Helena Craveiro
Guilherme Berjano Valente

Gostamos deste livro porque tem comentários a poemas que nos fizeram começar a gostar desses poemas. Gostamos dele, também, por ser um livro escrito por pessoas que gostam de passar tempo a pensar sobre poesia.

Florilégio (2023), organizado por Maria Sequeira Mendes, Joana Meirim e Nuno Amado, é um livro que pode ser categorizado como um livro de crítica de poesia. Nele, várias pessoas escrevem sobre poemas de que gostam, destacando coisas que nos poderiam passar despercebidas. As leituras dos autores são leituras de close reading – como dizem os organizadores, «não há maneira de lê-los [poemas] que dispense um esforço de aproximação» (p. 14) –; nestas, descrevem-se pormenores e questões ínfimas dos poemas, levando a leituras possivelmente mais corretas do que leituras gerais que, tipicamente, taxam o poema com uma categoria, simplificando-o e ignorando as suas partes, tornando-o numa réstia. Assim, este é um livro de poemas especial, pois não só é um livro em que não há um nexo lógico entre os poemas escolhidos, a não ser o gosto de cada crítico, como também é um livro que se recusa a fazer leituras gerais e banais, tornando-se assim num bom livro de poesia para todos.

O facto de ser escrito por pessoas que gostam de passar tempo a pensar sobre poesia poderia levar à ideia de que este seria um livro difícil sobre poesia – ou seja, onde a linguagem fosse necessariamente obscura. No entanto, ao contrário da crença geral, as pessoas que gostam de poesia não gostam de ser muito complicadas (e, quando dizem coisas obscuras, ou é sem querer, ou por não terem o que dizer). Notemos que, para se falar de poesia, deve-se ser claro, pois o objetivo é que as pessoas com quem falamos nos compreendam. Assim, este livro tenta ser sempre claro, evitando idiossincrasias linguísticas que tornam o texto obscuro, de forma que qualquer leitor curioso o possa ler sem dificuldades.

Este livro também nos deixa confortáveis com a ideia de que os poemas não são problemas de matemática, ou seja, que não há uma solução correta sem a qual o poema não é compreendido. É possível que um poema tenha múltiplas leituras e que nenhuma delas apresente uma resolução; também é possível que todas afirmem que têm a solução final, mas, mais interessante do que isto, é o facto de ser possível que nenhuma leitura faça sentido e que nos encontremos sempre num estado de estranheza para com o poema e, por vezes, permitir essa sensação é um modo igualmente válido de se ler poesia. Como diz Frederico Pedreira, por vezes parece que estamos a «ler o poeta como se apanhássemos uma conversa a meio» ou mesmo olhando cuidadosamente de olhos semicerrados para poemas e aceitar que estes, por vezes, insistem em ser como «uma mão que acena ao longe…, mas não sabemos porquê nem para quê.» (p. 89) E, envergonhados, acenamos de volta, com tudo o que experienciamos e com tudo aquilo que conhecemos, pois ler poesia não é uma coisa neutra em que, como tábuas rasas, palavras nos são dirigidas. Assim, trazemos sempre algo da nossa vivência para a interpretação que fazemos.

Percebemos, ao fim de algumas páginas, que não há propriamente um método para interpretar poemas. O que parece acontecer é que o poema tem aspetos que chamam a nossa atenção e são estes que queremos mostrar nas nossas leituras, daí a frase que dá início a muitos destes textos interpretativos: «Gosto deste poema porque...». Vemos que, para Miguel Tamen, «A qualidade da nossa relação para com um poema depende do modo como conseguimos chamar a atenção para aquilo que nele nos parece meritório» (p. 169), logo, não há qualquer método. Isto, portanto, vai ao encontro do formato do livro, ou seja, uma antologia que se rege por gosto e não por método rígido de seleção de poemas. Ler bem, então, é ter a perceção de que nunca chegaremos a uma conclusão absoluta sobre o poema, pois cada leitor irá ver nele coisas que nos escaparam. Isto faz com que ler seja um trabalho de grupo, ao mesmo tempo que é uma atividade solitária, incentivando a relação saudável de discordar e concordar de outros e de nós mesmos no que toca a interpretações. A leitura torna-se numa espécie de conversa, em que a crítica é a reação de cada leitor ao poema, destacando alguns aspetos nele, contando-se aos seus pares aquilo que encontrou. É de notar que o crítico não escreve para si mesmo: ele tem um objetivo que por norma é convencer outros leitores, pois ele, crítico, já não precisa de ser convencido do que encontrou no texto; o seu trabalho é mostrar aos outros as coisas que para ele são claras. Este livro mostra, assim sendo, que não são necessárias formas obscuras e especiais para se falar de poemas.

Por fim, na crítica de Madalena Tamen à letra «Era um redondo vocábulo», de José Afonso, acrescenta-se uma nova dimensão à nossa percepção de poesia: a dimensão musical. Além disso, a autora faz uma excelente observação de um outro caso em que não sabemos com exatidão o que se passa num poema (ou letra). No início de Florilégio, temos um simpático «Appendix» (p. 18) que nos recomenda algumas perguntas que podemos fazer a poemas, mas como diz a autora, por vezes não há perguntas porque não há propriamente nada a decifrar. Mais uma vez, tropeçamos na conclusão de que «perceber um poema ou uma letra não passa por encontrar uma resposta certa ou uma correspondência com a realidade» (p. 148). O que acontece é que os poemas nos deixam com uma sensação de estranheza, um calafrio, emoções por vezes contraditórias como maravilha e frustração (ao mesmo tempo), uma imagem nova ou que invoca outra que já nos é familiar. Por vezes, poemas são isto: coisas estranhas que nos fazem sentir e pensar. Ou, como diz Madalena Tamen, «coisas capazes de transformar as imagens e as ideias que trazemos connosco no momento em que os encontramos» (p. 148).

Nota: os autores escrevem conforme o Acordo Ortográfico de 1990.

REFERÊNCIA:

Mendes, Maria Sequeira, Joana Meirim, Nuno Amado (Org.). Florilégio. Lisboa: não edições, 2023.