175. Josep Maria Esquirol, A Resistência Íntima, Ensaio de uma Filosofia Da Proximidade

175. Josep Maria Esquirol, A Resistência Íntima, Ensaio de uma Filosofia Da Proximidade

Madalena Quintela

Em Maio do passado ano de 2020, foi publicada pelas Edições 70 a tradução para português do ensaio do filósofo Josep Maria Esquirol, A Resistência Íntima, Ensaio de uma Filosofia da Proximidade. Esquirol é professor de Filosofia na Universidade de Barcelona, onde dirige um grupo de investigação, de nome Aporia, e a presente obra, publicada pela primeira vez em 2015 pela editora espanhola Acantilado, valeu ao seu autor o Prémio Ciutat de Barcelona, logo em 2015, e o Premio Nacional de Ensayo, em 2016.

174.  João Madureira, Estudos Literários: Retratos

174. João Madureira, Estudos Literários: Retratos

João Maria Carvalho

É certamente motivo de espanto que entre os estudos literários publicados no último ano se destaque um conjunto de peças musicais. Se, num primeiro momento, a designação nos parece apenas sugestiva, a escuta deste disco confirma a sua exactidão, mostrando ser possível à escrita musical a realização de indispensáveis «estudos literários». Faz já algum tempo que o compositor João Madureira se tem revelado um atento leitor. A sua música foi-nos habituando a compreender melhor os poemas de Ana Hatherly – em peças como «Noite» (2010), «3 momentos para Ana Hatherly» (2003) – ou a situar o lugar da poesia e da literatura na liturgia, como faz na «Missa de Pentecostes» (2010), em que poemas de Teixeira de Pascoaes, José Augusto Mourão ou Mário Cesariny dão corpo à celebração comunitária.

173. Zena Hitz, Lost in Thought: The Hidden Pleasures of an Intellectual Life

173. Zena Hitz, Lost in Thought: The Hidden Pleasures of an Intellectual Life

Joana Corrêa Monteiro

Art, philosophy, and intellectual activity in general have been described as having social and political importance for centuries by artists, philosophers, critics, and all kinds of intellectuals. Some of the disheartening—but, to a degree, predictable, even if remote—consequences of such claims are the current labelling of works like Kant’s Critique as potentially harmful and offensive or the recent disappearing of names like Flannery O’Connor’s from university halls. The urge to do such things has multiple origins, with diverse degrees of seriousness, and the importance of social media fury, often combined with ignorance and sometimes with political and ideological agendas, should not be underestimated. But it is noteworthy that these tendencies have risen after several late twentieth-century literary scholars and moral philosophers argued that literature has a specific role either in moral philosophy, in morality or both, with assertions that could be easily extended to art, intellectual activity, politics and the social life.

172. Yosa Buson, Os Quatro Rostos do Mundo

172. Yosa Buson, Os Quatro Rostos do Mundo

Lauro Reis

Yosa Buson (1716-1784) é considerado retrospectivamente pela crítica como um dos maiores poetas japoneses modernos. Antes do reconhecimento das suas capacidades poéticas, reconhecimento inaugurado por Masaoka Shiki (1867-1902), Buson era celebrado sobretudo pela sua qualidade enquanto pintor. Embora não fosse extraordinário o artista japonês dedicar-se a vários ofícios artísticos, o que distingue Buson da maioria é a sua excelência nesses dois planos. Porém, a sua excessiva humildade fazia-o considerar a sua própria poesia não meritória de qualquer obra publicada exclusivamente em seu nome: «Não é necessário fazer-se uma compilação dos meus haikus. Muitas vezes, publicar um poeta reconhecido acaba por trazer-lhe problemas. O que se torna bem pior para alguém que não passa da mediania, como é o meu caso.» Resta-nos agradecer à desobediência dos seus discípulos em publicar postumamente uma colectânea dos haiku do seu mestre, mestre esse que via no seu precursor Matsuo Bashô o pináculo de arte poética que modestamente procurava emular.

171. Adília Lopes, Dias e Dias

171. Adília Lopes, Dias e Dias

Carolina Torres

Dias e Dias, de Adília Lopes, publicado no fim de 2020 e escrito, tanto quanto podemos perceber, até Junho desse ano, é uma colecção de pequenos textos, alguns poemas e um conjunto de memórias da primeira metade do ano passado. Refere-se, assim, ao início da pandemia, quando ficámos todos em casa, pela primeira vez. É um livro raro porque é um diário extraordinariamente recente.

