associação – mesmo após a instauração da Ditadura Militar e do Estado Novo – justifica-se pela mobilização das mulheres através da propaganda escrita que não fazia apelo à mobilização das mulheres no espaço público. Ao analisar os periódicos e as atas de reuniões das sócias do CNMP, a autora argumenta que o encerramento da associação não pode ser compreendido como uma consequência natural do desenvolvimento da política salazarista, mas que deve levar em consideração a atuação da sua última dirigente – Maria Lamas – e seu envolvimento com o movimento antifascista, movimento este que se sobrepôs ao do feminismo.

Ainda na primeira parte do livro, as «Associações de mulheres fundadas durante a Primeira Guerra Mundial» foram objeto de investigação de Natividade Monteiro. A autora examina a história e a atuação da Comissão Feminina «Pela Pátria», da Cruzada das Mulheres Portuguesas, do Núcleo Feminino de Assistência Infantil e da Assistência das Portuguesas às Vítimas da Guerra, destacando como a fundação e a afiliação a essas associações permitiram às mulheres novas formas de inserção e intervenção social, conferindo-lhes responsabilidades, autonomia e também espaços de troca. A investigadora destaca a formação de enfermeiras como uma das principais iniciativas dessas associações, não apenas suprir as necessidades urgentes em tempos de guerra, mas também como uma estratégia para conquistar uma profissão que fosse útil em períodos posteriores. Essa iniciativa, embora estivesse associada ao cuidado, tradicionalmente vinculado ao espaço doméstico, conferiu reconhecimento social e político às mulheres envolvidas na atividade, conforme argumenta a autora.

Encerrando esta seção, o capítulo escrito por Ana Costa Lopes sobre a Associação das Antigas Alunas do Instituto de Odivelas (AAAIO) analisa as razões para a criação dessa associação. Estabelecendo paralelos entre o que se passava na sociedade portuguesa no período e as transformações sociais e políticas do país desde a sua criação, a história da AAAIO é analisada detalhadamente demonstrando como a participação neste tipo de associações promovia o envolvimento das associadas em atividades de gestão e o desenvolvimento de competências que não eram comumente permitidas às mulheres.

A segunda parte da obra aborda os estudos concernentes aos movimentos femininos em oposição ao Estado Novo, como é o caso da «Associação Feminina Portuguesa para a Paz», analisada por João Esteves. A partir do levantamento das afiliadas e da dinâmica de suas interações, o autor demonstra a dimensão política da associação e sua conexão com a resistência antifascista. A análise das redes de cooperação permitiu ao investigador identificar o papel colaborativo das mulheres nos movimentos de resistência, as quais, de outra forma, seguiriam invisibilizadas pela historiografia. O capítulo inova ao utilizar as redes das associadas para identificar sua atuação nos movimentos antifascistas e deixa abertas novas possibilidades de investigação na área.

Por sua vez, «As organizações de mulheres nos movimentos de oposição ao Estado Novo», fundadas a partir de 1945, foram analisadas pela investigadora Vanda Gorjão. Ao desvelar o envolvimento das mulheres nas atividades de oposição ao regime, a autora demonstra as particularidades do associativismo feminino, tais como estruturas menos hierarquizadas e a presença de revindicações marcadas pelo que hoje entendemos como recorte de género. A autora evidencia ainda como a participação nestes espaços contribuiu para uma sobreposição de espaços sociais com a passagem da atuação feminina do espaço privado para o público. Para além disso, Gorjão evidencia o conservadorismo dos companheiros de oposição que subalternizavam as organizações femininas, conferindo-lhes um estatuto inferior e subordinado.

As associações nascidas na década de 1960 constituem o foco dos capítulos que encerram esta obra. O «Movimento Nacional Feminino» (MNF) é objeto de análise de Sílvia Espírito Santo, que buscou desconstruir a imagem estigmatizada, muitas vezes marcada por visões deterministas da história ainda quente - de que o grupo se limitava a ser um passatempo de senhoras. A autora demonstra a diversidade das atividades de apoio à guerra colonial desenvolvidas pelo MNF, visando proporcionar algum alento àqueles que lutavam na guerra. O capítulo apresenta uma abordagem inovadora por apresentar a mobilização de apoio à preservação e defesa das colónias, área de estudos incipiente do que diz respeito aos movimentos de mulheres.

Utilizando entrevistas e fontes impressas, Manuela Tavares analisa como o «Movimento Democrático de Mulheres» (MDM) se relacionava com a luta antifascista, as demandas feministas do período e a perceção dos movimentos pelos seus companheiros dos movimentos de oposição. O estudo aponta como os setores de oposição ao Estado Novo secundarizavam as lutas de emancipação das mulheres ao priorizar a luta antifascista. A autora aponta como a esquerda privilegiava as questões de classe em detrimento das questões feministas, o que fez com que as associadas ampliassem sua consciência política para exigir a atenção às reivindicações e experiências específicas das mulheres.

Esta obra representa uma contribuição significativa para a compreensão do papel desempenhado pelas mulheres na sociedade portuguesa, desde a instauração da República até os momentos finais do Estado Novo. Ao introduzir novas perspetivas e metodologias de investigação, a obra amplia as possibilidades de análise e oferece novos horizontes de pesquisa não só na área do associativismo, como também da atuação política feminina. Ao apresentar uma visão abrangente da participação feminina em diversos setores da sociedade portuguesa, as investigações desenvolvidas contribuem para superar a suposta dicotomia do público e do privado, muitas vezes associada à História das Mulheres.

Bibliografia:

Gorjão, Vanda. Mulheres em Tempos Sombrios: Oposição feminina ao Estado Novo. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2002.

Pimentel, Irene. A História das Organizações Femininas durante o Estado Novo. Lisboa: Círculo de Leitores, 2001.

* Centro de História da Universidade de Lisboa. DOI 10.54499/UI/BD/152084/2021. E-mail: elisa_fauth@hotmail.com

REFERÊNCIA:

Anne Cova, Vanda Gorjão, Isabel Freire, Ana Costa Lopes, Natividade Monteiro (org.). Mulheres e Associativismo em Portugal, 1914-1974. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2022.