Viewing entries tagged
Telmo Rodrigues

218. João Dionísio, Os Livros de M. S. Lourenço

218. João Dionísio, Os Livros de M. S. Lourenço

Telmo Rodrigues

No Apêndice C de Os Livros de M. S. Lourenço, de João Dionísio, reproduz-se «o catálogo da exposição dedicada aos livros de M. S. Lourenço, que teve lugar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa […] nos dias 4 a 21 de maio de 2011» (p. 163).

200. Frederico Pedreira, Um Virar de Costas Sedutor

200. Frederico Pedreira, Um Virar de Costas Sedutor

Telmo Rodrigues

Numa ficção de cariz autobiográfico recente, A Lição do Sonâmbulo (2020), Frederico Pedreira parecia interessado nas consequências vinculativas de actos não intencionais (ou pelo menos na dificuldade de contar uma história pessoal que vacila entre a educação formal e a relevância constitutiva de actos aparentemente insignificantes). A dificuldade nesse Bildungsroman era articular a dissonância entre a relevância efectiva do trabalho intelectual e o peso que tem qualquer acção desligada desse esforço: jogar à bola num quintal é mais relevante para a formação de carácter do que as horas perdidas a ler Pessoa; mais difícil ainda é articular a relevância entre ler Pessoa sem compromisso e a inutilidade da mesma acção inserida num contexto académico:

Não sei se terá sido sonho meu, dado o prazer que sempre senti ao reler as páginas da pobre edição d’O Livro do Desassossego que o meu avô fizera questão de me oferecer, prazer esse que depois da odiosa obrigação escolar se fora tornando independente e crescendo ao longo dos anos de leitura canina (…) (A Lição do Sonâmbulo, p. 32).

159. Caridade, S.; Estrada, R.; Fonte, C.; Isabel Sani A.; Nunes, L.; Pimentel Alves, S. (Coord.), Comportamento e Saúde Mental: Dicionário Enciclopédico

159. Caridade, S.; Estrada, R.; Fonte, C.; Isabel Sani A.; Nunes, L.; Pimentel Alves, S. (Coord.), Comportamento e Saúde Mental: Dicionário Enciclopédico

Telmo Rodrigues

No contexto contemporâneo, uma enciclopédia ou dicionário novos representam acima de tudo uma lista bibliográfica actualizada sobre determinada área de interesse. Essa visão empobrecida ameaça qualquer empresa como a proposta por Comportamento e Saúde Mental: Dicionário Enciclopédico, que, como outros projectos similares, preserva a ambição de ser de alguma forma enriquecedor. A facilidade no acesso à informação fez com que se perdesse «a segurança da informação, pois as fontes se tornaram demasiadamente voláteis» (p. 506) e, num movimento contra-intuitivo, reavivou a necessidade de manuais cientificamente fidedignos, pelo que o sentido de oportunidade para esta edição é perfeito.

157. Patty Schemel, Hit So Hard: A Memoir

157. Patty Schemel, Hit So Hard: A Memoir

Telmo Rodrigues

For some reason, Patty Schemel’s autobiography has let me down. Schemel’s narrative holds its pace along the way (although lackluster towards the end), it is packed with good descriptions, it has many emotional turnabouts, and it details private moments of some of the most important stars of the last decades without seeming gossipy or in any way deceitful — so there seems to be no particular reason for my feeling. If the disappointment is not located in the writing, I must account for it in some other way. To do so, I would like to explain the two moments in the book where I would say Schemel’s adopted style seems to flutter: the description of the relationship with Kurt Cobain and the final chapters concerning her life after her last rehab.

151. Yo La Tengo, There’s a Riot Going on

151. Yo La Tengo, There’s a Riot Going on

Telmo Rodrigues

There’s a Riot Going On, último disco dos Yo La Tengo, terá em grande medida passado despercebido. O facto podia ser ponto de ataque de várias diatribes sobre a indústria musical e a maneira como se consome música hoje em dia, mas isso obrigaria a que se deixasse escapar uma conformidade óbvia entre forma e conteúdo: o disco é tão discreto que a sua existência recatada pode ser justamente apelidada de justiça poética.

