Rodrigo Abecasis
Chega a Werner Herzog, realizador e escritor, a notícia da doença de Lotte Eisner, e este logo decide que tem de a visitar, afirmando para si mesmo que, mediante a sua própria vontade, Eisnerin (diminutivo com que por vezes trata a doente) não morrerá, nem poderá morrer. O caminho a percorrer para cumprir este estranho desígnio tem de ser o mais árduo, uma prova de resiliência, mas também tem de ser o mais demorado. Como se pode apaziguar o ímpeto inevitável da natureza, que a morte a todos leva, senão através do que nos parece ser um esforço que quase vai além do comum mortal, um esforço cuja expressão mais significativa nunca poderá deixar de ser a tolice que é comum a todos os homens? De Munique até Paris, então, e a pé.
Pedro Tiago Ferreira
Sentido e Valor do Direito é uma obra de cariz filosófico que analisa três grandes questões, a saber: “o que é o Direito?”, “o que é a Justiça?” e quais as relações entre ambos.
HELENA CARNEIRO
Segundo Northrop Frye, a comédia tem como elemento obrigatório um final feliz, momento em que é restabelecida uma ordem que se impõe contra o absurdo das situações que ocuparam a acção. Nos contos de Lorrie Moore reunidos em Bark a integração de situações absurdas ocorre sem qualquer resolução organizadora: no final de «The Juniper Tree», por exemplo, uma mulher atira uma tarte merengada contra a própria cara, sem que algo se siga a este evento – o artifício cómico é usado no final. Notando que outro dos contos, «Subject to Search», termina com a frase «Deixamo-nos todos levar por um final feliz» (p. 173), é possível questionar a convencionalidade inerente a finais felizes e perceber de que modo os finais de Moore podem ou não entrar na categoria da comédia.
PEDRO TIAGO FERREIRA
Em La mediación editorial, Jerónimo Pizarro fala da edição póstuma da obra de Fernando Pessoa (capítulo I, pp. 29-92), da edição igualmente póstuma de Macedonio Fernández (capítulo II, pp. 93-144), das edições críticas da “Colección Archivos” (capítulo III, pp. 145-194) e da forma como os filólogos devem lidar com aquilo que, em crítica textual, se denomina por “originais” (capítulo IV, pp. 195-248), com o intuito de defender a seguinte tese, expressamente formulada no prólogo (pp. 9-27) do seu ensaio:
JOÃO PEDRO VALA
Marilynne Robinson é uma escritora e ensaísta congregacionalista norte-americana, nascida no estado de Idaho. Além da trilogia sobre a vida em Gilead, da qual Gilead (vencedor do Pulitzer Prize for Fiction e do National Book Critics Circle Award de 2005) é o primeiro volume, Marilynne Robinson é autora de Housekeeping (1980) e de vários livros de ensaios, tendo ainda escrito uma tese de doutoramento sobre Henry VI, Part II de Shakespeare. O romance Gilead foi publicado em Portugal pela Difel em 2006, com o título Ao Meu Filho.
JORGE ALMEIDA
No segundo capítulo de Expedição Nocturna à Volta do Meu Quarto (p. 119), Xavier de Maistre conta como impediu que o seu criado fugisse com um cofre que pertencia ao próprio de Maistre: “Alcancei-o facilmente e, sem dizer nada, caminhei ao lado dele algum tempo sem me reconhecer. Se quiséssemos descrever a expressão de espanto e de temor levada ao extremo no semblante humano, poderia ele servir de modelo perfeito no momento em que deu por mim a seu lado. Tive todo o vagar para fazer esse estudo; com efeito, estava tão desconcertado com o meu aparecimento inesperado e com a cara séria com que o olhava, que prosseguiu algum tempo comigo sem dizer palavra, como se estivéssemos os dois de passeio”.
TIAGO PATRÍCIO
Comecemos pelo título. Apesar de não ser muito comum o uso de advérbios, a sua presença promete ao leitor entrar imediatamente numa história em andamento. O título deste conjunto de onze contos parece assim anunciar retratos de personagens, quase todas femininas, entre a exaltação e o desfalecimento (com todas as variações possíveis entre estes dois estados), construídos pela autora ao longo de cada uma das narrativas.
