Lauro Reis
Masaoka Shiki faz parte do quarteto de mestres de haiku japoneses, juntamente com Matsuo Bashô, Yosa Buson e Kobayashi Issa. Desse grupo, Shiki é o mais contemporâneo, o que viveu menos tempo e o que compôs mais poesia. É também o mais iconoclasta dos quatro, especialmente pela sua interpretação considerada blasfema da obra do seu precursor Matsuo Bashô. Numa época em que este havia sido elevado a estatuto divino pelo Estado, Shiki argumentou que era Buson, e não Bashô, o que detinha maior qualidade poética. Todavia, uma das contingências interessantes da vida de Shiki é o facto de ser o único membro do quarteto que viveu na época de abertura forçada do Japão ao ocidente. Após um período de cerca de duzentos e cinquenta anos de reclusão nacional (Sakoku 鎖国 1603-1868), os artistas japoneses entravam em contacto, pela primeira vez em larga escala e em variedade, com a arte e pensamento ocidental. No caso de Shiki, foram as teorias do crítico de arte, pintor e filósofo John Ruskin que, de acordo com a introdução de Joaquim M. Palma (doravante JMP), mais impacto lhe causaram, sobretudo nos seus esforços argumentativos de renovação e habilitação do haiku enquanto forma de arte universal.
Lauro Reis
Hojôki é o título de uma micronarrativa autobiográfica sobre um poeta japonês e a sua cabana. É um texto que discorre sobre os motivos por que Kamo No Chômei, o autor, decidiu afastar-se da vida urbana e construir, já na segunda metade da sua vida, uma cabana minúscula no meio de uma montanha, abdicando de todo o conforto material da vida na capital.
Lauro Reis
Yosa Buson (1716-1784) é considerado retrospectivamente pela crítica como um dos maiores poetas japoneses modernos. Antes do reconhecimento das suas capacidades poéticas, reconhecimento inaugurado por Masaoka Shiki (1867-1902), Buson era celebrado sobretudo pela sua qualidade enquanto pintor. Embora não fosse extraordinário o artista japonês dedicar-se a vários ofícios artísticos, o que distingue Buson da maioria é a sua excelência nesses dois planos. Porém, a sua excessiva humildade fazia-o considerar a sua própria poesia não meritória de qualquer obra publicada exclusivamente em seu nome: «Não é necessário fazer-se uma compilação dos meus haikus. Muitas vezes, publicar um poeta reconhecido acaba por trazer-lhe problemas. O que se torna bem pior para alguém que não passa da mediania, como é o meu caso.» Resta-nos agradecer à desobediência dos seus discípulos em publicar postumamente uma colectânea dos haiku do seu mestre, mestre esse que via no seu precursor Matsuo Bashô o pináculo de arte poética que modestamente procurava emular.
Lauro Reis
Em 2016, dois anos antes de publicar Normal People, Sally Rooney publicou um conto chamado «At the Clinic», protagonizado pelas duas personagens centrais do seu futuro romance, Connell e Marianne. Já nesse conto se encontrava um proto paradigma do tipo de relação que diferencia estas personagens em Normal People.
Lauro Reis
O filme mais recente de Bong Joon-Ho procura transportar a dinâmica entre parasita e hospedeiro para um contexto humano. Uma família desempregada de quatro (pai, mãe, filho, filha), sobrevivendo numa cave, roubando internet de cafés e dobrando caixas de pizza, depara-se com a oportunidade de anexar-se à vida de outra família, explorando e consumindo os recursos da família hospedeira.
Lauro Reis
O último romance do mais recente Nobel da literatura parte de uma premissa invulgar: um casal idoso, Axl e Beatrice, parte em busca de um filho do qual não se lembram, num mundo desconhecido, fantástico e hostil, povoado por dragões, ogres e cavaleiros da Távola Redonda. No decurso dessa jornada, o relacionamento entre Axl e Beatrice será testado, tanto pelas provações físicas que aquele mundo lançará, como pelas recordações que poderão emergir. A constante possibilidade de anagnórise por parte de ambos os protagonistas é o motor deste romance, um mecanismo usado como forma de humanizar as próprias personagens e a Grã-Bretanha imaginária onde se encontram, mas também como propulsor da acção para um desfecho ambíguo e alegórico.
Lauro Reis
Há palestras que merecem ser recordadas e palestras que merecem ser lidas, muito depois de realizadas. Felizmente, ambas costumam convergir na mesma obra. Estas seis palestras, reunidas neste livro e proferidas em Harvard, no Outono de 1967, no âmbito das palestras Norton, não são excepção; mais que não seja pelo facto de Borges, por mais que o próprio negue com toda a sua característica humildade, ser em si mesmo uma excepcionalidade.
Lauro Reis
Paterson é um poeta e condutor de autocarros. Vive em Paterson, Nova Jérsia, com a sua companheira chamada Laura, que sonha abrir uma pastelaria e tornar-se uma estrela de música country. Paterson escreve poemas antes de começar o seu turno no trabalho, durante a pausa de almoço e quando tem algum tempo livre. Gosta de escutar as conversas dos passageiros enquanto conduz o autocarro e de contemplar as quedas d´água do rio Passaic, enquanto come o almoço que Laura lhe preparou. Todas as noites passeia um Bulldog Inglês chamado Marvin até ao seu bar habitual, onde toma a sua expectável cerveja, assinalando assim o final desse dia.
Lauro Reis
Para alguém familiarizado com literatura japonesa, o nome de Matsuo Bashô não acarretará novidade alguma; a sua obra poética continua a despertar curiosidade e a influenciar o curso poético japonês séculos após a sua vida (Bashô nasceu em 1644 e faleceu em 1694). Todavia, o interesse pela sua obra não se concentra somente em território nipónico: apesar do distanciamento temporal e idiomático, Bashô é traduzido hoje em quase todos os continentes. No que toca à presença de Bashô no contexto português, é fundamental destacar a clareza e consistência desta versão portuguesa da sua obra: perante todas as disparidades linguísticas, hermenêuticas e/ou culturais (discutidas, debatidas e esmiuçadas eternamente pelo e além do ofício da tradução), Joaquim M. Palma (doravante JMP) contribui para a divulgação de um poeta que se tem difundido para além das fronteiras geográficas, linguísticas e culturais de onde emergiu, ao transpor para português a obra completa de haikus, juntamente com as respectivas notas, glossários, contextualizações e esclarecimentos técnicos.
Lauro Reis
Depois de quase três décadas de avanços e recuos, Martin Scorsese concretiza finalmente o projecto que havia idealizado depois de realizar A Última Tentação de Cristo (1988). Silêncio (2016) é uma adaptação do livro homónimo de Shusaku Endo, escritor japonês cristão, publicado em 1966. Esta adaptação cinematográfica reproduz fielmente a narrativa do romance epistolar de Endo: após saber que o seu mestre, o padre jesuíta Cristóvão Ferreira, havia apostatado, renunciado à sua fé em público pisando uma figura de Cristo (fumi-e), e recomeçado a sua vida como um japonês, os seus discípulos, padres Sebastião Rodrigues e Francisco Garupe, não acreditando em tais rumores, partem para o Japão em busca de respostas. Esta é a premissa de um filme que se destaca pelo contraste entre a claridade de execução cinematográfica e a sua ambiguidade temática: a duplicidade do silêncio como abandono ou aproximação a Deus.