179.Dominic McIver Lopes, Being for Beauty

179.Dominic McIver Lopes, Being for Beauty

Inês Morais

Being for Beauty begins with a few anecdotes involving aesthetic experts, ‘not all gentlemen, not all European, not all “highbrow”’ (p. 26). These set the tone of the book, which aims to be both progressive and alternative to highbrow philosophical aesthetics, occasionally relaxed and entertaining, while engaging mainly with classical, mainstream work in general philosophy. Breadth of interest and the project of covering literature from large neighbouring areas of philosophical discussion—to defend aesthetics—are immediately salient qualities of this book.

178. Amadeu Baptista, Pelos Nossos Corações Passa a Linha de Fogo: Antologia de Poesia Islandesa

178. Amadeu Baptista, Pelos Nossos Corações Passa a Linha de Fogo: Antologia de Poesia Islandesa

Miguel Andrade

É notável hoje, como o era na Idade Média, que uma ilha relativamente remota e escassamente povoada seja reconhecida internacionalmente pela vitalidade da sua poesia. A Islândia, de onde nos chega esta colectânea de poemas, pela mediação de Amadeu Baptista, possui uma ligação íntima e constante com a poesia, desde a sua colonização em c. 870 d.C. O verso pertence ao quotidiano dos islandeses e a sua tradição poética é vasta e prolífera. Nos termos do historiador dinamarquês Saxo Grammaticus (1160-1220), «A diligência dos homens da Islândia não deve ser envolta em silêncio». Pelos Nossos Corações passa a Linha de Fogo desvela-nos a poesia do mesmo povo, embora de diferente cronologia. Estes poemas foram originalmente publicados entre 1937 e 1991, pelas mãos de dezoito poetas (quatro dos quais mulheres). A selecção foca-se, em grande parte, num período de transição, da libertação da poesia islandesa dos seus moldes tradicionais, sacudindo-se da aderência estrita a poemas de estrutura regular, rimados e aliterados, e dos velhos e repetidos temas (uma poesia lírica, a dedicação à natureza e um ideário romântico, por vezes nacionalista e individualista). Nesta fatia do século XX, encontramos uma Islândia em mudança, abrindo-se ao mundo, e uma poesia acompanhando o seu passo, com os anos 40 como charneira desta articulação.

177. George Cukor, Gaslight

177. George Cukor, Gaslight

Tiago Ramos

Na protocolar cena de créditos iniciais, à medida que os artistas pertencentes à produção de Gaslight (1944), de George Cukor, são elencados, no plano de fundo conseguem-se distinguir as sombras de duas pessoas, sendo que uma aparenta estar a estrangular a outra. Assim sendo, o primeiro plano a que o espectador tem acesso, ainda antes de a ação começar a desenrolar-se, prenuncia o assassínio de Alice Alquist, uma cantora de ópera reconhecida mundialmente, que é encontrada morta na sua residência, na Praça Thornton, em Londres. De igual modo, o engenho de sombras estabelecido pelo plano inaugural figura um dos motivos estruturantes da intriga: a dependência ontológica. Paula Alquist (Ingrid Bergman), a sobrinha da falecida cantora de ópera, tal como uma sombra projetada sobre uma superfície, afirma-se enquanto desdobramento ontologicamente vazio que está dependente de uma entidade que lhe dá realidade: a tia assassinada. Paula é a sombra da tia, uma figura ela própria espectral, que nunca surge em cena, uma vez que os primeiros passos da intriga são dados na sequência da sua morte trágica.

176. Rita Felski, Hooked: Art and Attachment

176. Rita Felski, Hooked: Art and Attachment

Miguel Zenha

Rita Felski’s new book puts in place what The Limits of Critique had requested, that is, a less counterintuitive, secluded, and priggish way of addressing art. Since for Felski critique has led us to forget “why (…) works of art matter” (p.1), we must stress the diverse sorts of connections—attachments—between individuals, individuals and works of art, and hence ways of interpreting. In other words, Hooked is not about what art is but about what art can do. Accordingly, Felski offers “an aesthetic that is premised on relation rather than separation, on attachment rather than autonomy” (viii), which elects as target “an ethos of critical aloofness” (x). To that extent, attachment “is a matter not just of feeling (…) but of intellectual, ethical, or institutional ties” (idem).

