204. James Elkins (ed.) Art History Versus Aesthetics

204. James Elkins (ed.) Art History Versus Aesthetics

Tiago Clariano

Art History versus Aesthetics tem por proposta contemplar as disciplinas da História da Arte e da Estética como duas ilhas que se avistam uma da outra e tentar analisar as formas de comércio que mantêm entre si. Este volume faz parte da colecção The Art Seminar. Cada livro tem a estrutura de um livro de actas de um congresso e começa com «Starting Points», depois segue-se a transcrição de uma mesa redonda, com a subsequente transcrição das folhas de sala dos participantes e dos espectadores e, no fim, alguns ensaios com tom de «Afterwords». Por causa dos seus intuitos conciliatórios, James Elkins esforça-se por reconhecer que existem pontos de contacto entre as disciplinas: que a sensibilidade estudada pela Estética está contaminada por conhecimento histórico e que as antologias resultantes de trabalhos em História da Arte são fruto de decisões baseadas em juízos estéticos. No fundo, se tivéssemos um registo dos movimentos comerciais entre as ilhas na abordagem de uma obra de arte, não se saberia de que ilha partiriam, nem a qual se dirigiriam.

203. Jarvis Cocker, Good Pop, Bad Pop: An Inventory

203. Jarvis Cocker, Good Pop, Bad Pop: An Inventory

James Dias

O primeiro livro de Jarvis Cocker é um memoir num sentido diferente do normal. Parte dos objectos que ele foi guardando num sótão durante 20 anos para memórias suscitadas pelos mesmos. Para mostrar estes objectos, Cocker faz uso de uma espécie de jogo com o leitor (e no qual a maioria das pessoas já teve de participar a dada altura da sua vida): decidir se vai guardar um objecto ou deitá-lo fora: «Até podemos fazer disto um jogo – chamemos-lhe “Guardar ou deitar fora”.»

202. Roman Polanski, Rosemary’s Baby

202. Roman Polanski, Rosemary’s Baby

Camila Lobo

«There are plots against people, aren’t there?»

Estamos no ano de 1968. Na América do Norte, e um pouco por todo o mundo, o movimento feminista ganha força. A cidade de Nova Iorque, em particular, é palco de protestos feministas sem precedentes. Se as New York Radical Women tomam conta das ruas em protesto contra noções tradicionais de feminilidade, articulando pela primeira vez o slogan «Sisterhood is Powerful», a National Organization of Women protesta contra a criminalização do aborto: «Nobody should legislate my rights to my body», lê-se no cartaz transportado por Kate Millet.

201. Uriah Kriegel (ed.) The Oxford Handbook of the Philosophy of Consciousness

201. Uriah Kriegel (ed.) The Oxford Handbook of the Philosophy of Consciousness

Inês Morais

The Oxford Handbook of the Philosophy of Consciousness is an excellent, very comprehensive survey and discussion of recent work in the philosophy of consciousness, with contributions from philosophers and neuroscientists, in the major aspects of an area with ramifications at least into epistemology, metaphysics, ethics, and aesthetics. I strongly recommend it.

200. Frederico Pedreira, Um Virar de Costas Sedutor

200. Frederico Pedreira, Um Virar de Costas Sedutor

Telmo Rodrigues

Numa ficção de cariz autobiográfico recente, A Lição do Sonâmbulo (2020), Frederico Pedreira parecia interessado nas consequências vinculativas de actos não intencionais (ou pelo menos na dificuldade de contar uma história pessoal que vacila entre a educação formal e a relevância constitutiva de actos aparentemente insignificantes). A dificuldade nesse Bildungsroman era articular a dissonância entre a relevância efectiva do trabalho intelectual e o peso que tem qualquer acção desligada desse esforço: jogar à bola num quintal é mais relevante para a formação de carácter do que as horas perdidas a ler Pessoa; mais difícil ainda é articular a relevância entre ler Pessoa sem compromisso e a inutilidade da mesma acção inserida num contexto académico:

Não sei se terá sido sonho meu, dado o prazer que sempre senti ao reler as páginas da pobre edição d’O Livro do Desassossego que o meu avô fizera questão de me oferecer, prazer esse que depois da odiosa obrigação escolar se fora tornando independente e crescendo ao longo dos anos de leitura canina (…) (A Lição do Sonâmbulo, p. 32).

199. Hunter Dukes, signature

199. Hunter Dukes, signature

Duarte Bénard da Costa

This volume on signatures of Bloomsbury’s collection Object Lessons springs from the research that Hunter Dukes, lecturer of English Literature at Tampere University, Finland, weaved during his years as a research fellow at Peterhouse, University of Cambridge. Something of cinematic mixes with something of academic in his journey throughout signatures. Short narratives merge with profoundly intellectual and cultural analyses which approach varying subjects, from the Lascaux caves to Zadie Smith, from John Donne and Oscar Wilde to U.S. President J. F. Kennedy and Orson Welles.

