44. Mike Houghton, I've Always Kept a Unicorn: The Biography of Sandy Denny

44. Mike Houghton, I've Always Kept a Unicorn: The Biography of Sandy Denny

Telmo Rodrigues

Quando há uns anos começaram a circular rumores sobre uma nova biografia de Sandy Denny, os fãs apressaram-se a louvar as boas notícias nas redes sociais e em fóruns da internet dedicados à cantora; o motivo do entusiasmo não era a ausência de material publicado sobre Denny, mas o facto de a biografia mais bem-sucedida comercialmente ser a de Clinton Heylin, No More Sad Refrains (Helter Skelter, 2002).

43. Elena Ferrante, Crónicas do Mal de Amor

43. Elena Ferrante, Crónicas do Mal de Amor

Helena Carneiro

Ter acesso, num só volume, aos primeiros romances de um dado autor, cria a expectativa de se poder analisar a evolução da escrita desse mesmo autor. No entanto, em Crónicas do Mal de Amor – livro que reúne os três primeiros romances de Elena Ferrante, Um Estranho Amor (1991), Os Dias do Abandono (2002) e A Filha Obscura (2006) –, em vez de uma progressão, ou «desenvolvimento», aquilo com que nos deparamos assemelha-se ao modo como Philip Larkin classifica as obras de Barbara Pym: «Enquanto romances não demonstram qualquer desenvolvimento; o primeiro é tão ‘experiente’ quanto o último».

42. Pedro Sepúlveda, Os Livros de Fernando Pessoa

42. Pedro Sepúlveda, Os Livros de Fernando Pessoa

Pedro Tiago Ferreira

Em Os Livros de Fernando Pessoa, Pedro Sepúlveda defende a tese de que "nos fundamentos da obra de Pessoa [há] um pensamento de índole editorial que os determina" (p. 18). Este mesmo pensamento concretiza-se de duas formas. Por um lado, através da utilização de nomes de autor, que "funcionavam como categoriais editoriais, definidoras e delimitadoras das obras e dos livros projectados" (p. 331). Por outro, através da abordagem ao problema "da concepção do livro, entendido como suporte ao qual Pessoa sempre associou a ideia de um todo orgânico que seria a expressão de uma obra no seu estado de completude", e que funcionaria como "ideal condutor, que corresponderia à apresentação de uma obra liberta do seu carácter lacunar, imperfeito ou fragmentário" (p. 40). 

41. A Grande Beleza, Real. Paolo Sorrentino

41. A Grande Beleza, Real. Paolo Sorrentino

JOÃO PEDRO VALA

Na última cena do filme, Jep Gambardella (Toni Servillo) tem uma epifania, em tudo semelhante ao episódio final de Em Busca do Tempo Perdido, que lhe revela finalmente a grande beleza que procurava e lhe permite começar a escrever o seu segundo romance, sucessor deL’Apparato Umano. Gambardella, ao ter um vislumbre do esplendor da sua juventude, compreende que a vida se esconde debaixo das conversas sem significado e que o silêncio e o medo só podem ser vislumbrados fugazmente por entre o ruído. Compreende que há um manto de banalidade que cobre a sua vida e o impede de ver os “clarões de beleza insignificantes e inconstantes […], a miséria desgraçada e o homem miserável”. Mas a parte mais importante da epifania é enunciada logo no início: “Finisce sempre così. Con la morte”.

40. Dois livros de Ted Hughes

40. Dois livros de Ted Hughes

Rodrigo Abecasis Fernandes 

Começo por Poetry in the MakingTed Hughes foi convidado a redigir uma série de lições sobre como se escreve, destinadas a um público jovem, e este é o resultado. Tanto a primeira lição como as últimas se caracterizam por um tom mais pessoal que as restantes, que, apesar de adoptarem uma atitude um pouco pedante, nada têm de austero ou de insípido. O tom geral com que Hughes se dirige ao seu público está bem equilibrado, e os vários desvios, as frases soltas características deste estilo de dar lições, são particularmente interessantes quando chamam a atenção para o quanto de estranho há na actividade que consiste em sentarmo-nos perante um bocado de papel e escrever um poema, uma história, um romance (ver, por exemplo, o capítulo “Learning to Think”, muito mais perspicaz e moderado do que as palavras que lhe dão título). 

