Telmo Rodrigues
As primeiras reacções à publicação de Autobiography de Morrissey foram dedicadas às novidades íntimas: a relação homossexual, o filho que ele pensou poder ter, as opiniões sobre os membros dos The Smiths e outras personagens famosas. Num segundo momento, a preocupação da crítica foi com o valor desta autobiografia e, aí, parece ter havido consenso sobre a dificuldade em considerá-la digna de figurar entre os clássicos da Penguin.
Telmo Rodrigues
Malcolm MacClaren, o empreendedor responsável pela formação dos Sex Pistols, terá modelado a banda que simbolizaria o punk britânico à imagem de um músico: Richard Hell. MacClaren conheceu Hell no princípio dos anos setenta, em Nova Iorque (antes de qualquer um dos dois se tornar famoso), quando tentava revitalizar os New York Dolls. Os Sex Pistols viriam a ser a grande obra de MacClaren, uma obra que ele já tinha tentado construir – e falhado – como agente dos Dolls.
Maria Sequeira Mendes
Em Missing Out – In Praise of the Unlived Life, Adam Phillips, autor, psiquiatra e crítico literário nos tempos livres, examina as vidas que não vivemos, ou seja, a forma como tornamos o nosso dia-a-dia mais aprazível e, como refere, suportável, ao imaginarmos outros modos de existência.
Hugo Pinto Santos
Depois de alguma juvenília (Poema Seis, O Meu Nome e A Noite, Sobregelofino, ainda assinados como Luís Brito Pedroso) e de poemas dispersos nas revistas Criatura e Piolho, Romance ou Falência é o sucessor de Princesas Dianas & Anti-Heróis (2009, Ed. do Autor). Relativamente ao anterior, o presente livro de L. Pedroso apresenta um progresso notório. Além de desbastar alguma rugosidade ainda notada nesse registo (e que surgia, como é natural, ainda mais evidente em volumes anteriores), depõe certo desgoverno metafórico que obstava a alguns poemas.
Joana Corrêa Monteiro
Existe um lado megalómano em qualquer enciclopédia. A ideia de reunir todo o conhecimento, ou todo o conhecimento de uma determinada área, parece ambiciosa de mais para poder ser levada a sério. Qualquer enciclopédia, nesse sentido, está votada ao fracasso. Ninguém no seu perfeito juízo imaginará ficar a saber tudo o que existe para saber por ter lido uma enciclopédia (aliás, poucas pessoas, no seu perfeito juízo, lerão enciclopédias). E, contudo, as enciclopédias têm a sua utilidade: servem, por exemplo, para se ficar rapidamente esclarecido a respeito de qualquer coisa, ou para desempatar conversas ou apostas sobre datas, inventores famosos ou nomes de cidades.
Hugo Pinto Santos
Ainda será possível «fazer literatura com o revólver no bolso» (Richard Huelsenbeck)? Sim, porque a revolta e desobediência de Tzara & companhia perduram naqueles cujas antenas receptoras não calcificaram, os que não assimilaram o esquema evolutivo que prescreve a abolição e a consequente integração das vanguardas nos sistemas da arte. Se é esta a função delas, não é esse o destino irrevogável dos autores que se movem nas franjas de considerandos como o que prevê que a uma ruptura tenha de se seguir a sutura. No plano da poesia portuguesa, um nome assoma que agrega, de forma magnética, todos esses hipotéticos estilhaços: Alberto Pimenta.
Frederico Pedreira
O nome do poeta norte-americano John Berryman (1914-1972) poderá não dizer muito ao público português. Figura fragilizada, com um percurso de vida acidentado, Berryman foi professor universitário nas universidades de Princeton, Harvard, Iowa e Minnesota, tendo publicado dois livros que são representantes dos seus interesses e do comprometimento sério com assuntos literários: Berryman's Shakespeare e Stephen Crane: A Critical Biography. Diz-nos a nota biográfica das 77 Oníricas: “[m]aníaco-depressivo e alcoólico, assombrado pelo suicídio do pai e por uma vida conjugal tumultuosa, John Berryman atirou-se de uma ponte sobre o Rio Mississípi a 7 de Janeiro de 1972.”