170. Oskari Kuusela, Wittgenstein on Logic as the Method of Philosophy: Re-examining the Roots and Development of Analytic Philosophy

170. Oskari Kuusela, Wittgenstein on Logic as the Method of Philosophy: Re-examining the Roots and Development of Analytic Philosophy

João Esteves da Silva

James Conant has described Oskari Kuusela’s first book, The Struggle against Dogmatism (2008), in the following way:

Rather than being framed around the assumption that the crucial difference between an early and a later Wittgenstein lies in their respective philosophical doctrines, it takes its point of departure from the assumption that early and later Wittgenstein equally aspired to practice philosophy in a manner which eschewed all doctrine. The book then seeks to articulate the crucial differences between early and later Wittgenstein in terms of the details of the respective ways in which they sought to realize such an aspiration. (Conant 2011, 623)

There Kuusela sought to expound Wittgenstein’s general conception of philosophy as “an activity . . . [that] consists essentially of elucidations” (TLP 4.112), that aims to clarify our thought and talk, not to put forward doctrines or theses. (“Philosophy is not a theory . . . [it] does not result in “philosophical sentences”, but in making sentences clear” (ibid.).) Now, with Wittgenstein on Logic as the Method of Philosophy (2019), his second book, he further develops the picture laid out in the former and examines its place within the context of twentieth-century analytic philosophy. As the title indicates, the primary emphasis is on Wittgenstein’s philosophy of logic and metaphilosophy, which, from the point of view recommended by Kuusela, emerge as virtually one and the same. Arguably, his central claim is that the conception of philosophy as an activity of logical clarification, a Fregean and Russellian inheritance, should be understood as applying to all of Wittgenstein’s thought, unifying it to a considerable extent. Far from denying its radical transformations, what Kuusela proposes is an alternative assessment of Wittgenstein’s development, notably as involving a largely unnoticed “paradigm shift” (Kuusela 2019, 143) in philosophical logic. By drawing attention to such a shift and offering an account of the novel paradigm he identifies in Wittgenstein’s later works, Kuusela also makes a case for a most needed change in contemporary analytic philosophy, through a renewal of its historical and metaphilosophical self-consciousness, as well as the adoption of Wittgensteinian logical methods. As he puts it, “this book . . . aims to rewrite parts of the history of analytic philosophy in order to uncover paths to the future that previous histories have covered up.” (Kuusela 2019, 1)

169. Harold Bloom, Possessed by Memory: The Inward Light of Criticism

169. Harold Bloom, Possessed by Memory: The Inward Light of Criticism

Miguel Zenha

Like Harold Bloom’s last book published in his lifetime, Possessed by Memory collects a set of over seventy texts, mostly brief and dating at least from 2013, spread over four parts and a coda. This book’s particularity is asserted right away in the preface: “[t]his book is reverie and not argument” (xx). Specifically, Possessed by Memory consists of a series of readings paying tribute to Bloom’s favorite authors, which anyone even slightly acquainted with his work will easily foresee. By “reverie” we have, then, testimonies or personal notes—that is to say, without concerns in delimiting a conceptual field—which end up being the aftermath of individuals and books’ perennial presence. Thus, Possessed by Memory aims to move away from any purpose mistaken with “a lamentation for my own generation of critics and poets. Instead, it hopes, in part, to be a living tribute to their afterlife in their writings” (xix).

167. José Tolentino Mendonça, O que É Amar um País: O Poder da Esperança

167. José Tolentino Mendonça, O que É Amar um País: O Poder da Esperança

TERESA LÍBANO MONTEIRO

O mais recente livro de José Tolentino Mendonça, O que é amar um país — O poder da esperança, foi escrito e publicado em 2020, em plena pandemia de Covid-19. O livro é uma breve reflexão que se debruça sobre esta crise global com preocupação, mas igualmente com alento e esperança, como anuncia o subtítulo. A reflexão reparte-se em três ensaios: o primeiro, que empresta o título ao livro, consiste no discurso que o cardeal D. Tolentino pronunciou, a convite do Presidente da República Portuguesa, no dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a 10 de Junho de 2020, e é essencialmente sobre Portugal — o seu passado, evocado na figura de Camões, as dificuldades vividas no presente e a necessidade de, neste tempo, relembrarmos e fortalecermos o conceito de «comunidade»; os dois outros ensaios, «O poder da esperança» e «Do tempo da calamidade ao tempo da graça», são um prolongamento do primeiro e ampliam-no para uma escala global, pois é essa a escala a que se sentiram, e sentem, os efeitos da pandemia.