175. Josep Maria Esquirol, A Resistência Íntima, Ensaio de uma Filosofia Da Proximidade

175. Josep Maria Esquirol, A Resistência Íntima, Ensaio de uma Filosofia Da Proximidade

Madalena Quintela

Em Maio do passado ano de 2020, foi publicada pelas Edições 70 a tradução para português do ensaio do filósofo Josep Maria Esquirol, A Resistência Íntima, Ensaio de uma Filosofia da Proximidade. Esquirol é professor de Filosofia na Universidade de Barcelona, onde dirige um grupo de investigação, de nome Aporia, e a presente obra, publicada pela primeira vez em 2015 pela editora espanhola Acantilado, valeu ao seu autor o Prémio Ciutat de Barcelona, logo em 2015, e o Premio Nacional de Ensayo, em 2016.

174.  João Madureira, Estudos Literários: Retratos

174. João Madureira, Estudos Literários: Retratos

João Maria Carvalho

É certamente motivo de espanto que entre os estudos literários publicados no último ano se destaque um conjunto de peças musicais. Se, num primeiro momento, a designação nos parece apenas sugestiva, a escuta deste disco confirma a sua exactidão, mostrando ser possível à escrita musical a realização de indispensáveis «estudos literários». Faz já algum tempo que o compositor João Madureira se tem revelado um atento leitor. A sua música foi-nos habituando a compreender melhor os poemas de Ana Hatherly – em peças como «Noite» (2010), «3 momentos para Ana Hatherly» (2003) – ou a situar o lugar da poesia e da literatura na liturgia, como faz na «Missa de Pentecostes» (2010), em que poemas de Teixeira de Pascoaes, José Augusto Mourão ou Mário Cesariny dão corpo à celebração comunitária.

173. Zena Hitz, Lost in Thought: The Hidden Pleasures of an Intellectual Life

173. Zena Hitz, Lost in Thought: The Hidden Pleasures of an Intellectual Life

Joana Corrêa Monteiro

Art, philosophy, and intellectual activity in general have been described as having social and political importance for centuries by artists, philosophers, critics, and all kinds of intellectuals. Some of the disheartening—but, to a degree, predictable, even if remote—consequences of such claims are the current labelling of works like Kant’s Critique as potentially harmful and offensive or the recent disappearing of names like Flannery O’Connor’s from university halls. The urge to do such things has multiple origins, with diverse degrees of seriousness, and the importance of social media fury, often combined with ignorance and sometimes with political and ideological agendas, should not be underestimated. But it is noteworthy that these tendencies have risen after several late twentieth-century literary scholars and moral philosophers argued that literature has a specific role either in moral philosophy, in morality or both, with assertions that could be easily extended to art, intellectual activity, politics and the social life.

172. Yosa Buson, Os Quatro Rostos do Mundo

172. Yosa Buson, Os Quatro Rostos do Mundo

Lauro Reis

Yosa Buson (1716-1784) é considerado retrospectivamente pela crítica como um dos maiores poetas japoneses modernos. Antes do reconhecimento das suas capacidades poéticas, reconhecimento inaugurado por Masaoka Shiki (1867-1902), Buson era celebrado sobretudo pela sua qualidade enquanto pintor. Embora não fosse extraordinário o artista japonês dedicar-se a vários ofícios artísticos, o que distingue Buson da maioria é a sua excelência nesses dois planos. Porém, a sua excessiva humildade fazia-o considerar a sua própria poesia não meritória de qualquer obra publicada exclusivamente em seu nome: «Não é necessário fazer-se uma compilação dos meus haikus. Muitas vezes, publicar um poeta reconhecido acaba por trazer-lhe problemas. O que se torna bem pior para alguém que não passa da mediania, como é o meu caso.» Resta-nos agradecer à desobediência dos seus discípulos em publicar postumamente uma colectânea dos haiku do seu mestre, mestre esse que via no seu precursor Matsuo Bashô o pináculo de arte poética que modestamente procurava emular.

171. Adília Lopes, Dias e Dias

171. Adília Lopes, Dias e Dias

Carolina Torres

Dias e Dias, de Adília Lopes, publicado no fim de 2020 e escrito, tanto quanto podemos perceber, até Junho desse ano, é uma colecção de pequenos textos, alguns poemas e um conjunto de memórias da primeira metade do ano passado. Refere-se, assim, ao início da pandemia, quando ficámos todos em casa, pela primeira vez. É um livro raro porque é um diário extraordinariamente recente.