ALEXANDRE ANDRADE
Este livro assenta sobre um postulado que surge explicitamente poucas páginas depois do início, como algo de fatal e não sujeito a contestação: o de que escrever sobre a música de Johann Sebastian Bach é uma empreitada impossível ou inútil. (Ou seja, a ideia de que aqueles que metam ombros à tarefa e que a concretizem acharão no fim irrisórios os frutos desse esforço – a música permanecerá inabordável e incomensurável e as palavras nada dirão a não ser a própria irrelevância.) Aceitar isso não implica uma derrota e tão-pouco condena o livro a ser a crónica de uma derrota. A batalha e a guerra estavam perdidas à partida.
Maria Rita Furtado
Numa entrevista publicada no site Literary Hub, Lydia Davis fala de aprender línguas estrangeiras (no caso, norueguês) e informa o leitor de que não usa dicionários: «No, I never use dictionaries. Then there would have been no challenge. No intellectual challenge at all!» A ideia de desafio é fundamental para o que a autora explica tanto sobre a aprendizagem de uma língua estrangeira (trata-se de um jogo, de um enigma que deve ser resolvido), como também sobre a sua própria escrita. O que torna interessante a leitura de Can't and Won't – a colecção mais recente de contos de Lydia Davis, publicada em 2014 e recentemente traduzida pela Relógio d'Água com o título de Não Posso Nem Quero – é, precisamente, a ideia de enigma.
Telmo Rodrigues
Quando há uns anos começaram a circular rumores sobre uma nova biografia de Sandy Denny, os fãs apressaram-se a louvar as boas notícias nas redes sociais e em fóruns da internet dedicados à cantora; o motivo do entusiasmo não era a ausência de material publicado sobre Denny, mas o facto de a biografia mais bem-sucedida comercialmente ser a de Clinton Heylin, No More Sad Refrains (Helter Skelter, 2002).
Helena Carneiro
Ter acesso, num só volume, aos primeiros romances de um dado autor, cria a expectativa de se poder analisar a evolução da escrita desse mesmo autor. No entanto, em Crónicas do Mal de Amor – livro que reúne os três primeiros romances de Elena Ferrante, Um Estranho Amor (1991), Os Dias do Abandono (2002) e A Filha Obscura (2006) –, em vez de uma progressão, ou «desenvolvimento», aquilo com que nos deparamos assemelha-se ao modo como Philip Larkin classifica as obras de Barbara Pym: «Enquanto romances não demonstram qualquer desenvolvimento; o primeiro é tão ‘experiente’ quanto o último».
Pedro Tiago Ferreira
Em Os Livros de Fernando Pessoa, Pedro Sepúlveda defende a tese de que "nos fundamentos da obra de Pessoa [há] um pensamento de índole editorial que os determina" (p. 18). Este mesmo pensamento concretiza-se de duas formas. Por um lado, através da utilização de nomes de autor, que "funcionavam como categoriais editoriais, definidoras e delimitadoras das obras e dos livros projectados" (p. 331). Por outro, através da abordagem ao problema "da concepção do livro, entendido como suporte ao qual Pessoa sempre associou a ideia de um todo orgânico que seria a expressão de uma obra no seu estado de completude", e que funcionaria como "ideal condutor, que corresponderia à apresentação de uma obra liberta do seu carácter lacunar, imperfeito ou fragmentário" (p. 40).
JOÃO PEDRO VALA
Na última cena do filme, Jep Gambardella (Toni Servillo) tem uma epifania, em tudo semelhante ao episódio final de Em Busca do Tempo Perdido, que lhe revela finalmente a grande beleza que procurava e lhe permite começar a escrever o seu segundo romance, sucessor deL’Apparato Umano. Gambardella, ao ter um vislumbre do esplendor da sua juventude, compreende que a vida se esconde debaixo das conversas sem significado e que o silêncio e o medo só podem ser vislumbrados fugazmente por entre o ruído. Compreende que há um manto de banalidade que cobre a sua vida e o impede de ver os “clarões de beleza insignificantes e inconstantes […], a miséria desgraçada e o homem miserável”. Mas a parte mais importante da epifania é enunciada logo no início: “Finisce sempre così. Con la morte”.
Rodrigo Abecasis Fernandes
Começo por Poetry in the Making. Ted Hughes foi convidado a redigir uma série de lições sobre como se escreve, destinadas a um público jovem, e este é o resultado. Tanto a primeira lição como as últimas se caracterizam por um tom mais pessoal que as restantes, que, apesar de adoptarem uma atitude um pouco pedante, nada têm de austero ou de insípido. O tom geral com que Hughes se dirige ao seu público está bem equilibrado, e os vários desvios, as frases soltas características deste estilo de dar lições, são particularmente interessantes quando chamam a atenção para o quanto de estranho há na actividade que consiste em sentarmo-nos perante um bocado de papel e escrever um poema, uma história, um romance (ver, por exemplo, o capítulo “Learning to Think”, muito mais perspicaz e moderado do que as palavras que lhe dão título).