166. Christopher Nolan, Tenet

166. Christopher Nolan, Tenet

João N.S. Almeida

Nolan não é Kubrick, tem sido dito, e apetece perguntar porque haveria de ser. Porém, a comparação é válida e possui pelo menos um bom ponto de partida: ambos são — ou parecem ser — meticulosamente exigentes quanto ao realismo na representação de certas peculiaridades técnicas pouco acessíveis ao espectador comum — no caso de Kubrick, em Dr Strangelove (1964), até hoje não se sabe ao certo como obteve os diagramas detalhados que lhe permitiram reconstruir na perfeição o cockpit de um bombardeiro B-42, na altura sob segredo de estado, e os procedimentos de lançamento nuclear a que assistimos no filme; no do realizador de Tenet, a obsessão constante que tem em alicerçar nas leis da física os argumentos fantasiosos com que costuma trabalhar.

165. Sally Rooney, Normal People

165. Sally Rooney, Normal People

Lauro Reis

Em 2016, dois anos antes de publicar Normal People, Sally Rooney publicou um conto chamado «At the Clinic», protagonizado pelas duas personagens centrais do seu futuro romance, Connell e Marianne. Já nesse conto se encontrava um proto paradigma do tipo de relação que diferencia estas personagens em Normal People.

164. Troy: Myth and Reality

164. Troy: Myth and Reality

Rita Faria

A exposição Troy: Myth and Reality elucida-nos sobre seu objetivo no primeiro painel exibido à entrada: trata-se de demonstrar que a história da cidade de Tróia e da sua guerra contra os Gregos está tão viva para nós, contemporâneos do século XXI, como o estaria na Grécia Antiga, época distante em que os humanos viviam próximos dos seus deuses. Compreende-se, por isso, que as primeiras peças expostas sejam de artistas contemporâneos — uma instalação de Anthony Caro, The Trojan War, que pretende aproximar a guerra da Bósnia à de Tróia, e uma tela monumental de Cy Twombly sobre «a vingança de Aquiles».

163. Jeff Baena, Horse Girl

163. Jeff Baena, Horse Girl

João N.S. Almeida

Este filme parece-me ser absolutamente único na perspectiva que apresenta sobre a esquizofrenia. Retrata o que é a experiência de vida do esquizofrénico, quase sempre na primeira pessoa, e não envolve grandes sacrifícios que o puxem nem para a correspondência com a visão exterior do espectador lúcido, nem para a visão estética e autoral do realizador sobre essa condição psíquica, como é costume acontecer em filmes que abordam este tema.

162. Bong Joon-Ho, Parasita

162. Bong Joon-Ho, Parasita

Lauro Reis

O filme mais recente de Bong Joon-Ho procura transportar a dinâmica entre parasita e hospedeiro para um contexto humano. Uma família desempregada de quatro (pai, mãe, filho, filha), sobrevivendo numa cave, roubando internet de cafés e dobrando caixas de pizza, depara-se com a oportunidade de anexar-se à vida de outra família, explorando e consumindo os recursos da família hospedeira.

161. Todd Phillips, Joker

161. Todd Phillips, Joker

João N.S. Almeida

Já é sabido que Joker, um projecto do realizador Todd Phillips e de Joaquin Phoenix, entre outros, não é o típico comic book movie. Será mais correcto descrever o filme como pertencente ao sub-género dramático de filmes sobre psicopatas, como Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976) e Silence Of The Lambs (Jonathan Demme, 1991), ambos com Jodie Foster — sendo que o primeiro inspirou o atentado contra o presidente Ronald Reagan, em 1981 — assim como Psycho (Alfred Hitchcock, 1960), A Clockwork Orange (Stanley Kubrick, 1974), Blue Velvet (David Lynch, 1986), M (Fritz Lang, 1931), entre outros.

160. Quentin Tarantino, Once Upon a Time in Hollywood

160. Quentin Tarantino, Once Upon a Time in Hollywood

António Marques Pereira

Por esta altura já todos conhecemos os «tiques» de Quentin Tarantino e, de modo mais ou menos condescendente, aceitamo-los sem fazer grande caso. Sabemos do seu gosto auto-indulgente pelas referências e pelo pastiche (que por vezes chega ao ponto de nos dar a sensação de que ele está a fazer o equivalente a mostrar-nos a sua página do Mubi), e sabemos da imaturidade do seu sentido de humor (nem The Hateful Eight (2015), um dos filmes mais maduros do seu repertório, escapou a momentos juvenis como o do infame «warm black dingus»); mas também sabemos da qualidade inquestionável de um realizador que produz clássicos com regularidade e que a influência desses vícios particulares na sua arte nunca é problemática ao ponto de prejudicar o produto final (poder-se-ia mesmo dizer que, pelo contrário, é um dos ingredientes do seu estilo tão característico, precisamente o que estimamos nele).