170. Oskari Kuusela, Wittgenstein on Logic as the Method of Philosophy: Re-examining the Roots and Development of Analytic Philosophy

170. Oskari Kuusela, Wittgenstein on Logic as the Method of Philosophy: Re-examining the Roots and Development of Analytic Philosophy

João Esteves da Silva

James Conant has described Oskari Kuusela’s first book, The Struggle against Dogmatism (2008), in the following way:

Rather than being framed around the assumption that the crucial difference between an early and a later Wittgenstein lies in their respective philosophical doctrines, it takes its point of departure from the assumption that early and later Wittgenstein equally aspired to practice philosophy in a manner which eschewed all doctrine. The book then seeks to articulate the crucial differences between early and later Wittgenstein in terms of the details of the respective ways in which they sought to realize such an aspiration. (Conant 2011, 623)

There Kuusela sought to expound Wittgenstein’s general conception of philosophy as “an activity . . . [that] consists essentially of elucidations” (TLP 4.112), that aims to clarify our thought and talk, not to put forward doctrines or theses. (“Philosophy is not a theory . . . [it] does not result in “philosophical sentences”, but in making sentences clear” (ibid.).) Now, with Wittgenstein on Logic as the Method of Philosophy (2019), his second book, he further develops the picture laid out in the former and examines its place within the context of twentieth-century analytic philosophy. As the title indicates, the primary emphasis is on Wittgenstein’s philosophy of logic and metaphilosophy, which, from the point of view recommended by Kuusela, emerge as virtually one and the same. Arguably, his central claim is that the conception of philosophy as an activity of logical clarification, a Fregean and Russellian inheritance, should be understood as applying to all of Wittgenstein’s thought, unifying it to a considerable extent. Far from denying its radical transformations, what Kuusela proposes is an alternative assessment of Wittgenstein’s development, notably as involving a largely unnoticed “paradigm shift” (Kuusela 2019, 143) in philosophical logic. By drawing attention to such a shift and offering an account of the novel paradigm he identifies in Wittgenstein’s later works, Kuusela also makes a case for a most needed change in contemporary analytic philosophy, through a renewal of its historical and metaphilosophical self-consciousness, as well as the adoption of Wittgensteinian logical methods. As he puts it, “this book . . . aims to rewrite parts of the history of analytic philosophy in order to uncover paths to the future that previous histories have covered up.” (Kuusela 2019, 1)

169. Harold Bloom, Possessed by Memory: The Inward Light of Criticism

169. Harold Bloom, Possessed by Memory: The Inward Light of Criticism

Miguel Zenha

Like Harold Bloom’s last book published in his lifetime, Possessed by Memory collects a set of over seventy texts, mostly brief and dating at least from 2013, spread over four parts and a coda. This book’s particularity is asserted right away in the preface: “[t]his book is reverie and not argument” (xx). Specifically, Possessed by Memory consists of a series of readings paying tribute to Bloom’s favorite authors, which anyone even slightly acquainted with his work will easily foresee. By “reverie” we have, then, testimonies or personal notes—that is to say, without concerns in delimiting a conceptual field—which end up being the aftermath of individuals and books’ perennial presence. Thus, Possessed by Memory aims to move away from any purpose mistaken with “a lamentation for my own generation of critics and poets. Instead, it hopes, in part, to be a living tribute to their afterlife in their writings” (xix).

167. José Tolentino Mendonça, O que É Amar um País: O Poder da Esperança

167. José Tolentino Mendonça, O que É Amar um País: O Poder da Esperança

TERESA LÍBANO MONTEIRO

O mais recente livro de José Tolentino Mendonça, O que é amar um país — O poder da esperança, foi escrito e publicado em 2020, em plena pandemia de Covid-19. O livro é uma breve reflexão que se debruça sobre esta crise global com preocupação, mas igualmente com alento e esperança, como anuncia o subtítulo. A reflexão reparte-se em três ensaios: o primeiro, que empresta o título ao livro, consiste no discurso que o cardeal D. Tolentino pronunciou, a convite do Presidente da República Portuguesa, no dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a 10 de Junho de 2020, e é essencialmente sobre Portugal — o seu passado, evocado na figura de Camões, as dificuldades vividas no presente e a necessidade de, neste tempo, relembrarmos e fortalecermos o conceito de «comunidade»; os dois outros ensaios, «O poder da esperança» e «Do tempo da calamidade ao tempo da graça», são um prolongamento do primeiro e ampliam-no para uma escala global, pois é essa a escala a que se sentiram, e sentem, os efeitos da pandemia.