149. Fernando Sobral, Futebol, O Estádio Global

149. Fernando Sobral, Futebol, O Estádio Global

Telmo Rodrigues

Na sequência de uma crítica aos jogadores da equipa de futebol, o presidente do Sporting Clube de Portugal, Bruno de Carvalho, viu-se envolvido num conjunto de situações peculiares que incluíram uma resposta oficial por parte dos jogadores e uma contra-resposta em que o presidente garantia que as pessoas não o percebem e que, por isso, todos os jogadores seriam castigados. Duramente criticado por muitos sócios, o Presidente do Sporting afastou-se dos meios de divulgação noticiosa (oficiais e oficiosos). Depois de alguns dias de silêncio forçado, ansioso por responder ao que apelidara de ingratidão, dirigiu-se aos críticos num discurso no Núcleo do Sporting de Soure onde, entre outras coisas filosoficamente interessantes, afirmou: «Se para vocês basta existir e respirar, está bom.»

134. Simon Critchley, What We Think About When We Think About Football

134. Simon Critchley, What We Think About When We Think About Football

Telmo Rodrigues

In a book about playwriting (The Three Uses of the Knife), David Mamet suggests one goes to a football match in the hope of watching a perfect drama, where the team we support suffers a series of incidents before arriving at a final victory. Maybe the suggestion derives from American football (or American sports in general), which has a relatively shorter season than European football, normally stretching out for at least three quarters of the year; for one of the obvious objections to Mamet’s claim about what we desire when going to a football match would be to ask: how much suffering can I handle? Can I deal with such an emotional drama every week? Mamet believes the relationship spectators keep with a sporting event is similar to the one they keep with an entertainment show, which explains many strange things happening in sports these days. But most fans’ relationship with football, no matter if the European or American kind, is not of that type, and very rarely one goes to a match expecting anything other than our team’s victory — an outcome which might give us pleasure even when one has to endure through horrible playing.

94. Paul Bloom, Against Empathy: The Case for Rational Compassion

94. Paul Bloom, Against Empathy: The Case for Rational Compassion

Telmo Rodrigues

Paul Bloom’s Against Empathy belongs to a recent trend of making the case for bold and counter-intuitive claims, usually through a huge amount of scientific and academic apparatus. It is not without some surprise, then, that the research used throughout the book is treated accordingly to the needs of the argument, considered at times sound proof for a belief while many times being rebuffed as inaccurate. For instance, questionnaires provide several types of scales, but we are informed these types of scales are easily misleading as subjects can lie or be influenced by several types of conditions (nonetheless, the Baron-Cohen scale of empathy, classified as problematic, is used several times). At a certain point, a study is given to explain how the place where questionnaires and studies are carried has impact on the results: “People are more likely to vote for sales taxes that will fund education when the polling place is in a school” (160). Besides this, many studies are put into question by counter studies set on proving the first wrong. Given the fickle nature of the research, and of the use given to it, we are left with Mr. Bloom’s ability to argue his case.

85. Johnny Cash, Forever Words

85. Johnny Cash, Forever Words

Telmo Rodrigues

It is only fitting that Johnny Cash’s Forever Words: The Unknown Poems was published in late 2016, only a few weeks after Bob Dylan was awarded the Nobel Prize in Literature. It is not fitting for the dignity Dylan’s prize bestowed upon singers and songwriters (although some was indeed bestowed), and it is not fitting because it entitles the editor of the volume, Paul Muldoon (himself a poet), to select lyrics of songs Cash never recorded and call them “poems”; what makes the publishing timing for this book perfect is the public discussion, aroused by Dylan’s award, about the validity of counting songwriting as literature, for this volume represents the unflawed way to end the discussion: to present a book of good poetry.

82. Mário Lopes, A Ganhar ou a Perder: Um Ano de Sporting

82. Mário Lopes, A Ganhar ou a Perder: Um Ano de Sporting

Telmo Rodrigues

Numa das trinta crónicas que compõem o livro A Ganhar ou a Perder, descrevendo um lance que se passa perto da baliza do topo norte do estádio de Alvalade, Mário Lopes afirma que «desde a bancada sul, não se percebe nada do que se passa» (p. 99). A afirmação é verdadeira e posso confirmá-la pelo simples facto de também eu me sentar nessa bancada, tão longínqua da «baliza pequena», nome usado por oposição à «baliza grande», aquela que fica junto ao topo sul, onde estão as claques do Sporting Clube de Portugal, e onde tanto eu como o autor nos sentamos quinzenalmente (num mundo ideal) para ver o nosso clube jogar.