39. Joan Margarit, Misteriosamente Feliz

39. Joan Margarit, Misteriosamente Feliz

FREDERICO PEDREIRA

Um dos valores mais evidentes da poesia do escritor catalão Joan Margarit (Sanaüja, 1938) revela-se no jogo táctico e decoroso que o autor mantém com a ideia de tempo. É na consideração do tempo enquanto ideia simultaneamente difusa e capaz de uma concentração emocional irradiante que o poeta encontra o tom particular da sua expressão. O espaço do poema, mais do que um motivo de revisitação do passado, é uma espécie de homenagem à possibilidade de recomeço que o momento da escrita sempre promete, e Margarit presta esta homenagem através de um trabalho apurado e vigilante de rememoração.

 

37. Luísa Costa Gomes, Cláudio e Constantino

37. Luísa Costa Gomes, Cláudio e Constantino

ALEXANDRE ANDRADE

 Não custa imaginar que, na génese de Cláudio e Constantino, existiu um desafio que a autora colocou a si própria e cuja resposta acabou por coincidir com o modo de viver das próprias personagens do romance. Esse desafio consistiria em fazer progredir um enredo, ou uma vida, à força de dilemas lógicos, paradoxos e aporias que se sucedessem sequencialmente e sem origem evidente.

36. 20 Mil Dias na Terra, Real. Iain Forsyth e Jane Pollard

36. 20 Mil Dias na Terra, Real. Iain Forsyth e Jane Pollard

TELMO RODRIGUES

A conversa sobre limites do género em cinema é antiga e costuma ser ocasionalmente ressuscitada por certos filmes, nomeadamente aqueles que advogam pertencer a um género, mas que dependem formalmente de técnicas comuns noutros géneros. Seria expectável que esta conversa ressurgisse a propósito do filme 20 Mil Dias na Terra, que ganhou dois prémios de documentário no festival de Sundance de 2014, mas tal apenas se verificou residualmente: a construção formal do filme depende tanto de artifícios específicos da ficção que se levantam poucas dúvidas acerca do carácter ficcional daquilo que se passa. O aviso feito pela voz de Nick Cave na primeira frase que lhe ouvimos é, aliás, lacónico a esse respeito: “No final do século XX deixei de ser um ser humano.” Talvez seja por isso que a vertente documental está tão submissa à ficção e às suas técnicas: o Nick Cave deste filme é uma personagem e não um “ser humano”.

35. David M. Friedman, Wilde in America: Oscar Wilde and the Invention of Modern Celebrity

35. David M. Friedman, Wilde in America: Oscar Wilde and the Invention of Modern Celebrity

Jorge Almeida

Numa conversa entre duas personagens do romance Ilusões Perdidas de Balzac, um jornalista experiente aconselha o aspirante a jornalista Lucien de Rubempré, dizendo-lhe: “Fais un peu de statistique, science assez utile quand on n'en abuse pas.” Só parte do conselho, aquela que antecede a vírgula, parece ter chegado aos ouvidos do antigo jornalista David M. Friedman, autor de Wilde in America: Oscar Wilde and the Invention of Modern Celebrity (2014), uma vez que nesta obra o autor parece considerar que um relato alagado em estatísticas da tournée de conferências que Wilde fez nos Estados Unidos da América em 1882 é suficiente para explicar em que consiste a invenção de um processo que permite a qualquer um passar do anonimato ao estrelato e de que forma esse processo se tornou paradigmático nos nossos dias.

