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Sofia A. Carvalho

142. João Trabulo, Durante o Fim

142. João Trabulo, Durante o Fim

Sofia A. Carvalho

Cena 1, plano vertical, acção: No início era a Linha. Poderia ser este o fotograma da claquete inicial em Durante o Fim, documentário com argumento e realização de João Trabulo (cuja première, em Turim, data de 2003 e a estreia nacional de 2011, embora o início das filmagens remonte aos anos de 1999/2000) sobre o ofício linear e cerebral de Rui Chafes. Digo: a proposta fílmica de Trabulo não só recai no acompanhamento próximo dos matizes de uma linha de ferro negro a gravitar sobre um espaço, espécie de continuum metalúrgico, poético e telúrico que acompanha o trabalho artístico de Rui Chafes, como também marca um ponto de encontro entre duas linhas fortes e afinadas — as de forjadores de mundos.

131. Mónica Calle, Ensaio para uma Cartografia

131. Mónica Calle, Ensaio para uma Cartografia

Sofia A. Carvalho

Inquietante e desarmante. Pode ser esta uma primeira tentativa para captar a atmosfera de Ensaio para uma cartografia, de Mónica Calle, espectáculo de abertura do Lisbon & Sintra Film Festival’17 no Centro Cultural Olga Cadaval, uma produção da Casa Conveniente e Zona Não Vigiada, e co-produção do Teatro Nacional D. Maria II. Tendo sido ideado em 2013, aquando do encontro de Mónica Calle com a bailarina e coreógrafa Luna Andermatt, este projecto foi levado a cena em diferentes regiões de Portugal, conhecendo uma versão actualizada, estreada no Teatro Nacional D. Maria II, no primeiro trimestre de 2017.

113. Nick Willing, Paula Rego

113. Nick Willing, Paula Rego

Sofia A. Carvalho

Era uma vez. E quem não se lembra da voz suave e hipnótica da avó a contar mais uma história para adormecer à sua neta de eleição? Eu não. Não sendo a vida um conto de fadas, e à semelhança do que este último esconde, aquela é feita de uma desarmante perversidade. Pois bem: o filme documental Paula Rego, Secrets & Stories, realizado pelo filho Nick Willing — exibido pela primeira vez no dia 25 de Março na BBC2, e cuja antestreia nacional foi a 4 de Abril na Fundação Calouste Gulbenkian, contando aí com a presença do realizador e da artista —, retrata isso mesmo. O conto de fadas em Paula Rego assume o tom de revolta de uma mulher-cão: contradictio in terminis assumida pela pintora, que surge retratada pelos filhos como um ser estranho — anjo perverso e vingativo — que possui algo de belo, mas talvez por isso intocável e intangível.

103. Andrew Dominik, One More Time with Feeling

103. Andrew Dominik, One More Time with Feeling

Sofia A. Carvalho

Sim, é possível que hoje já não existam canções de amor. É possível que o medo trave o mundo e os seus encantamentos. É possível que nada se revele superiormente belo e triste. É possível que os jericos deixem de ver a Deus. É possível que cessem os momentos de graça e abunde a estupidez. É possível que os anjos não se revoltem e os demónios jejuem. Mas nada disto acontece em One More Time With Feeling, documentário de Andrew Dominik sobre o processo de gravação de Skeleton Tree (2016), o mais recente álbum de Nick Cave. Esta espécie híbrida de documentário, que chegou em DVD a Portugal a 7 de Abril do presente ano com o acréscimo de três curtas-metragens, exige, pela sua natureza peculiar, uma nova abordagem: o que me importa explicitar e explorar é, de facto, a sua natureza complexa e contraditória. Fá-lo-ei a partir das noções de amor e protesto, dois aspectos que percorrem toda a produção musical de Nick Cave e que surgem negligenciados pela crítica.