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Rodrigo Cruz Silva

249. Leos Carax, C'est pas moi

249. Leos Carax, C'est pas moi

Rodrigo Cruz

«Work in Progress» é a frase que abre o primeiro plano do novo filme de Leos Carax, fingindo ser um aviso à navegação. Depois de um ponto de interrogação se sobrepor a esta imagem inicial, compreendemos o falso dilema: o filme está feito, «Work is Done», respondemos nós. Quer tenha ou não cumprido a encomenda do Museu Pompidou, que lhe pediu um filme-retrato capaz de responder à pergunta: «Leos, où êtes-vous?» («Leos, onde é que você está?») — o resultado é, inevitavelmente, um auto-retrato. Tudo é familiar para quem conhece a sua obra, mas, desta vez, Carax esconde-se menos — afinal, o tema é ele próprio. Talvez por isso tente desprender-se desse reconhecimento já no título, como que envergonhado. «Oui, ce n’est pas toi, mais c’est à toi» («Sim, não és tu, mas é teu»), respondemos nós.

232. Pedro Costa, As Filhas do Fogo

232. Pedro Costa, As Filhas do Fogo

Rodrigo Cruz Silva

A frase «Um dia saberemos porque vivemos e porque sofremos» sobressai no filme mais recente de Pedro Costa[1] e poderia ser escutada em qualquer uma das suas obras. Em As Filhas do Fogo, em vez da entoação recalcada das figuras do bairro das Fontaínhas, ouvimos a toada de três actrizes-cantoras[2] acompanhada pela melodia do ensemble Os músicos do Tejo. Os nove minutos desta curta-metragem musical abrem a porta a um género muitas vezes associado a uma técnica opulenta ou expositiva. No entanto, Costa, com o refreamento que habitualmente aplica à imagem e à palavra, lima sobriamente a música para criar um quarto escuro ainda mais enigmático.

229. Jean-Luc Godard, Film annonce du film qui n’existera jamais: «Drôles de guerres»

229. Jean-Luc Godard, Film annonce du film qui n’existera jamais: «Drôles de guerres»

Rodrigo Cruz Silva

A curta-metragem Film annonce du film qui n’existera jamais: «Drôles de guerres» (2023)[1] é o último trabalho realizado por Jean-Luc Godard e foi lançada postumamente. Este trailer, que teve direito ao seu próprio trailer, é um esboço que reúne ideias, imagens e sons, e que se aproxima mais de um comentário de vinte minutos sobre cinema do que de um «annonce». Distancia-se, assim, de outros filmes de Godard sobre os seus próprios trabalhos: enquanto os Bande-Annonce divulgaram directamente algumas das suas obras, e os filmes-rodapé, como Scénario du Film ‘Passion’ (1982) ou Petites Notes à propos du film ‘Je vous salue, Marie’ (1983), são lições sobre cinema a partir das obras às quais fazem referência, este Film annonce distingue-se porque o filme referenciado não existe.