34. Adam Phillips, Becoming Freud: The Making of a Psychoanalyst

34. Adam Phillips, Becoming Freud: The Making of a Psychoanalyst

Ana Cláudia Santos

Em conversa com Paul Holdengräber, Adam Phillips declara que a melhor forma de ler Freud é encará-lo não como “um cientista da mente humana” mas como um romancista, considerando que, de um ponto de vista psicanalítico, o poder evocativo dessa leitura (aquilo que se faz dela) é mais importante do que o conhecimento que possa proporcionar. O que faz Adam Phillips de Freud? Como é evocado o fundador da psicanálise em Becoming Freud: The Making of a Psychoanalyst?

32. Adília Lopes, Manhã

32. Adília Lopes, Manhã

Joana Meirim

A toponímia lisboeta costuma ser a guardiã da memória póstuma de muitos poetas. Se muitos são indissociáveis das ruas a que deram o seu nome, há outros que estão ligados à topografia e, felizmente, não por terem o nome de uma rua. Qualquer habitante da zona de Arroios, qualquer cliente assíduo do café-restaurante Danúbio ou da Tarantela, ao largo de Neptuno, já terá reparado na figura de Adília Lopes. Vivi mais de duas décadas na rua José Estêvão e observei várias vezes esta figura, antes mesmo de saber que a Adília é uma poetisa (conhecimento que devo ao Herman José, que a entrevistou num programa em 2001). Depois do programa do Herman, a rua José Estêvão passou a ser, pelo menos para mim, a rua da Adília Lopes.

31. Morrissey, Autobiography

31. Morrissey, Autobiography

Telmo Rodrigues 

As primeiras reacções à publicação de Autobiography de Morrissey foram dedicadas às novidades íntimas: a relação homossexual, o filho que ele pensou poder ter, as opiniões sobre os membros dos The Smiths e outras personagens famosas. Num segundo momento, a preocupação da crítica foi com o valor desta autobiografia e, aí, parece ter havido consenso sobre a dificuldade em considerá-la digna de figurar entre os clássicos da Penguin.

30. Richard Hell, I Dreamed I Was a Very Clean Tramp: An Autobiography

30. Richard Hell, I Dreamed I Was a Very Clean Tramp: An Autobiography

Telmo Rodrigues

Malcolm MacClaren, o empreendedor responsável pela formação dos Sex Pistols, terá modelado a banda que simbolizaria o punk britânico à imagem de um músico: Richard Hell. MacClaren conheceu Hell no princípio dos anos setenta, em Nova Iorque (antes de qualquer um dos dois se tornar famoso), quando tentava revitalizar os New York Dolls. Os Sex Pistols viriam a ser a grande obra de MacClaren, uma obra que ele já tinha tentado construir – e falhado – como agente dos Dolls. 

29. Adam Phillips, Missing Out: In Praise of the Unlived Life

29. Adam Phillips, Missing Out: In Praise of the Unlived Life

Maria Sequeira Mendes

Em Missing Out – In Praise of the Unlived Life, Adam Phillips, autor, psiquiatra e crítico literário nos tempos livres, examina as vidas que não vivemos, ou seja, a forma como tornamos o nosso dia-a-dia mais aprazível e, como refere, suportável, ao imaginarmos outros modos de existência.

28. Luís Pedroso, Romance ou Falência

28. Luís Pedroso, Romance ou Falência

Hugo Pinto Santos

Depois de alguma juvenília (Poema SeisO Meu Nome e A NoiteSobregelofino, ainda assinados como Luís Brito Pedroso) e de poemas dispersos nas revistas Criatura PiolhoRomance ou Falência é o sucessor de Princesas Dianas & Anti-Heróis (2009, Ed. do Autor). Relativamente ao anterior, o presente livro de L. Pedroso apresenta um progresso notório. Além de desbastar alguma rugosidade ainda notada nesse registo (e que surgia, como é natural, ainda mais evidente em volumes anteriores), depõe certo desgoverno metafórico que obstava a alguns poemas. 

