Helena Carneiro
Este é um livro de ensaios no verdadeiro sentido do termo, com direito a notas de rodapé e citações devidamente referenciadas na bibliografia que acompanha a maior parte dos textos. É um livro académico, escrito por académicos. Além disso, resulta de uma actividade estritamente académica: a realização de conferências sobre um dado tema ou autor, neste caso um colóquio comemorativo dos trinta anos da morte de Alexandre O’Neill.
Marana Borges
Mulheres de pele morena à beira do mar. Algumas vezes sentadas, outras vezes em pares, compondo um plano de formas sinuosas e cores quentes. São tais imagens que nos vêm à tona ao falar de Paul Gauguin (1848-1903). O vocabulário para descrever o artista francês em geral acantona-se em poucas palavras: trópicos; Tahiti; exotismo. Posicionar-se contra esse reducionismo é o ponto forte de Gauguin, L'Alchimiste, exposição no Grand Palais que reúne duzentas e trinta obras, com empréstimos especiais do National Galery of Art (Chicago), do museu D'Orsay (Paris) e do Pushkin State Museum of Fine Arts (Moscou).
João N.S. Almeida
A comedy rooted in Irish folclore, Harvey is based on a play by the same name written by the relatively unknown playwright Mary Chase in 1944, in the midst of World War II. This somewhat provides the setting for her writing, although the plot does not directly reference the war. It portrays a middle-aged bachelor who is having what appears to be an hallucination about a giant rabbit named Harvey, who is accompanying him everywhere and is his close friend. The creature never makes a direct appearance, and is invisible to both the characters and the viewers. Although Harvey troubles his close relatives, it is far from being troubling for him, as it induces an opiate-like state where feelings of kindness and warmheartedness are nurtured. This premise could place the movie in the terrain of the farcical that can be found in some screwball or fantasy comedies of early Hollywood cinema. But there is something in the quasi-oneiric ambiguity of the plot that turns this apparently light-hearted comedy into a perhaps unintentional commentary on metafiction, with multiple layers, which I intend to analyze in this review. This is more evident in the movie, where James Stewart’s usual warm-hearted movie persona is used with effectiveness, than in the play, where the comedic elements are more recursive.
Telmo Rodrigues
In a book about playwriting (The Three Uses of the Knife), David Mamet suggests one goes to a football match in the hope of watching a perfect drama, where the team we support suffers a series of incidents before arriving at a final victory. Maybe the suggestion derives from American football (or American sports in general), which has a relatively shorter season than European football, normally stretching out for at least three quarters of the year; for one of the obvious objections to Mamet’s claim about what we desire when going to a football match would be to ask: how much suffering can I handle? Can I deal with such an emotional drama every week? Mamet believes the relationship spectators keep with a sporting event is similar to the one they keep with an entertainment show, which explains many strange things happening in sports these days. But most fans’ relationship with football, no matter if the European or American kind, is not of that type, and very rarely one goes to a match expecting anything other than our team’s victory — an outcome which might give us pleasure even when one has to endure through horrible playing.
Tiago Clariano
The Leftovers é o título de uma série televisiva adaptada do romance homónimo de Tom Perrotta, e é uma mais-valia contar com o contributo do autor para a sua adaptação ao ecrã televisivo, em conjunto com Damon Lindelof, que se tornou popular através da produção da série Lost (2004-2010). A pedra de toque do enredo é o desaparecimento súbito de 2% da população da Terra, o que inicialmente deixa os restantes habitantes num estado horrorizado e a lidar com o mistério desse mesmo acontecimento. A expressão titular The Leftovers é utilizada quotidianamente para designar o que sobra das nossas refeições, os restos; não obstante e para o caso, uma melhor e menos literal tradução seria «os restantes», visto que a série retrata a vida dos que não desapareceram.
João Esteves da Silva & Tomás N. Castro
Daniil Trifonov é o pianista que importa ouvir hoje. Aos 26 anos, o músico de origem russa é inquestionavelmente o nome da nova geração pianística que mais tem surpreendido audiências e persuadido jurados de concursos. Sobre ele, Martha Argerich — uma das maiores pianistas vivas — disse nunca ter ouvido nada assim, e também a crítica não tem sido parca em elogios. Depois de ter estudado em Moscovo com Tatiana Zelikman, muda-se para os Estados Unidos da América, onde ainda vive, e tem estudado com Sergei Babayan em Cleveland. Em 2010, numa edição notável da Competição Internacional de Piano Chopin em Varsóvia, desperta as atenções ao obter o terceiro prémio e o galardão de melhor performance de mazurcas. No ano seguinte, ganha num curto espaço de tempo os primeiros prémios nas competições internacionais Arthur Rubinstein (Tel Aviv) e Tchaikovsky (Moscovo), assim como uma série de outras distinções associadas a estes concursos. Além dos estudos formais de piano, desde cedo revela um interesse particular pela composição, cujos frutos começam já a manifestar-se: prova disso é a Rachmaniana, uma peça para piano solo cujo nome descortina a sua evidente inspiração, e o seu próprio concerto para piano e orquestra, que tem sido apresentado em numerosas ocasiões.
Sofia A. Carvalho
Inquietante e desarmante. Pode ser esta uma primeira tentativa para captar a atmosfera de Ensaio para uma cartografia, de Mónica Calle, espectáculo de abertura do Lisbon & Sintra Film Festival’17 no Centro Cultural Olga Cadaval, uma produção da Casa Conveniente e Zona Não Vigiada, e co-produção do Teatro Nacional D. Maria II. Tendo sido ideado em 2013, aquando do encontro de Mónica Calle com a bailarina e coreógrafa Luna Andermatt, este projecto foi levado a cena em diferentes regiões de Portugal, conhecendo uma versão actualizada, estreada no Teatro Nacional D. Maria II, no primeiro trimestre de 2017.