João Pedro Vala
Não é possível ler um diário de preces sem sentirmos a necessidade de descalçar as nossas sandálias. Este Um Diário de Preces, escrito por Flannery O’Connor (1935-1964) aos vinte anos de idade e traduzido agora para português pela Relógio d’Água, acompanhado de um fac-símile do caderno original, é em muitos momentos difícil de compreender, não só por culpa das várias páginas rasgadas pela escritora, mas essencialmente por ser uma conversa entre ela e Deus, uma conversa em que entramos forçosa e violentamente a meio; uma conversa para a qual, aliás, não fomos sequer convidados.
Telmo Rodrigues
Em 2011, a separação de Kim Gordon e Thurston Moore, o casal que esteve na origem dos Sonic Youth, apanhou todos de surpresa: uma relação de trinta anos e um casamento de vinte e sete acabavam, pondo fim à banda e ao sonho que muitos alimentavam de manter uma relação familiar funcional ao mesmo tempo que se mantém uma produção artística relevante (neste caso particular, alguma da música mais relevante das últimas décadas). Na sequência do divórcio, Kim Gordon retomou, de forma mais activa, a sua relação com a arte, dedicando-se a vários projectos, um dos quais a publicação de um livro de ensaios sobre vários tipos de arte editado por Branden W. Joseph (Is It My Body?, 2014). Nesse livro, que colige ensaios da autora desde finais dos anos setenta, uma das preocupações centrais é o lugar da mulher na arte e na música, e, mais especificamente, o lugar de Gordon numa banda de homens (até a sua posição no palco é alvo de escrutínio).
Hugo Pinto Santos
Quem pode – questiona algures Dostoievski – conhecer-se a si próprio e respeitar-se? Esta interrogação podia ser o antepassado mais ou menos afastado de todas as castas de abjeccionismo. Até dos que, realmente, não o são. A autodepreciação que se pode intuir no narrador e nas efabulações de Um Bárbaro em Casa seriam, quando muito, uma declinação irónica e contida, reflexiva mas desprendida, dessa antiguidade. Essa prerrogativa advém-lhe de algo que tem que ver com os seus constituintes internos, com a sua engenharia profunda, se for possível exprimir assim o que está longe dessa tentativa de terminologia tão-só aproximativa. Onde talvez pudéssemos escavar a raiz destes escritos, existe um esfacelamento de géneros que, neste caso, se revelou eximiamente profícuo.
RODRIGO ABECASIS
A última obra de Fernando Guedes é composta por quatro conferências que foram apresentadas à Academia de Ciências de Lisboa. O livro divide-se em quatro ensaios, os dois primeiros dedicados a Eliot e os restantes dois dedicados a Pound. A estrutura do livro é concisa e económica, e os quatro ensaios, demonstrando confiança na familiaridade do autor com estes dois poetas norte-americanos, demonstram também a sua erudição sem no entanto serem ensaios maçadores, técnicos, ou de difícil leitura.
JOANA CORRÊA MONTEIRO
What Happened in and to Moral Philosophy in the Twentieth Century? é uma colectânea de ensaios, a maioria dos quais foram apresentados em Dublin, em 2009, numa conferência que assinalou os 80 anos de vida de Alasdair MacIntyre. Este autor ocupa um lugar marcante na história recente da filosofia, concretamente nas áreas da ética, filosofia moral e filosofia política, mas leitores interessados em filosofia da acção, história, sociologia, ou até teologia poderão encontrar nesta publicação alguns pontos de dignos de atenção.
