Teresa Líbano Monteiro
Törless, protagonista de As perturbações do pupilo Törless (1906), de Robert Musil, levou muito a sério a célebre admoestação do templo de Apolo, em Delfos – «conhece-te a ti mesmo». A narrativa tem, contudo, lugar no prestigiado internato de W., localizado numa zona longínqua do império austro-húngaro, milénios decorridos desde a citada injunção délfica. É neste microcosmo que o jovem pupilo procurou conhecer as zonas mais insondáveis de si, não olhando a meios para atingir este fim. Assim, ainda que nos seja apresentado como um rapaz sensível, Törless tem um papel não despiciendo na intriga principal do livro, o martírio de Basini.
Teresa Líbano Monteiro
O roman à clef Ordens Menores, no qual José Régio figura sob o nome de Natan[1], pode ser lido como uma importante chave hermenêutica para outros dois textos de Agustina Bessa-Luís sobre o autor vilacondense: o artigo «Passagem sem ornamento» (Bessa-Luís, 1984) e o conjunto de cartas que a autora trocou com o seu reservado amigo (publicadas no pequeno volume Correspondência Agustina-Régio (1955-1968) [Bessa-Luís, 2014]). Com efeito, ganhamos muito, enquanto leitores, em ler o romance como uma tentativa de a autora de Fanny Owen desvendar a personalidade esquiva de José Régio, que tantas vezes se lhe ocultava nessa mesma correspondência. Na restante obra, o escritor d’A Velha Casa é igualmente enigmático: como afirma António Feijó, há uma constante vigilância por parte do autor para se resguardar do leitor[2], e esta autovigilância é sentida mesmo em livros tão escabrosos, pelo impudor sexual, como O Jogo da Cabra Cega. Opinião similar é a de Eugénio Lisboa no estudo José Régio ou a Confissão Relutante (Lisboa, 1988), no qual desenvolve o argumento de que os livros de José Régio vivem de uma vontade de confissão; esta raras vezes se concretiza[3], mas é justamente desse estado latente, simultaneamente desgastante e fértil, que vive a obra do autor d’As Encruzilhadas de Deus.
Teresa Líbano Monteiro
Eugénio Lisboa foi não só amigo pessoal do escritor José Régio como é, também, o seu maior e mais incansável crítico. José Régio – a obra e o homem constitui o ensaio mais longo que dedicou ao poeta de Vila do Conde e nele pretende, como explica na «Nota à 3.ª edição», «fazer a “soldadura” sobre o Homem e a Obra, sem fundamentalismos biografistas mas também sem preconceitos ferozmente antibiografistas» (p. 9). O ensaio foi publicado pela primeira vez em 1976, tendo sido de novo editado em 1986 e, mais de trinta anos depois, está novamente disponível nas livrarias graças à editora Opera Omnia. É necessário, aliás, deixar aqui uma nota de apreço a esta editora, que nestes últimos anos tem vindo a republicar volumes da obra de José Régio (e.g. Histórias de Mulheres, Biografia, Páginas de doutrina e crítica da Presença, a antologia de poemas Nunca vou por aí) e, neste caso, bibliografia crítica sobre o autor. A reedição destes livros – e, o que não é despiciendo, com um design simples e bonito – será um contributo para uma maior divulgação e leitura de José Régio pelo público geral português, algo de que beneficiarão, certamente, tanto o nome do escritor como os leitores.
TERESA LÍBANO MONTEIRO
O mais recente livro de José Tolentino Mendonça, O que é amar um país — O poder da esperança, foi escrito e publicado em 2020, em plena pandemia de Covid-19. O livro é uma breve reflexão que se debruça sobre esta crise global com preocupação, mas igualmente com alento e esperança, como anuncia o subtítulo. A reflexão reparte-se em três ensaios: o primeiro, que empresta o título ao livro, consiste no discurso que o cardeal D. Tolentino pronunciou, a convite do Presidente da República Portuguesa, no dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a 10 de Junho de 2020, e é essencialmente sobre Portugal — o seu passado, evocado na figura de Camões, as dificuldades vividas no presente e a necessidade de, neste tempo, relembrarmos e fortalecermos o conceito de «comunidade»; os dois outros ensaios, «O poder da esperança» e «Do tempo da calamidade ao tempo da graça», são um prolongamento do primeiro e ampliam-no para uma escala global, pois é essa a escala a que se sentiram, e sentem, os efeitos da pandemia.