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João N.S. Almeida

186. Hans-Ulrich Gumbrecht, Crowds: The Stadium as a Ritual of Intensity

186. Hans-Ulrich Gumbrecht, Crowds: The Stadium as a Ritual of Intensity

João N. S. Almeida

Continuing the project that Hans-Ulrich Gumbrecht started with In Praise of Athletic Beauty (2006) and benefiting from much that has been put forward in Production of Presence: What Meaning Cannot Convey (2004), Crowds (2021) intends to speculate analytically on a subject’s ontological status when immersed in a crowd. As expected, the book is mostly anchored on continental philosophy: his references are authors interested in the being-as-body such as Husserl and Heidegger, who form the basis for a focus on the bodily presence as opposed to the dimension of intellectual meaning. Gumbrecht’s reasoning in those previous works tries to gravitate towards the body, a culture of presence and, specifically in this one, the ontological differences that being immersed in a crowd and watching sports may bring out.

166. Christopher Nolan, Tenet

166. Christopher Nolan, Tenet

João N.S. Almeida

Nolan não é Kubrick, tem sido dito, e apetece perguntar porque haveria de ser. Porém, a comparação é válida e possui pelo menos um bom ponto de partida: ambos são — ou parecem ser — meticulosamente exigentes quanto ao realismo na representação de certas peculiaridades técnicas pouco acessíveis ao espectador comum — no caso de Kubrick, em Dr Strangelove (1964), até hoje não se sabe ao certo como obteve os diagramas detalhados que lhe permitiram reconstruir na perfeição o cockpit de um bombardeiro B-42, na altura sob segredo de estado, e os procedimentos de lançamento nuclear a que assistimos no filme; no do realizador de Tenet, a obsessão constante que tem em alicerçar nas leis da física os argumentos fantasiosos com que costuma trabalhar.

163. Jeff Baena, Horse Girl

163. Jeff Baena, Horse Girl

João N.S. Almeida

Este filme parece-me ser absolutamente único na perspectiva que apresenta sobre a esquizofrenia. Retrata o que é a experiência de vida do esquizofrénico, quase sempre na primeira pessoa, e não envolve grandes sacrifícios que o puxem nem para a correspondência com a visão exterior do espectador lúcido, nem para a visão estética e autoral do realizador sobre essa condição psíquica, como é costume acontecer em filmes que abordam este tema.

161. Todd Phillips, Joker

161. Todd Phillips, Joker

João N.S. Almeida

Já é sabido que Joker, um projecto do realizador Todd Phillips e de Joaquin Phoenix, entre outros, não é o típico comic book movie. Será mais correcto descrever o filme como pertencente ao sub-género dramático de filmes sobre psicopatas, como Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976) e Silence Of The Lambs (Jonathan Demme, 1991), ambos com Jodie Foster — sendo que o primeiro inspirou o atentado contra o presidente Ronald Reagan, em 1981 — assim como Psycho (Alfred Hitchcock, 1960), A Clockwork Orange (Stanley Kubrick, 1974), Blue Velvet (David Lynch, 1986), M (Fritz Lang, 1931), entre outros.

156. Jazz em Agosto: John Zorn Special Edition, Fundação Calouste Gulbenkian

156. Jazz em Agosto: John Zorn Special Edition, Fundação Calouste Gulbenkian

João N. S. Almeida

O reconhecimento de John Zorn como compositor incontornável da contemporaneidade, tanto no meio do jazz como nos círculos da música erudita, é um fenómeno recente, que dura desde há cerca de 7 ou 8 anos. O seu  início coincide aproximadamente com a atribuição da MacArthur Fellowship Grant ao compositor, em 2006, e o William Schuman Award, em 2007. Nas celebrações do seu 60º aniversário, que tiveram lugar em 2013, peças da sua autoria foram acolhidas pelo MET, Lincoln Center, e pelo Guggenheim. Nos anos que se seguiram, vários ciclos temáticos foram-lhe dedicados por instituições de renome, aos quais se junta agora o ciclo Jazz em Agosto, da Gulbenkian. Ao longo do tempo, a coerência autoral do compositor tem-se mantido, mas a sua produção musical de hoje não é a mesma de há cinco, dez ou vinte anos atrás. Poder-se-ia chamar a este ponto da sua carreira uma maturação, não querendo com isso significar que Zorn se tenha estabelecido numa norma da música erudita contemporânea depois de se aventurar em terrenos do experimentalismo e da improvisação, mas sim que conseguiu conjugar em formas mais sólidas as influências díspares que sempre estiveram no seu pensamento.