FREDERICO PEDREIRA
Um dos valores mais evidentes da poesia do escritor catalão Joan Margarit (Sanaüja, 1938) revela-se no jogo táctico e decoroso que o autor mantém com a ideia de tempo. É na consideração do tempo enquanto ideia simultaneamente difusa e capaz de uma concentração emocional irradiante que o poeta encontra o tom particular da sua expressão. O espaço do poema, mais do que um motivo de revisitação do passado, é uma espécie de homenagem à possibilidade de recomeço que o momento da escrita sempre promete, e Margarit presta esta homenagem através de um trabalho apurado e vigilante de rememoração.
ALEXANDRE ANDRADE
Não custa imaginar que, na génese de Cláudio e Constantino, existiu um desafio que a autora colocou a si própria e cuja resposta acabou por coincidir com o modo de viver das próprias personagens do romance. Esse desafio consistiria em fazer progredir um enredo, ou uma vida, à força de dilemas lógicos, paradoxos e aporias que se sucedessem sequencialmente e sem origem evidente.
TELMO RODRIGUES
A conversa sobre limites do género em cinema é antiga e costuma ser ocasionalmente ressuscitada por certos filmes, nomeadamente aqueles que advogam pertencer a um género, mas que dependem formalmente de técnicas comuns noutros géneros. Seria expectável que esta conversa ressurgisse a propósito do filme 20 Mil Dias na Terra, que ganhou dois prémios de documentário no festival de Sundance de 2014, mas tal apenas se verificou residualmente: a construção formal do filme depende tanto de artifícios específicos da ficção que se levantam poucas dúvidas acerca do carácter ficcional daquilo que se passa. O aviso feito pela voz de Nick Cave na primeira frase que lhe ouvimos é, aliás, lacónico a esse respeito: “No final do século XX deixei de ser um ser humano.” Talvez seja por isso que a vertente documental está tão submissa à ficção e às suas técnicas: o Nick Cave deste filme é uma personagem e não um “ser humano”.
Jorge Almeida
Numa conversa entre duas personagens do romance Ilusões Perdidas de Balzac, um jornalista experiente aconselha o aspirante a jornalista Lucien de Rubempré, dizendo-lhe: “Fais un peu de statistique, science assez utile quand on n'en abuse pas.” Só parte do conselho, aquela que antecede a vírgula, parece ter chegado aos ouvidos do antigo jornalista David M. Friedman, autor de Wilde in America: Oscar Wilde and the Invention of Modern Celebrity (2014), uma vez que nesta obra o autor parece considerar que um relato alagado em estatísticas da tournée de conferências que Wilde fez nos Estados Unidos da América em 1882 é suficiente para explicar em que consiste a invenção de um processo que permite a qualquer um passar do anonimato ao estrelato e de que forma esse processo se tornou paradigmático nos nossos dias.
Ana Cláudia Santos
Em conversa com Paul Holdengräber, Adam Phillips declara que a melhor forma de ler Freud é encará-lo não como “um cientista da mente humana” mas como um romancista, considerando que, de um ponto de vista psicanalítico, o poder evocativo dessa leitura (aquilo que se faz dela) é mais importante do que o conhecimento que possa proporcionar. O que faz Adam Phillips de Freud? Como é evocado o fundador da psicanálise em Becoming Freud: The Making of a Psychoanalyst?
Joana Meirim
A toponímia lisboeta costuma ser a guardiã da memória póstuma de muitos poetas. Se muitos são indissociáveis das ruas a que deram o seu nome, há outros que estão ligados à topografia e, felizmente, não por terem o nome de uma rua. Qualquer habitante da zona de Arroios, qualquer cliente assíduo do café-restaurante Danúbio ou da Tarantela, ao largo de Neptuno, já terá reparado na figura de Adília Lopes. Vivi mais de duas décadas na rua José Estêvão e observei várias vezes esta figura, antes mesmo de saber que a Adília é uma poetisa (conhecimento que devo ao Herman José, que a entrevistou num programa em 2001). Depois do programa do Herman, a rua José Estêvão passou a ser, pelo menos para mim, a rua da Adília Lopes.