166. Christopher Nolan, Tenet

166. Christopher Nolan, Tenet

João N.S. Almeida

Nolan não é Kubrick, tem sido dito, e apetece perguntar porque haveria de ser. Porém, a comparação é válida e possui pelo menos um bom ponto de partida: ambos são — ou parecem ser — meticulosamente exigentes quanto ao realismo na representação de certas peculiaridades técnicas pouco acessíveis ao espectador comum — no caso de Kubrick, em Dr Strangelove (1964), até hoje não se sabe ao certo como obteve os diagramas detalhados que lhe permitiram reconstruir na perfeição o cockpit de um bombardeiro B-42, na altura sob segredo de estado, e os procedimentos de lançamento nuclear a que assistimos no filme; no do realizador de Tenet, a obsessão constante que tem em alicerçar nas leis da física os argumentos fantasiosos com que costuma trabalhar.

165. Sally Rooney, Normal People

165. Sally Rooney, Normal People

Lauro Reis

Em 2016, dois anos antes de publicar Normal People, Sally Rooney publicou um conto chamado «At the Clinic», protagonizado pelas duas personagens centrais do seu futuro romance, Connell e Marianne. Já nesse conto se encontrava um proto paradigma do tipo de relação que diferencia estas personagens em Normal People.

164. Troy: Myth and Reality

164. Troy: Myth and Reality

Rita Faria

A exposição Troy: Myth and Reality elucida-nos sobre seu objetivo no primeiro painel exibido à entrada: trata-se de demonstrar que a história da cidade de Tróia e da sua guerra contra os Gregos está tão viva para nós, contemporâneos do século XXI, como o estaria na Grécia Antiga, época distante em que os humanos viviam próximos dos seus deuses. Compreende-se, por isso, que as primeiras peças expostas sejam de artistas contemporâneos — uma instalação de Anthony Caro, The Trojan War, que pretende aproximar a guerra da Bósnia à de Tróia, e uma tela monumental de Cy Twombly sobre «a vingança de Aquiles».

163. Jeff Baena, Horse Girl

163. Jeff Baena, Horse Girl

João N.S. Almeida

Este filme parece-me ser absolutamente único na perspectiva que apresenta sobre a esquizofrenia. Retrata o que é a experiência de vida do esquizofrénico, quase sempre na primeira pessoa, e não envolve grandes sacrifícios que o puxem nem para a correspondência com a visão exterior do espectador lúcido, nem para a visão estética e autoral do realizador sobre essa condição psíquica, como é costume acontecer em filmes que abordam este tema.

162. Bong Joon-Ho, Parasita

162. Bong Joon-Ho, Parasita

Lauro Reis

O filme mais recente de Bong Joon-Ho procura transportar a dinâmica entre parasita e hospedeiro para um contexto humano. Uma família desempregada de quatro (pai, mãe, filho, filha), sobrevivendo numa cave, roubando internet de cafés e dobrando caixas de pizza, depara-se com a oportunidade de anexar-se à vida de outra família, explorando e consumindo os recursos da família hospedeira.

161. Todd Phillips, Joker

161. Todd Phillips, Joker

João N.S. Almeida

Já é sabido que Joker, um projecto do realizador Todd Phillips e de Joaquin Phoenix, entre outros, não é o típico comic book movie. Será mais correcto descrever o filme como pertencente ao sub-género dramático de filmes sobre psicopatas, como Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976) e Silence Of The Lambs (Jonathan Demme, 1991), ambos com Jodie Foster — sendo que o primeiro inspirou o atentado contra o presidente Ronald Reagan, em 1981 — assim como Psycho (Alfred Hitchcock, 1960), A Clockwork Orange (Stanley Kubrick, 1974), Blue Velvet (David Lynch, 1986), M (Fritz Lang, 1931), entre outros.

160. Quentin Tarantino, Once Upon a Time in Hollywood

160. Quentin Tarantino, Once Upon a Time in Hollywood

António Marques Pereira

Por esta altura já todos conhecemos os «tiques» de Quentin Tarantino e, de modo mais ou menos condescendente, aceitamo-los sem fazer grande caso. Sabemos do seu gosto auto-indulgente pelas referências e pelo pastiche (que por vezes chega ao ponto de nos dar a sensação de que ele está a fazer o equivalente a mostrar-nos a sua página do Mubi), e sabemos da imaturidade do seu sentido de humor (nem The Hateful Eight (2015), um dos filmes mais maduros do seu repertório, escapou a momentos juvenis como o do infame «warm black dingus»); mas também sabemos da qualidade inquestionável de um realizador que produz clássicos com regularidade e que a influência desses vícios particulares na sua arte nunca é problemática ao ponto de prejudicar o produto final (poder-se-ia mesmo dizer que, pelo contrário, é um dos ingredientes do seu estilo tão característico, precisamente o que estimamos nele).