Por Nuno Amado
A resposta à inusitada pergunta que serve de título ao livro de Jerónimo Pizarro dá-a o autor no final do capítulo nono, em cujo título a mesma pergunta se repete: «Pensar Pessoa, editar Pessoa – actividades intimamente ligadas – não resgatam Pessoa, não nos devolvem uma imagem única e mágica, senão muitos Pessoas, também eles múltiplos, cuja multiplicidade já se encontrava, ou já se podia intuir, na materialidade das fontes e na forma dos textos. (p.192)» Tal resposta evidencia, a meu ver, duas coisas: a posição crítica geral de Pizarro face à obra pessoana, sobre a qual versará quase tudo o que tenho a dizer, e uma pequena explicação das razões dessa posição.
Por Gustavo Rubim
Seria tudo muito fácil se das opções filosóficas ou ideológicas de uma pessoa pudéssemos deduzir o sentido dos poemas que essa pessoa escreve. Com Manuel Gusmão, para mais ensaísta e crítico, já se notam sinais dessa vontade de simplificar. E não surpreende que possam tornar-se mais evidentes justamente a propósito de um livro tão distante de asserções teóricas ou de preocupações ideológicas como é este Pequeno Tratado das Figuras.
Por Maria Sequeira Mendes
É possível argumentar que, em A Tempestade, Shakespeare procurou descrever uma ilha em que as virtudes e os defeitos das personagens fossem ampliados. Este é o motivo pelo qual, como alguns críticos notaram, o local difere de figura para figura consoante o seu passado, carácter e intenções. Cada náufrago percepciona na ilha a sua personalidade, tendo alguns sonhos bons e outros maus, sentindo cheiros agradáveis ou pestilentos, vendo imagens de usurpação ou encontrando um lugar paradisíaco...
Por Carlos A. Pereira
O novo livro de Joshua Landy intervém na discussão académica sobre teorias da ficção, e, embora não se deixe arrastar para as discussões filosóficas nos termos das quais as dificuldades por resolver a respeito de ficção se resumem, paradigmaticamente, a problemas técnicos no âmbito da ontologia ou relacionados com putativos paradoxos mentais e semânticos, parte do princípio filosófico de que a ficção se justifica do ponto de vista da sua utilidade.
Por Pedro Sepúlveda
Ao longo de um dia de sexta-feira santa, personagens de uma família burguesa alentejana dedicam-se a afazeres diários, enumerados com minúcia: “de madrugada ainda levantar-se, descer para a cozinha e enregar o trabalho reacendendo lume no fogão, lavar a louça que ficou da véspera (...)” (p. 23). A descrição destes afazeres, que acontece preferencialmente através de monólogos interiores, é intercalada, de um modo propositadamente aleatório, com reflexões que misturam o quotidiano e o metafísico.
Por Ana Isabel Soares
Irei por partes. Começo pelo título: talvez o passo mais audaz neste livro tenha sido a sua escolha. Nele, não hesitou a autora em reconhecer a dívida a Harold Bloom (a quem refere, na utilíssima e muito extensa bibliografia, só excedida em serventia, interesse e pertinência de manuseio pelo quantas-irritantes-vezes esquecido índice onomástico), e, com isso, em inscrever-se a si mesma numa tradição de registo académico que, por sua vez, e tal como se propõe em O Cinema da Poesia, trata a própria tradição poética. A própria de Portugal. É um bom passo...
Por Paulo Barcelos
A União Europeia é uma besta estranha, um experimento impuro. Foi montada a partir dos escombros das duas guerras mundiais, proposta como uma estrutura que pudesse tentar uma paz duradoura desativando a animosidade franco-alemã e, de caminho, convidando os outros Estados europeus a integrarem um foedus pacificum continental...
Por Sebastião Belfort Cerqueira
Logo no título, Django Unchained (2012) insere-se na tradição longa e desarrumada de filmes que se tentaram relacionar, de alguma maneira, com Django, um western realizado em 1966 por Sergio Corbucci, com Franco Nero como o protagonista epónimo. O sucesso do filme de Corbucci, que é tido, a par da trilogia dos dólares realizada por Sergio Leone, como fundador do género do spaghetti western, suscitou muitas imitações e sequelas não oficiais e a alteração de muitos títulos de filmes sem qualquer relação com Django para passarem a incluir o nome do herói...