Rodrigo Cruz Silva
A frase «Um dia saberemos porque vivemos e porque sofremos» sobressai no filme mais recente de Pedro Costa[1] e poderia ser escutada em qualquer uma das suas obras. Em As Filhas do Fogo, em vez da entoação recalcada das figuras do bairro das Fontaínhas, ouvimos a toada de três actrizes-cantoras[2] acompanhada pela melodia do ensemble Os músicos do Tejo. Os nove minutos desta curta-metragem musical abrem a porta a um género muitas vezes associado a uma técnica opulenta ou expositiva. No entanto, Costa, com o refreamento que habitualmente aplica à imagem e à palavra, lima sobriamente a música para criar um quarto escuro ainda mais enigmático.
Rodrigo Cruz Silva
A curta-metragem Film annonce du film qui n’existera jamais: «Drôles de guerres» (2023)[1] é o último trabalho realizado por Jean-Luc Godard e foi lançada postumamente. Este trailer, que teve direito ao seu próprio trailer, é um esboço que reúne ideias, imagens e sons, e que se aproxima mais de um comentário de vinte minutos sobre cinema do que de um «annonce». Distancia-se, assim, de outros filmes de Godard sobre os seus próprios trabalhos: enquanto os Bande-Annonce divulgaram directamente algumas das suas obras, e os filmes-rodapé, como Scénario du Film ‘Passion’ (1982) ou Petites Notes à propos du film ‘Je vous salue, Marie’ (1983), são lições sobre cinema a partir das obras às quais fazem referência, este Film annonce distingue-se porque o filme referenciado não existe.