252. Daniel Keyes, Flowers for Algernon

252. Daniel Keyes, Flowers for Algernon

Tiago Rocha e Melo

Uma recensão do livro Flowers for Algernon, de Daniel Keyes, pode parecer um exercício algo supérfluo, na medida em que vem com uns sessenta anos de atraso. No entanto, a qualidade distintiva de uma grande obra de literatura é exactamente a sua universal e aparentemente eterna relevância. Contudo, fosse obrigado a oferecer uma justificação mais contingente, diria que a obra de Keyes aborda algo que é ao mesmo tempo glorificado e tomado por garantido, sendo também, hoje em dia, o refúgio das nossas esperanças para os desafios do presente e do futuro: a inteligência.

251. Jorge de Sena, Arte de Música

251. Jorge de Sena, Arte de Música

Hugo Miguel Santos

É bem possível que uma recensão acerca da reedição de uma obra publicada há mais de cinquenta anos, como é o caso de Arte de Música (1968), esteja fatalmente condenada ao triste fado da redundância. Podemos sempre investir algumas linhas a louvar a decisão da editora Assírio & Alvim de tornar novamente disponíveis os poemários, como é regra de praxe, daquele que é não só um dos maiores poetas da literatura portuguesa, como um dos críticos de poesia mais decisivos da nossa humilde história — assim, acompanhando a grandiloquência do discurso mercantilista. E poder-se-ia dar nota da decisão certeira de os fazer acompanhar de ensaios introdutórios de críticos e académicos contemporâneos, procurando assim revitalizar a recepção crítica de um autor que sempre se esforçou por ser lido e entendido, sem jamais cair no didactismo.

250. Vasco Gato, O Fim do Contágio

250. Vasco Gato, O Fim do Contágio

Guilherme Berjano Valente

O Fim do Contágio (2022), de Vasco Gato, aponta para o terminar da situação pandémica vivida entre 2020 e o respetivo ano de publicação, 2022. É um livro com alusões às máscaras que nos protegiam do bicho – «E bebemos do ar / todas estas máscaras que nos olham / e falta sempre um gosto a guerra» (p. 7) – e ao tempo em que ficámos todos fechados em casa, aguardando uma libertação social permissiva de passeios e desporto ao ar livre: «A nespereira trouxe os meus frutos / à reclusão dos meus olhos. / […] / Quantos de nós não estarão a fazer o mesmo / sob a película da letargia?» (p. 12). No entanto, não é isto motivo para se rotular o livro como sendo apenas sobre a pandemia, tal seria redutor. É, isso sim, um livro que a partir do cenário pandémico explora os meandros existenciais que apenas se tornaram possíveis devido a um bicho forte e desconhecido e a um enclausuramento solidário de forma a prolongar a espécie humana.

249. Leos Carax, C'est pas moi

249. Leos Carax, C'est pas moi

Rodrigo Cruz

«Work in Progress» é a frase que abre o primeiro plano do novo filme de Leos Carax, fingindo ser um aviso à navegação. Depois de um ponto de interrogação se sobrepor a esta imagem inicial, compreendemos o falso dilema: o filme está feito, «Work is Done», respondemos nós. Quer tenha ou não cumprido a encomenda do Museu Pompidou, que lhe pediu um filme-retrato capaz de responder à pergunta: «Leos, où êtes-vous?» («Leos, onde é que você está?») — o resultado é, inevitavelmente, um auto-retrato. Tudo é familiar para quem conhece a sua obra, mas, desta vez, Carax esconde-se menos — afinal, o tema é ele próprio. Talvez por isso tente desprender-se desse reconhecimento já no título, como que envergonhado. «Oui, ce n’est pas toi, mais c’est à toi» («Sim, não és tu, mas é teu»), respondemos nós.

248. Sebastião da Gama, O Inquieto Verbo do Mar: Poesia Reunida

248. Sebastião da Gama, O Inquieto Verbo do Mar: Poesia Reunida

Guilherme Berjano Valente

Ao ler-se O Inquieto Verbo do Mar (a poesia reunida de Sebastião da Gama), fica-se com a impressão de que a poesia de Gama se caracteriza por alguns temas extremamente recorrentes: a relação do poeta com Deus, a relação do humano com a natureza e as relações eróticas do próprio poeta. Todos os temas, no entanto, subsumem-se a uma obsessão: a própria figura de Deus e a forma como Ele se manifesta. Parece, então, possível descrever a poesia de Gama como uma poesia obsessiva para com um núcleo temático restrito que se vai manifestando, na sua obra, de diversas formas.

247. Pedro Bastos, Souvenirs Satânicos

247. Pedro Bastos, Souvenirs Satânicos

Hugo Miguel Santos

Talvez não seja exagerado começar por assumir que há sempre uma dimensão circunstancial em toda a poesia, por mais que o poeta possa, e em certa medida deva, mascarar ou recriar as provas do crime. No entanto, contam sobretudo as circunstâncias estabelecidas pelo próprio poema, isto é, a intensidade e a verossimilhança daquilo que ele veicula — se quisermos, muito mais do que as causas, importam os seus efeitos.

246. Debra Gettelman, Imagining Otherwise: How Readers Help to Write Nineteenth-Century Novels

246. Debra Gettelman, Imagining Otherwise: How Readers Help to Write Nineteenth-Century Novels

Lourenço Motta Veiga

Starting with the title sentence: the semantics of the word ‘otherwise’ as an adverb[1], within the syntax, can mean both ‘differently’ in the sense of imagining in a totally different way and imagining in a subtly different way than we do. “Otherwise” is a word that only makes sense in the English language, thought of in an integrated way within its context: it is used as an ‘if’ or an ‘else’; it brings to mind the hypothetical question ‘and if?’ and the more peremptory assertion ‘I think differently than that’. Debra Gettelman argues that to think differently, for Austen, Dickens, Woolf and especially George Eliot (the book is divided into five chapters and three of them are dedicated to three novels by Eliot) is a matter of specific stylistic tension. A tension between the reader thinking his own thoughts regarding the novel’s described scenery and plot, and the same reader not thinking differently than the author does or wants the reader to. This is the main crux of the book: the tension between our “subjective” and sometimes outward fancies while reading a novel and the author’s otherwise subtle and sometimes richly reflected patterned intention.