27. Barbara Cassin, ed. Dictionary of Untranslatables: A Philosophical Lexicon

27. Barbara Cassin, ed. Dictionary of Untranslatables: A Philosophical Lexicon

Joana Corrêa Monteiro

Existe um lado megalómano em qualquer enciclopédia. A ideia de reunir todo o conhecimento, ou todo o conhecimento de uma determinada área, parece ambiciosa de mais para poder ser levada a sério. Qualquer enciclopédia, nesse sentido, está votada ao fracasso. Ninguém no seu perfeito juízo imaginará ficar a saber tudo o que existe para saber por ter lido uma enciclopédia (aliás, poucas pessoas, no seu perfeito juízo, lerão enciclopédias). E, contudo, as enciclopédias têm a sua utilidade: servem, por exemplo, para se ficar rapidamente esclarecido a respeito de qualquer coisa, ou para desempatar conversas ou apostas sobre datas, inventores famosos ou nomes de cidades.

26. Nuno Moura, Canto Nono

26. Nuno Moura, Canto Nono

Hugo Pinto Santos

Ainda será possível «fazer literatura com o revólver no bolso» (Richard Huelsenbeck)? Sim, porque a revolta e desobediência de Tzara & companhia perduram naqueles cujas antenas receptoras não calcificaram, os que não assimilaram o esquema evolutivo que prescreve a abolição e a consequente integração das vanguardas nos sistemas da arte. Se é esta a função delas, não é esse o destino irrevogável dos autores que se movem nas franjas de considerandos como o que prevê que a uma ruptura tenha de se seguir a sutura. No plano da poesia portuguesa, um nome assoma que agrega, de forma magnética, todos esses hipotéticos estilhaços: Alberto Pimenta.

25. John Berryman, 77 Oníricas

25. John Berryman, 77 Oníricas

Frederico Pedreira

O nome do poeta norte-americano John Berryman (1914-1972) poderá não dizer muito ao público português. Figura fragilizada, com um percurso de vida acidentado, Berryman foi professor universitário nas universidades de Princeton, Harvard, Iowa e Minnesota, tendo publicado dois livros que são representantes dos seus interesses e do comprometimento sério com assuntos literários: Berryman's Shakespeare e Stephen Crane: A Critical Biography. Diz-nos a nota biográfica das 77 Oníricas: “[m]aníaco-depressivo e alcoólico, assombrado pelo suicídio do pai e por uma vida conjugal tumultuosa, John Berryman atirou-se de uma ponte sobre o Rio Mississípi a 7 de Janeiro de 1972.”

24. Flannery O’Connor, Um Diário de Preces

24. Flannery O’Connor, Um Diário de Preces

João Pedro Vala

Não é possível ler um diário de preces sem sentirmos a necessidade de descalçar as nossas sandálias. Este Um Diário de Preces, escrito por Flannery O’Connor (1935-1964) aos vinte anos de idade e traduzido agora para português pela Relógio d’Água, acompanhado de um fac-símile do caderno original, é em muitos momentos difícil de compreender, não só por culpa das várias páginas rasgadas pela escritora, mas essencialmente por ser uma conversa entre ela e Deus, uma conversa em que entramos forçosa e violentamente a meio; uma conversa para a qual, aliás, não fomos sequer convidados.

23. Kim Gordon, Girl in a Band: A Memoir

23. Kim Gordon, Girl in a Band: A Memoir

Telmo Rodrigues

Em 2011, a separação de Kim Gordon e Thurston Moore, o casal que esteve na origem dos Sonic Youth, apanhou todos de surpresa: uma relação de trinta anos e um casamento de vinte e sete acabavam, pondo fim à banda e ao sonho que muitos alimentavam de manter uma relação familiar funcional ao mesmo tempo que se mantém uma produção artística relevante (neste caso particular, alguma da música mais relevante das últimas décadas). Na sequência do divórcio, Kim Gordon retomou, de forma mais activa, a sua relação com a arte, dedicando-se a vários projectos, um dos quais a publicação de um livro de ensaios sobre vários tipos de arte editado por Branden W. Joseph (Is It My Body?, 2014). Nesse livro, que colige ensaios da autora desde finais dos anos setenta, uma das preocupações centrais é o lugar da mulher na arte e na música, e, mais especificamente, o lugar de Gordon numa banda de homens (até a sua posição no palco é alvo de escrutínio).