73. Ben Lerner, Leaving the Atocha Station

73. Ben Lerner, Leaving the Atocha Station

Telmo Rodrigues

O primeiro livro de prosa do poeta Ben Lerner, Leaving the Atocha Station, recebeu, de forma geral, críticas muito positivas. Entre as várias questões levantadas nessas críticas, amais abordada foi a maneira como a relação óbvia entre o narrador, Adam Gordon, e o próprio autor se dilui através da bonomia que marca a ficção. O bom humor confere à história uma nota de liberdade que não seria expectável quando os factos descritos são tão claramente autobiográficos, sendo que os críticos destacaram muitas vezes o desprendimento do autor face à personagem Adam, que é declaradamente, em muitos momentos, reflexo de si próprio. 

67. Frederico Lourenço, O Lugar Supraceleste

67. Frederico Lourenço, O Lugar Supraceleste

Telmo Rodrigues

Há muitos anos, uma pessoa muito estúpida perguntou-me se eu «agora» só lia coisas em inglês. A pergunta surgiu no contexto de uma conversa banal sobre a relevância de artistas portugueses e terá tido origem no facto de eu ter sido apanhado a ler um livro em inglês (a trilogia do Roddy Doyle, provavelmente). A implicação era a de que agora, que dominava a língua inglesa ao ponto de ler uma coisa «grande» como um livro com três romances lá dentro, seria mais um dos que desbaratam toda a arte que se produz em Portugal com tanto afinco e tanto suor. Ainda hoje me orgulho do impropério que atirei à pessoa em causa, um registo de imaturidade linguística mas de alguma maturidade intelectual.

58. James Booth, Philip Larkin: Life, Art and Love

58. James Booth, Philip Larkin: Life, Art and Love

Telmo Rodrigues

O poeta inglês Philip Larkin (1922-1985), nunca tendo casado, manteve durante a maior parte da vida uma relação amorosa com Monica Jones, professora na Universidade de Leicester. Em simultâneo com esta ligação, Larkin envolveu-se numa segunda relação, por um período mais curto, com Maeve Brennan, com quem trabalhava em Hull. Em Philip Larkin: Life, Art and Love, James Booth relata que, em finais de 1975, ainda mantendo relações com Jones e Brennan, o poeta iniciou uma ligação amorosa com a sua secretária de há quase duas décadas, Betty Mackereth; esta terceira relação ter-se-ia conservado secreta, se Andrew Motion, autor da biografia oficial de Larkin (Philip Larkin: A Writer’s Life, 1993), não tivesse descoberto o caso quando fazia pesquisa para escrever o seu livro.

54. John Szwed, Billie Holiday: The Musician and the Myth

54. John Szwed, Billie Holiday: The Musician and the Myth

Telmo Rodrigues

Na introdução a Billie Holiday: The Musician and the Myth, John Szwed questiona-se sobre a legitimidade de escrever outro livro sobre Billie Holiday quando já existem mais de quarenta sobre vários aspectos da vida e obra da cantora, cada um focando uma das múltiplas «facetas» da figura pública que muitos consideram das melhores vozes da música moderna. A pulsão que o anima, e que ele considera validar o seu trabalho, é a análise da obra sem que esta seja afectada pelos diversos preconceitos gerados ao longo do tempo sobre a relação entre a vida pública e privada de Holiday, particularmente no que diz respeito aos acontecimentos mais mediáticos, como a dependência de drogas e álcool, as dificuldades impostas pelo racismo durante o período em que durou a sua carreira, as detenções por posse de estupefacientes ou os abusos de que foi vítima (maridos, agentes e empresários foram em várias alturas acusados de violência física e psicológica). 

44. Mike Houghton, I've Always Kept a Unicorn: The Biography of Sandy Denny

44. Mike Houghton, I've Always Kept a Unicorn: The Biography of Sandy Denny

Telmo Rodrigues

Quando há uns anos começaram a circular rumores sobre uma nova biografia de Sandy Denny, os fãs apressaram-se a louvar as boas notícias nas redes sociais e em fóruns da internet dedicados à cantora; o motivo do entusiasmo não era a ausência de material publicado sobre Denny, mas o facto de a biografia mais bem-sucedida comercialmente ser a de Clinton Heylin, No More Sad Refrains (Helter Skelter, 2002).