159. Caridade, S.; Estrada, R.; Fonte, C.; Isabel Sani A.; Nunes, L.; Pimentel Alves, S. (Coord.), Comportamento e Saúde Mental: Dicionário Enciclopédico

159. Caridade, S.; Estrada, R.; Fonte, C.; Isabel Sani A.; Nunes, L.; Pimentel Alves, S. (Coord.), Comportamento e Saúde Mental: Dicionário Enciclopédico

Telmo Rodrigues

No contexto contemporâneo, uma enciclopédia ou dicionário novos representam acima de tudo uma lista bibliográfica actualizada sobre determinada área de interesse. Essa visão empobrecida ameaça qualquer empresa como a proposta por Comportamento e Saúde Mental: Dicionário Enciclopédico, que, como outros projectos similares, preserva a ambição de ser de alguma forma enriquecedor. A facilidade no acesso à informação fez com que se perdesse «a segurança da informação, pois as fontes se tornaram demasiadamente voláteis» (p. 506) e, num movimento contra-intuitivo, reavivou a necessidade de manuais cientificamente fidedignos, pelo que o sentido de oportunidade para esta edição é perfeito.

158. John Gibson (Ed.), The Philosophy of Poetry

158. John Gibson (Ed.), The Philosophy of Poetry

Inês Morais

Plato famously set the challenge, in the Republic, for poets and lovers of poetry to defend poetry and its contribution for a well-governed society, if poetry is to “return from exile”:

But nevertheless let it be declared that, if the mimetic and dulcet poetry can show any reason for her existence in a well-governed state, we would gladly admit her, since we ourselves are very conscious of her spell. But all the same it would be impious to betray what we believe to be the truth. Is not that so, friend? Do not you yourself feel her magic and especially when Homer is her interpreter?

157. Patty Schemel, Hit So Hard: A Memoir

157. Patty Schemel, Hit So Hard: A Memoir

Telmo Rodrigues

For some reason, Patty Schemel’s autobiography has let me down. Schemel’s narrative holds its pace along the way (although lackluster towards the end), it is packed with good descriptions, it has many emotional turnabouts, and it details private moments of some of the most important stars of the last decades without seeming gossipy or in any way deceitful — so there seems to be no particular reason for my feeling. If the disappointment is not located in the writing, I must account for it in some other way. To do so, I would like to explain the two moments in the book where I would say Schemel’s adopted style seems to flutter: the description of the relationship with Kurt Cobain and the final chapters concerning her life after her last rehab.

156. Jazz em Agosto: John Zorn Special Edition, Fundação Calouste Gulbenkian

156. Jazz em Agosto: John Zorn Special Edition, Fundação Calouste Gulbenkian

João N. S. Almeida

O reconhecimento de John Zorn como compositor incontornável da contemporaneidade, tanto no meio do jazz como nos círculos da música erudita, é um fenómeno recente, que dura desde há cerca de 7 ou 8 anos. O seu  início coincide aproximadamente com a atribuição da MacArthur Fellowship Grant ao compositor, em 2006, e o William Schuman Award, em 2007. Nas celebrações do seu 60º aniversário, que tiveram lugar em 2013, peças da sua autoria foram acolhidas pelo MET, Lincoln Center, e pelo Guggenheim. Nos anos que se seguiram, vários ciclos temáticos foram-lhe dedicados por instituições de renome, aos quais se junta agora o ciclo Jazz em Agosto, da Gulbenkian. Ao longo do tempo, a coerência autoral do compositor tem-se mantido, mas a sua produção musical de hoje não é a mesma de há cinco, dez ou vinte anos atrás. Poder-se-ia chamar a este ponto da sua carreira uma maturação, não querendo com isso significar que Zorn se tenha estabelecido numa norma da música erudita contemporânea depois de se aventurar em terrenos do experimentalismo e da improvisação, mas sim que conseguiu conjugar em formas mais sólidas as influências díspares que sempre estiveram no seu pensamento.