198. Anthony Grafton, The Footnote. A Curious History

198. Anthony Grafton, The Footnote. A Curious History

James Dias

Filipe Marques Fernandes

Publicado simultaneamente pela Harvard University Press e pela Faber and Faber, o livro de Grafton mergulha num campo de interesse historiográfico escassamente povoado e representa uma primeira tentativa de ensaio global sobre a origem da nota de rodapé, pretendendo colmatar as lacunas deixadas pelos estudos esparsos que compunham a bibliografia disponível. Desengane-se, contudo, quem pretenda encontrar neste tratado uma história geral da referenciação infrapaginal. A obra, que no presente ano cumpre 25 anos da publicação do texto original, contou com diferentes traduções, cujos títulos restringiram significativamente a abrangência do objecto, incrementando a sua especificidade. A organização da obra denuncia a intenção de traçar uma árvore genealógica da prática de anotação em rodapé. Grafton não procura oferecer um sistema fechado sobre a sua origem, mas antes conduzir o leitor num caminho inversamente cronológico através de uma estratificação temporal transposta para uma narrativa antológica, em que cada anedota conta um passo substancial no devir da nota de rodapé no campo da história.

197. Peter Salmon, An Event, Perhaps — A Biography of Jacques Derrida

197. Peter Salmon, An Event, Perhaps — A Biography of Jacques Derrida

Miguel Zenha

In Peter Salmon’s book, we are before a defense of Derrida as a philosopher since it

aims to set out the intellectual development of Jacques Derrida (…) argue for its importance in the history of philosophy. It will argue that Derrida is one of the great philosophers of this or any age; that his thinking is a crucial component of any future philosophy; that his thinking is immediately—always already—applicable to the world as we find it; and that this application has political heft. (p. 4)

196. William Shakespeare, King Lear

196. William Shakespeare, King Lear

Francisco Pina

João Garcia Miguel, encenador, performer e artista português, tornou-se ilustre pelas estratégias invulgares a que recorre para trazer as suas criações ao mundo do teatro. A forma como reorganizou e reformou textos clássicos concedeu-lhe um estilo artístico altamente característico que mostra genialidade e justifica a internacionalização do seu trabalho. É neste contexto que Garcia Miguel toma conta do Teatro Ibérico com um novo olhar sobre a adaptação de King Lear que lhe deu fama em 2006. «Entre 2006 e 2009 pegámos pela primeira vez num texto de William Shakespeare: King Lear. E dando-lhe um tom de arte popular e fazendo do rei um fingido cidadão e um clown experimental reconstruímos com dois actores as vinte e muitas personagens da peça original», lembrou o encenador na folha de sala.

195. Banda do Casaco, Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios

195. Banda do Casaco, Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios

Pedro Beirão

Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios é o primeiro álbum da enigmática Banda do Casaco, lançado em 1975 e reeditado em 2022. Tal como a própria banda, o álbum surge de um mundo em ebulição, marcado por um experimentalismo transversal às mais variadas áreas da vida: na procura de novos sistemas de organização política, baseados na autodeterminação dos povos em oposição ao imperialismo, na procura de novos sistemas de organização social por parte de sectores da sociedade historicamente discriminados, na procura de novos sistemas de organização artística, ou até na procura da transposição das próprias fronteiras planetárias. Foi precisamente no Portugal em pleno período revolucionário que a Banda do Casaco nos propôs um destemido projecto musical com uma tão mais ousada premissa narrativa: e se Fausto, o mefistofélico, tivesse vivido o PREC?

194. Manuel Bivar, A Charca

194. Manuel Bivar, A Charca

Amândio Reis

A obra de estreia de Manuel Bivar aparece como um objecto não identificado nos céus da ficção portuguesa contemporânea. Ainda assim, ou por isso mesmo, ela leva o seu autor a partilhar pelo menos uma coisa com alguns outros, como Ana Teresa Pereira, por exemplo, que é certa maneira de estar absolutamente só. Mas esta solidão não será uma arrogância, ainda que tenha lugar «por entre a gente» e na ronda dos certames literários ocasionais. Ela decorre menos de uma escolha do que de uma inevitabilidade, ou um destino. É que Manuel Bivar e Ana Teresa Pereira cultivam o seu ofício com demasiada verdade em relação a si mesmos, o que significa que não sabem estar ao serviço de outrem nem do gosto da época, e com demasiada humildade em relação ao lugar fragilíssimo da sua obra no mundo, o que faz com que não tenham jeito para conversar sobre ela, nem sejam interessantes nem úteis nos círculos sociais da literatura e da cultura.