150.Planet of the Apes (1968), The Omega Man (1971), Soylent Green (1973)

150.Planet of the Apes (1968), The Omega Man (1971), Soylent Green (1973)

João N.S. Almeida

Grande parte da carreira cinematográfica de Charlton Heston assemelha-se a uma biografia ideológica, onde os filmes e a expressão da pessoa pública do actor acompanham a constituição da sua personalidade privada e das suas ideias morais e políticas. Nessa progressão, podemos encontrar uma fase de referência, na passagem da década de 60 para a década de 70, quando Heston participa em Planet of the Apes (1968), The Omega Man (1971), e Soylent Green (1973), uma trilogia não premeditada de dramas de ficção científica com uma temática conservadora, republicana, e individualista.

135. Mary Chase and Henry Koster, Harvey

135. Mary Chase and Henry Koster, Harvey

João N.S. Almeida

A comedy rooted in Irish folclore, Harvey is based on a play by the same name written by the relatively unknown playwright Mary Chase in 1944, in the midst of World War II. This somewhat provides the setting for her writing, although the plot does not directly reference the war. It portrays a middle-aged bachelor who is having what appears to be an hallucination about a giant rabbit named Harvey, who is accompanying him everywhere and is his close friend. The creature never makes a direct appearance, and is invisible to both the characters and the viewers. Although Harvey troubles his close relatives, it is far from being troubling for him, as it induces an opiate-like state where feelings of kindness and warmheartedness are nurtured. This premise could place the movie in the terrain of the farcical that can be found in some screwball or fantasy comedies of early Hollywood cinema. But there is something in the quasi-oneiric ambiguity of the plot that turns this apparently light-hearted comedy into a perhaps unintentional commentary on metafiction, with multiple layers, which I intend to analyze in this review. This is more evident in the movie, where James Stewart’s usual warm-hearted movie persona is used with effectiveness, than in the play, where the comedic elements are more recursive.

123. Harold Ramis e Danny Rubin, Groundhog Day

123. Harold Ramis e Danny Rubin, Groundhog Day

João N.S. Almeida

Groundhog Day foi concebido como uma comédia com alguns elementos místico-religiosos associados, alicerçada numa premissa do género fantástico, onde um homem de constituição moral perversa é forçado, por razões desconhecidas, a viver o mesmo dia repetidamente, optando então por um progressivo melhoramento moral que leva à quebra desse ciclo e ao regresso à continuidade da vida. Mas os elementos narrativos que constituem o filme resultam num produto final que os ultrapassa e que tem vindo a ser reconhecido enquanto parábola moral enormemente sólida construída sobre um fundo alegórico de conteúdo indeterminado, algo que tentarei explicitar melhor nesta recensão.

 

111. David Lynch e Mark Frost, Twin Peaks: The Return

111. David Lynch e Mark Frost, Twin Peaks: The Return

João N.S. Almeida

No final da segunda temporada de Twin Peaks, o último episódio era constituído em grande parte por uma sequência já não onírica mas sobrenatural, ancorada no mundo real do enredo, onde uma personagem dizia ao protagonista que se voltariam a ver passados vinte e cinco anos. Esta terceira temporada surge depois desse intervalo de tempo, mas nada disto é necessariamente premeditado em Lynch. Na criação do enredo da série, os elementos narrativos são dispostos como pontas soltas que se vão completando conforme as circunstâncias o sugerirem, não só aquelas inerentes à criação artística mas também as exteriores, tal como as reacções do público e as pressões do formato e do meio. Alguns elementos acabam por permanecer non sequitur, outros adquirem uma importância que transcende o micro-enredo e atinge o patamar de veículo principal da trama. Isto é feito em modo de fluxo de consciência, técnica recuperada da pintura do expressionismo abstracto, onde Lynch se formou, mas já presente em tradições anteriores. A primeira e segunda temporadas da série foram construídas dessa forma, onde se juntavam elementos obtidos através de inspiração e improvisação, ligados ao fio principal do enredo por critérios estéticos ou até esotéricos, e não tendo necessariamente como fim uma conclusão da trama policial. A revelação forçada do assassino, a meio da segunda temporada, «matou a galinha que punha os ovos de ouro» e deixou o enredo à deriva, procurando outros fios narrativos improvisados sob pressão. Foi este o ponto em que a série foi interrompida e agora retomada.