36. 20 Mil Dias na Terra, Real. Iain Forsyth e Jane Pollard

36. 20 Mil Dias na Terra, Real. Iain Forsyth e Jane Pollard

TELMO RODRIGUES

A conversa sobre limites do género em cinema é antiga e costuma ser ocasionalmente ressuscitada por certos filmes, nomeadamente aqueles que advogam pertencer a um género, mas que dependem formalmente de técnicas comuns noutros géneros. Seria expectável que esta conversa ressurgisse a propósito do filme 20 Mil Dias na Terra, que ganhou dois prémios de documentário no festival de Sundance de 2014, mas tal apenas se verificou residualmente: a construção formal do filme depende tanto de artifícios específicos da ficção que se levantam poucas dúvidas acerca do carácter ficcional daquilo que se passa. O aviso feito pela voz de Nick Cave na primeira frase que lhe ouvimos é, aliás, lacónico a esse respeito: “No final do século XX deixei de ser um ser humano.” Talvez seja por isso que a vertente documental está tão submissa à ficção e às suas técnicas: o Nick Cave deste filme é uma personagem e não um “ser humano”.

31. Morrissey, Autobiography

31. Morrissey, Autobiography

Telmo Rodrigues 

As primeiras reacções à publicação de Autobiography de Morrissey foram dedicadas às novidades íntimas: a relação homossexual, o filho que ele pensou poder ter, as opiniões sobre os membros dos The Smiths e outras personagens famosas. Num segundo momento, a preocupação da crítica foi com o valor desta autobiografia e, aí, parece ter havido consenso sobre a dificuldade em considerá-la digna de figurar entre os clássicos da Penguin.

30. Richard Hell, I Dreamed I Was a Very Clean Tramp: An Autobiography

30. Richard Hell, I Dreamed I Was a Very Clean Tramp: An Autobiography

Telmo Rodrigues

Malcolm MacClaren, o empreendedor responsável pela formação dos Sex Pistols, terá modelado a banda que simbolizaria o punk britânico à imagem de um músico: Richard Hell. MacClaren conheceu Hell no princípio dos anos setenta, em Nova Iorque (antes de qualquer um dos dois se tornar famoso), quando tentava revitalizar os New York Dolls. Os Sex Pistols viriam a ser a grande obra de MacClaren, uma obra que ele já tinha tentado construir – e falhado – como agente dos Dolls. 

23. Kim Gordon, Girl in a Band: A Memoir

23. Kim Gordon, Girl in a Band: A Memoir

Telmo Rodrigues

Em 2011, a separação de Kim Gordon e Thurston Moore, o casal que esteve na origem dos Sonic Youth, apanhou todos de surpresa: uma relação de trinta anos e um casamento de vinte e sete acabavam, pondo fim à banda e ao sonho que muitos alimentavam de manter uma relação familiar funcional ao mesmo tempo que se mantém uma produção artística relevante (neste caso particular, alguma da música mais relevante das últimas décadas). Na sequência do divórcio, Kim Gordon retomou, de forma mais activa, a sua relação com a arte, dedicando-se a vários projectos, um dos quais a publicação de um livro de ensaios sobre vários tipos de arte editado por Branden W. Joseph (Is It My Body?, 2014). Nesse livro, que colige ensaios da autora desde finais dos anos setenta, uma das preocupações centrais é o lugar da mulher na arte e na música, e, mais especificamente, o lugar de Gordon numa banda de homens (até a sua posição no palco é alvo de escrutínio).

5. David Byrne, How Music Works

5. David Byrne, How Music Works

Por Telmo Rodriges

Livros que tentam abordar a música enquanto arte tendem a dividir-se em dois tipos. Num lado do espectro estão os livros em que a prosa tenta, de alguma forma, emular aquilo que os autores sentem ao ouvir música, como se uma descrição das sensações que se tem ao ouvir música constituísse a melhor maneira de explicar a arte; no outro lado do espectro estão os livros que pretendem exactamente o oposto, explicar a música enquanto um conjunto de regras e relações que não dependem de factores emotivos, livros técnicos que parecem obrigar os leitores a anos de estudo de conservatório para os poderem perceber. O novo livro de David Byrne, How Music Works (Como Funciona a Música), parece situar-se entre estas duas posições embora, e a favor do autor, se declare explicitamente pelo lado técnico.