193. Edmund De Waal, Letters to Camondo

193. Edmund De Waal, Letters to Camondo

Miguel Zenha

Letters to Camondo continues the central premise of The Hare with Amber Eyes (2010): to talk about people and history as from things or objects. In The Hare with Amber Eyes, we have a collection, mainly assembled in the mid-19th century, of more than two hundred netsukes, which strolled around Paris, Vienna, Tokyo and London, while in Letters to Camondo we start with Moïse de Camondo’s house and decorative arts collection as leading figures. Still, the common ground between both books is especially noticeable if we find Letters to Camondo trying to answer the question from the final pages of The Hare with Amber Eyes, “why keep things, why archive intimacies?”.

192. Declan McKenna, Zeros

192. Declan McKenna, Zeros

Teresa Esteves da Fonseca

«Prodígio» foi a palavra que começou por ser usada quando Declan McKenna, com apenas 16 anos, apareceu no cenário musical britânico. Agora, com 22, parece já não ser tão adequado, não porque tenha perdido o brilhantismo musical que o distingue de tantos outros, mas porque quando se chega a um certo patamar deixa-se de ser uma promessa, e passa-se a ser um artista consistente, porém orgânico e em crescimento constante. McKenna já deixou de ser uma promessa. É agora um músico de provas dadas: dois álbuns lançados, concertos pelo mundo fora, e cerca de três milhões de ouvintes mensais no Spotify.

191. Jane Campion, The Power of the Dog

191. Jane Campion, The Power of the Dog

Tiago Ramos

When my father passed, I wanted nothing more than my mother’s happiness. For what kind of man would I be if I did not help my mother? If I did not save her?

A epígrafe corresponde à frase que serve de preâmbulo à mais recente longa-metragem de Jane Campion, The Power of the Dog (2021). A frase é enunciada, por meio da voz-sobreposta, ainda no decorrer da sequência de créditos inicial. A figura responsável pelo enunciado é Peter Gordon (Kodi Smit-McPhee), um jovem abúlico que vive com a sua mãe num povoado isolado nas planícies de Montana, em 1925. O facto de ser Peter quem tem o controle da voz-sobreposta é um dado relevante, na medida em que sinaliza, antes de a acção começar, qual é a personagem que tem poder sobre o discurso fílmico. Desta forma, a narração preambular cumpre vários propósitos. Por um lado, estabelece Peter na qualidade de narrador, o que lhe confere um estatuto de autoridade no contexto da economia narrativa. Por outro, delineia, de forma lacónica, as motivações do herói da trama – isto é, proteger a mãe e cumprir-se enquanto homem.

190. Cynthia Gamble, Voix Entrelacées de Proust et de Ruskin

190. Cynthia Gamble, Voix Entrelacées de Proust et de Ruskin

Duarte Bénard da Costa

The title of this academic work renders its content clear. An augmented rendering in French of Cynthia Gamble’s English published works between 2000 and 2016, Voix entrelacées de Proust et de Ruskin (2021) is mainly in line with her previous work on John Ruskin and Marcel Proust, Proust as Interpreter of Ruskin: The Seven Lamps of Translation (2002). Here, Gamble presents us with a thorough analysis of the interconnections between John Ruskin and Marcel Proust, a subject on which she has proven to be an authority. The interweaving relations of both authors exist in several aspects of their life and of their work, especially Proust’s, who, according to Gamble, is the ‘spiritual heir of Ruskin’ (2021: 10). This book deals with questions that pervade some of Gamble’s academic work, such as the authorship of Proust’s translations of Ruskin and the influences Ruskin had on Proust.

189. Dimitris Papaioannou, Transverse Orientation

189. Dimitris Papaioannou, Transverse Orientation

Tiago Fonseca

Dimitris Papaioannou põe em cena espectáculos em que a imagem e o movimento são o foco principal. A coordenação e interacção de corpos humanos é importante, mas isso não o leva a considerar-se um coreógrafo de dança. Normalmente, está preocupado com o corpo não apenas no espaço, mas em relação com outros objectos que levantem problemas. Começou por ser pintor e desenhador antes de se dedicar à arte performativa, e esse ímpeto inicial para criar imagens sobre uma superfície plana está muito presente no espectáculo agora em digressão, exibido no CCB nos passados dias 10 e 11 de Dezembro.

