João Pedro Vala
Antes de lermos o terceiro volume da trilogia que Marylinne Robinson agora conclui tudo o que sabíamos acerca de Lila era apenas que tinha criado uma certa empatia com Jack, o filho pródigo do reverendo Robert Boughton, e que se casara com o pastor John Ames, depois de, num dia de chuva em que “there was no other doorway for her to step into” (página 11), ter entrado na Igreja onde Ames pregava. A narrativa desloca-se assim para o lado e alternadamente para a frente e para trás, contando-nos não só a história de Lila e John Ames mas também o que se passou com Lila antes de chegar a Gilead.
João Pedro Vala
No segundo volume da trilogia acerca da vida em Gilead, Marilynne Robinson desloca o centro da acção de casa do pastor John Ames para a casa do reverendo Robert Boughton, tirando da sombra personagens que, em Gilead, permaneciam obscuras, ao mesmo tempo que prepara o volume final, ao adensar o mistério à volta de Lila, a mulher de John Ames.
JOÃO PEDRO VALA
Marilynne Robinson é uma escritora e ensaísta congregacionalista norte-americana, nascida no estado de Idaho. Além da trilogia sobre a vida em Gilead, da qual Gilead (vencedor do Pulitzer Prize for Fiction e do National Book Critics Circle Award de 2005) é o primeiro volume, Marilynne Robinson é autora de Housekeeping (1980) e de vários livros de ensaios, tendo ainda escrito uma tese de doutoramento sobre Henry VI, Part II de Shakespeare. O romance Gilead foi publicado em Portugal pela Difel em 2006, com o título Ao Meu Filho.
JOÃO PEDRO VALA
Na última cena do filme, Jep Gambardella (Toni Servillo) tem uma epifania, em tudo semelhante ao episódio final de Em Busca do Tempo Perdido, que lhe revela finalmente a grande beleza que procurava e lhe permite começar a escrever o seu segundo romance, sucessor deL’Apparato Umano. Gambardella, ao ter um vislumbre do esplendor da sua juventude, compreende que a vida se esconde debaixo das conversas sem significado e que o silêncio e o medo só podem ser vislumbrados fugazmente por entre o ruído. Compreende que há um manto de banalidade que cobre a sua vida e o impede de ver os “clarões de beleza insignificantes e inconstantes […], a miséria desgraçada e o homem miserável”. Mas a parte mais importante da epifania é enunciada logo no início: “Finisce sempre così. Con la morte”.
João Pedro Vala
Não é possível ler um diário de preces sem sentirmos a necessidade de descalçar as nossas sandálias. Este Um Diário de Preces, escrito por Flannery O’Connor (1935-1964) aos vinte anos de idade e traduzido agora para português pela Relógio d’Água, acompanhado de um fac-símile do caderno original, é em muitos momentos difícil de compreender, não só por culpa das várias páginas rasgadas pela escritora, mas essencialmente por ser uma conversa entre ela e Deus, uma conversa em que entramos forçosa e violentamente a meio; uma conversa para a qual, aliás, não fomos sequer convidados.