188. Catarina Vasconcelos, A Metamorfose dos Pássaros

188. Catarina Vasconcelos, A Metamorfose dos Pássaros

Inês Ramos

Na sequência de A Metáfora ou a Tristeza Virada do Avesso (2015), A Metamorfose dos Pássaros (2020) é um filme autobiográfico centrado nas figuras da avó e da mãe de Catarina Vasconcelos. Beatriz e Ana, respectivamente, são abordadas de um modo que evoca «as mães de todas as mães» e excede as circunstâncias particulares da realizadora e do seu pai, ambas definidas pelo luto. Num primeiro momento, a acção avança acompanhando a família de Beatriz e Henrique, a correspondência trocada entre o casal e o crescimento dos filhos, sobretudo de Jacinto, o pai de Catarina. O foco no passado convive com as considerações que o narrador tece a partir do presente. Não há muitos diálogos entre as personagens, por isso, essas considerações ganham especial relevância na condução da perspectiva do espectador. Ainda mais porque partem de um conhecimento profundo dos acontecimentos para sugerir modos mais gerais de entender a vida, a morte e as relações humanas. Num movimento filosófico que assinala a passagem para o segundo momento do filme, o narrador compara Beatriz às árvores mais antigas da floresta, defendendo que as mães permanecem vivas na memória de quem lhes perserva as raízes. No fundo, para defender que a morte não anula a influência que as pessoas exercem sobre os outros, mesmo quando passa muito tempo e se renovam gerações.

187. Masaoka Shiki, Aves Dormindo Enquanto Flutuam

187. Masaoka Shiki, Aves Dormindo Enquanto Flutuam

Lauro Reis

Masaoka Shiki faz parte do quarteto de mestres de haiku japoneses, juntamente com Matsuo Bashô, Yosa Buson e Kobayashi Issa. Desse grupo, Shiki é o mais contemporâneo, o que viveu menos tempo e o que compôs mais poesia. É também o mais iconoclasta dos quatro, especialmente pela sua interpretação considerada blasfema da obra do seu precursor Matsuo Bashô. Numa época em que este havia sido elevado a estatuto divino pelo Estado, Shiki argumentou que era Buson, e não Bashô, o que detinha maior qualidade poética. Todavia, uma das contingências interessantes da vida de Shiki é o facto de ser o único membro do quarteto que viveu na época de abertura forçada do Japão ao ocidente. Após um período de cerca de duzentos e cinquenta anos de reclusão nacional (Sakoku 鎖国 1603-1868), os artistas japoneses entravam em contacto, pela primeira vez em larga escala e em variedade, com a arte e pensamento ocidental. No caso de Shiki, foram as teorias do crítico de arte, pintor e filósofo John Ruskin que, de acordo com a introdução de Joaquim M. Palma (doravante JMP), mais impacto lhe causaram, sobretudo nos seus esforços argumentativos de renovação e habilitação do haiku enquanto forma de arte universal.

186. Hans-Ulrich Gumbrecht, Crowds: The Stadium as a Ritual of Intensity

186. Hans-Ulrich Gumbrecht, Crowds: The Stadium as a Ritual of Intensity

João N. S. Almeida

Continuing the project that Hans-Ulrich Gumbrecht started with In Praise of Athletic Beauty (2006) and benefiting from much that has been put forward in Production of Presence: What Meaning Cannot Convey (2004), Crowds (2021) intends to speculate analytically on a subject’s ontological status when immersed in a crowd. As expected, the book is mostly anchored on continental philosophy: his references are authors interested in the being-as-body such as Husserl and Heidegger, who form the basis for a focus on the bodily presence as opposed to the dimension of intellectual meaning. Gumbrecht’s reasoning in those previous works tries to gravitate towards the body, a culture of presence and, specifically in this one, the ontological differences that being immersed in a crowd and watching sports may bring out.

185. Anatole Litvak, Sorry, Wrong Number

185. Anatole Litvak, Sorry, Wrong Number

Lourenço Veiga

Sorry, Wrong Number é um filme baseado numa peça para rádio do mesmo nome. Ainda que este registo cinematográfico seja, num certo sentido, a representação visual da performance radiofónica (com vários elementos acrescentados que aumentam a complexidade da obra, como veremos), o elemento principal de ambos não deixa de ser o som, mais especificamente (e exclusivamente) o som que se ouve, em toda a sua limitação e promessa, numa conversa à distância. Não quero com isto dizer que o som no filme é tão importante como o som na peça de rádio; no filme, é a nível conceptual que ele nos interessa. Encaminha-nos para algo que não faz parte apenas dos «dados dos sentidos», pois estamos a falar também de memórias e expectativas, ou de ilusões e medos.